01 maio 2021

Sensibilidade de gnu

Há uns anos estive presente num encontro de bloggers numa danceteria, que apenas tinha uma regra: Ninguém revelava a sua identidade de blogger. Sabíamos quem estava lá, mas estávamos a brincar um pouco ao “Quem é Quem?” da vida real. Estava eu encostado ao bar a beber o meu whisky quando uma das participantes se achega de mim e pergunta: "O que estás a beber?" Movimento contínuo, dou um trago no pouco que resta do veneno protoplástico que tenho no copo e respondo: “Agora nada.” Enquanto gajo que tenta promover a igualdade de género, abro sempre a janela para a iniciativa de uma mulher me pagar uma bebida. Não que seja um crava-copos, certamente paguei mais bebidas do que o contrário, mas gosto de criar oportunidades para a igualdade. Esta aproveitou a deixa para se emancipar e pediu duas bebidas. A conversa fluía quase tão bem como o Pacheco costuma fluir traqueias abaixo, até que ela me informa que vai ao quarto de banho. Dado o avançar da hora e da conversa, imagino que tenha ido retocar a maquilhagem da pachacha. Talvez emendar um ou outro detalhe do vajazzling que lhe deve estar a enfeitar o papo de chona, penso eu. O Carnaval social já chegou à patareca, bem sei que eu cá ando atento às modas e tendências pachachais. Nisto, tendo ficado momentaneamente sozinho, uma magana assim daquelas todas ruivas apanha a aberta - uma coisa em que o Patife é especialista, diga-se – senta-se ao meu lado no balcão do bar e diz solenemente: "Eu sei que tu és o Patife." Olho-lhe nos olhos e percebo que ela sabe o que está a dizer e que ela sabe que eu sei que ela sabe o que está a dizer. Há um momento solene, intenso e quase simbiótico, em que tudo o resto parece ficar em câmara lenta, olhos de esperança inflamam-se como se queimassem tudo ao nosso redor, os corpos magnetizam-se, como se eu fosse um íman e ela um frágil metal em dificuldades... até o momento ser quebrado pela verborreia do Patife. Assim que vislumbro a outra a sair da casa de banho e a dirigir-se nós, comento em tom profundamente pomposo e com voz de radiofónica: “Terás de esperar pela tua vez, mas podes vir a ser uma das gajas que o Patife fez.” Não gostou. Percebo que deva ser daquelas que vê novelas portuguesas e tragicomédias românticas americanas ao domingo à tarde no momento em que me atira a bebida à cara antes de me virar costas. A falta de originalidade desmotiva-me a gaita. A outra, que entretanto chega do quarto de banho, assiste a todo o enredo e pensa que o Patife se estava a atirar à ruiva, recriminando o comportamento com a cabeça. Bem sei que as meias-verdades são a moeda comum do pensamento, por isso sei o que ela está a especular e nem tento esboçar uma explicação para ver se dou finalmente uso ao salpicão. É o que se paga por ter uma sensibilidade de gnu, próprio de quem gosta muito de ir ao cu.


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