Inicialmente na zona onde estive, as lavadeiras eram poucas, haviam sim os "lavadeiros", moços que iam ao quartel buscar a roupa e depois de pronta entregavam-na. Quando lá cheguei, dezembro de 1973, já as lavadeiras estavam "instituídas" e não me lembro de ver rapazes a fazerem esse serviço. Andavam sim, junto às oficinas e nada mais.
Ali estavam então à minha frente, a minha lavadeira e a lavadeira grávida. Um pouco acanhadas em falar comigo, estranhei o facto, pois as conversas eram normalíssimas, o entregar a roupa, verificar se as mesmas estavam todas, o pagamento da tarefa e pouco ou nada mais.
A mais velha, depois de algum silêncio, lá me disse o que se passava. Até hoje estou por saber a razão porque fui escolhido para essa tarefa. Dava-me muito bem com os locais. Ia muitas vezes até à povoação, inteirava-me dos seus usos e costumes, assistia ao "tchikumbi" e era convidado para algumas festas. O fiote é por norma, um povo simpático, afável e de bom trato. Ia caçar quando estava disposto a isso, pastorava quem tinha rebanho e o resto do tempo era passado em franco convívio com os seus amigos.
A minha lavadeira explicou que a sua amiga estava grávida de um alferes lá do quartel, que depois de saber que ela estava grávida, tinha deixado de aparecer e ela tinha deixado de ser a lavadeira dele.
Pediram-me para interceder, de forma a que ele voltasse de novo para ela e pudesse participar nas despesas quando, no futuro, o filho que estava a ser gerado, viesse ao mundo.
De nada valeu a minha alocução junto ao alferes (que já não me lembro quem era) e, pouco tempo depois, devido a minha companhia ser de rendição individual, esse alferes foi-se embora.
A criança iria nascer nua.
Mário Lima
Blog «A tua vontade é a tua vitória»
P.S. - O sentido aqui é figurado, pois todos nós nascemos nus, mas depois do nascimento há sempre uma roupa que nos tapa. O alferes ao não assumir a paternidade, e isto tem a ver com o facto que todas as que se relacionavam com um tropa e embora tivessem mais roupa para lavar de outros tropas, eram fieis a esse companheiro até ele se ir embora, e ao não participar na evolução e nascimento do filho, o mesmo não teria, quando nascesse, roupa para o tapar.
foto: Fernando Correia
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