"Escrevo da terra das feias, para as feias, as velhas, as machonas, as frígidas, as malfodidas, as infodíveis, as histéricas, as taradas, todas as excluídas do grande mercado das gajas boas. E começo por aqui para que as coisas sejam claras: não peço desculpa de nada, não me venho lamentar.(…)
Acho óptimo que haja mulheres que gostam de seduzir, outras arranjar marido, mulheres que cheiram a sexo e outras a bolo do lanche das crianças que saem da escola. É óptimo que haja umas muito meigas, outras esfuziantes na sua feminilidade, que haja mulheres jovens, muito belas, outras vaidosas e flamejantes. A sério que fico contente por todas aquelas a quem as coisas tal como são convêm. Isto sem a mais pequena ironia. Acontece, porém, que não me íntegro nesse grupo. É claro que não escreveria o que escrevo se fosse bela, tão bela que fizesse mudar a atitude de todos os homens com quem me cruzo.
(…)
Não tenho a mínima vergonha de não ser uma gaja superboa. Em contrapartida, fico verde de raiva que, enquanto rapariga que interessa pouco aos homens, me estejam sempre a dar a entender que nem sequer devia existir.
Ora, nós sempre existimos. Embora não haja sombra de nós nos romances dos homens, cuja imaginação é apenas povoada por mulheres com quem gostariam de ir para a cama. Sempre existimos, nunca falámos. Mesmo hoje, em que as mulheres publicam imensos romances, raramente encontramos personagens femininas com físicos ingratos ou medíocres, incapazes de amar os homens e de se fazerem amar por eles. Pelo contrário, as heroínas contemporâneas amam os homens, encontram-se facilmente, deitam-se com eles em dois capítulos, gozam em quatro linhas e gostam todas de sexo.
Estou-me nas tintas para dar tesão a homens que não são o meu sonho."
Virginie Despentes, 2006
Escritora, romancista e cineasta francesa. É conhecida pelo seu trabalho sobre género, sexualidade e pessoas que vivem à margem da sociedade. [fonte:
Wikipedia]