15 maio 2021

Salto à minha vara

Desconfio que a suprema e ancestral arte do engate vá viver tempos difíceis. O piropo movimenta-se num campo lexical minado de perigos sociais, capaz de ativar uma explosão a qualquer momento, o galanteio ultrapassa facilmente as fronteiras do razoável, e o mais simples dos elogios tem de saber escolher as palavras cuidadosamente, não vá de repente ser transformado em alguma forma imprópria de assédio sexual. São tempos duros, quase tão duros como o meu Pacheco e obrigam a uma reinvenção na forma de expressar o interesse meramente carnal, como se tal fosse pecado. É nobre ter um interesse genuíno, emocional e intelectual por outra pessoa. Mas o interesse carnal deveria estar revestido da mesma nobreza de valores. Tudo deveria ser válido. Mas os dias que correm anunciam cuidado. Por sorte, sou um gajo que lê muito. Não raras vezes, quando não estou a pinar, estou a ler. Então, para exorcizar este defeito terrível que é gracejar como um alarve, na ténue esperança que a qualidade do humor me salve de ser alvo de um processo de assédio, tive de me readaptar e começar a usar tiradas fantásticas de anos de literatura que me ficaram nos arquivos da memória.
No tempo em que usava o humor directo, tudo era bem percebido: "Este Patife quer pinar. Na verdade, não tenho nada melhor para fazer, por isso vamos a isso!"  Tudo simples. Mas agora, uso pérolas de sabedoria literária que as deixam molhadinhas e com o pipi aos saltos. E não são saltos simples. São saltos dignos de ganhar medalhas olímpicas nas provas de atletismo, nomeadamente as do salto à vara. E eu apresento-me logo para ser usado, caso um qualquer pipi queira triunfar no salto à minha vara. É só chegar, ver e foder. Ou seria. O problema é que digo coisas profundamente sábias, por vezes até sensíveis. Elas adoram. E é aqui, precisamente aqui, que começam todos os equívocos: apaixonam-se. Elas pensam que é por mim, coitadas, o que é o cabo dos caralhos. Mas não é. Não sabem nem sonham, mas na verdade ficam caidinhas pelo Breton, pelo Barthes, pelo Herberto Helder ou pelo Gogol. Pouco importa para o caso. Por mim é que não é. “És tão inteligente”, dizem. Não sou. Tenho é boa memória. Pelo menos para livros. Já quanto a fodas, depois de pinar passaste à história.

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