24 julho 2009

27 de Outubro de 1902

Hesitante, Teodorica Balankova aproximou-se da porta entreaberta. Por um momento pareceu que ia recuar mas, num assomo de coragem, pôs a mão no puxador e num só gesto, repentino, empurrou a porta e entrou no quarto obscurecido, cheirando a pecado e devassidão.
A luz vinda do exterior da porta aberta por Teodorica Balankova deixava entrever o contorno de dois corpos desnudados, entrelaçados em repouso.
Em silêncio, Teodorica encostou a porta e, subrepticiamente, aproximou-se da cama, onde Alexandrina Fiodorova e José Eduardo dormiam. "A sorrir", constatou Teodorica irada, enquanto apreciava o quadro sensual que os corpos jovens e sãos proporcionavam.
Sobressaltada pelo estalar da madeira na sala ao lado, Teodorica procurou, por precaução, a penumbra para se ocultar e estacou sem respirar, certificando-se que ninguém se aproximava ou que os amantes não acordavam. Ante a paz cálida e o silêncio penumbroso que a casa e o quarto mantinham, a empreendedora Teodorica cerrou os lábios num sorriso cortante e iniciou a execução do seu maléfico plano.
A coberto da sombra, confiando na ausência de testemunhas e no óleo que usara na roldana, Teodorica começou a puxar suave mas resolutamente a corda que levantava o peso de 16 toneladas que se havia de colocar sobre os corpos nus de Alexandrina Fiodorova e José Eduardo.
"A morte será rápida e indolor" pensou Teodorica, vendo o peso subir inexoravelmente. "É pena" lamentou. "Preferia uma morte lenta e dolorossissima", Teodorica hesitou nesta palavra e apontou mentalmente que deveria estudar mais afincadamente a língua mãe.
Tensa, Teodorica Balankova escutava o rumorejar contínuo e lamentoso da corda e da roldana e procurava, nos seus gestos contidos e muito ensaiados, a calma para levar o seu plano até ao fim. Entreabriu os lábios, numa espécie de sorriso desdentado, quando a corda deixou de lhe obedecer e os seus olhos brilharam diabolicamente ao constatar que o peso de 16 toneladas se encontrava na posição prevista e tão ansiada.
Alheios a tudo, os amantes permaneciam placidamente adormecidos e Alexandrina Fiodorova enroscou-se mais em José Eduardo, permitindo a Teodorica a invejosa contemplação das suas nádegas firmes e rosadas.
"Alexandrina Fiodorova tem um belo cu" constatou Teodorica, que era psicopata mas não era cega e, rindo em silêncio, concluiu com prazer: "Mas isso agora não lhe vai valer de nada!"
Na verdade, como bem sabia a infeliz e despeitada Teodorica, Alexandrina Fiodorova, rica em carnes e refegos, era dona de um dos mais belos e cobiçados corpos de São Petersburgo e, vista dali, Teodorica percebia bem porquê . "A puta é boa" sentenciou sem ironia. Mas, no seu intímo, no mais profundo do seu ser, no âmago da sua alma, Teodorica comprazia-se por saber que José Eduardo nunca amara a menina Fiodorova, amava-a a si, Teodorica Balankova!
Com a corda na mão, certa de que a vida dos amantes estava, literalmente, por um fio, Teodorica, que era psicopata mas não era megalómana, permitiu-se num assomo de assassina bonomia rectificar a sua ideia e, sem mágoa, reconheceu que, na realidade, não só o português não a conhecia, como se porventura os seus destinos se cruzassem, o melhor que lhe podia acontecer era que José Eduardo se condoesse de si e lhe desse uma de esguelha na caleche que o transportava aos banhos às segundas-feiras depois das quatro da tarde.
Interrompendo as conjecturas delirantes de Teodorica Balankova, Alexandrina Fiodorava, sem abrir os olhos, rebolou de costas para cima de José Eduardo que, na sua lassidão de amante saciado permaneceu de rosto impassível mas demonstrou verdadeira alegria e pujança ante os avanços da russa rebolona. Sorrindo candidamente, Alexandrina Fiodorova movia o seu avantajado mas sensual corpo para que José Eduardo entrasse em si. Teodorica, de corda na mão, tudo via sem nada compreender. Via os inconscientes, quase transcendentes, movimentos síncronos dos amantes e observava com toda a atenção a cega mas aparentemente decidida jornada do enorme órgão reprodutor de José Eduardo para as enormes nádegas de Alexandrina e, espantada, tentava perceber onde a menina Fiodorova o arrecadava, pois, a posição em que esta se colocara não permitia que José Eduardo a estivesse a penetrar onde a santa mãe igreja ordena. Escandalizada, Teodorica Balankova tudo percebeu, afinal conhecia a anatomia humana e, inadvertidamente, deixou escapar um sonoro "OH!!"
Alexandrina Fiodorova e José Eduardo olharam-na perplexos.
Teodorica esboçou um sorriso, largou a corda e gritou:
"Morram, sodomitas! O dia do vosso julgamento chegou!"
E encolheu-se e fechou os olhos, esperando o estrondo, o quente espirro de sangue, de fluídos corporais e de alguns ossos mas, surpreendentemente, nada aconteceu, ou melhor, nada aconteceu ao peso que se manteve miraculosamente suspenso sobre as cabeças dos amantes, pois, José Eduardo, ainda com ele entalado, gritou um impropério em português, que as duas mulheres russas não compreenderam e que, agora, para o caso, pouco ou nada adianta, e tomado de uma fúria irreprimivel e brutal ergueu-se sobre as nádegas de Alexandrina de braços estendidos e mãos assassinas tentando alcançar a carótida de Teodorica Balankova.
Alexandrina Fiodorova gemeu.
Teodorica deu um passo atrás.
José Eduardo insistiu, esticando-se.
Alexandrina Fiodorova tornou a gemer.
Teodorica permaneceu fora do alcance das mãos do homem, sorrindo desafiadora.
José Eduardo e Alexandrina Fiodorova, com um duplo grito primordial de dor, estatelaram-se no chão encerado. O sangue jorrou do ânus de Alexandrina que gritava como uma louca, enquanto José Eduardo apenas murmurava num último estertor "Partiu-se, meu Deus, partiu-se".
Teodorica, vendo que de forma ínvia o seu plano acabara por resultar melhor do que o esperado, não se conteve e riu à gargalhada acabando por imprudentemente deixar-se cair sobre a cama.

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