12 setembro 2018

Filhos de branco 4 - «A esteira» - Mário Lima

Dormir na esteira é tipicamente africano. Quando os "defensores de causas" se referem ao facto do africano dormir na esteira e o caucasiano dormir numa cama e veem nisso um motivo discriminatório, é porque não percebem nada das culturas dos povos. É como confundirem uma cubata feita de folhas, palha, coberta de barro de uma aldeia africana, e as casas de cimento de uma aldeia caucasiana.

Quando ia de patrulha levava também a minha esteira. Três/quatro dias na floresta do Maiombe, à noite deitava-me debaixo dos cafeeiros, de uma árvore de grande porte, estendia a esteira, colocava o poncho (impermeável) por cima, fazia do saco, que transportava as rações de reserva, o meu travesseiro e ali dormia, muitas vezes enregelado e a chover.

As casas da aldeia onde estive na tropa, eram quase todas típicas. Aqui e ali, viam-se algumas em cimento mas a maioria não.

Assim era o local onde dormiam. Umas já tinham camas com colchão de palha, mas a maioria dormia na esteira.

O chão era de terra. As lavadeiras era ali que recebiam os seus companheiros para mais um momento de sexo.

Nessa noite estava de piquete como sargento de guarda. Tinha como missão percorrer o quartel e, com palavras passe, saber se as sentinelas estavam em alerta ou dormiam.

Antes da porta de armas encerrar, lá iam alguns tropas até a aldeia, para mais uma noite passada na esteira.

Aquele furriel tinha chegado há pouco ao quartel. Lá arranjou uma lavadeira e era essa a primeira noite que ia passar com ela.

Sentado na cadeira em frente à messe dos sargentos, olhava para aquele céu estrelado. O gerador já há muito que tinha deixado de funcionar. Esse gerador também fornecia energia à aldeia. O silêncio era absoluto.

De repente ouço alguém chamar-me: «Lima, vem aqui». A voz vinha da porta de armas.

Quando lá cheguei, com as cautelas devidas, era o nosso furriel que regressava da aldeia. Estranhei pois, não era costume aparecer alguém àquela hora e ainda por cima ele que ia fazer o seu batismo na esteira.

- «Já de regresso»?

E então contou-me ele.

- «Sabes, deitei-me na esteira mais a lavadeira, e pá, depois de uma primeira vez, ela ainda não satisfeita, enroscou-se de novo e eu, embora já cansado, lá consegui. O pior foi depois. Estava já quase a dormir, quando comecei a sentir algo a subir pelo corpo e comecei a ter uma tremenda comichão. Eram bichos que faziam do meu corpo o seu pasto. Era tanta a bicharada, que eu até pensava que podia vir algum lacrau que me mordesse e ali ficava.»

- «E a a lavadeira?! - perguntei eu.

- «Essa dormia e bem. Deve estar habituada e nem conta estava a dar da bicharada. Então levantei-me e ela acordou. Onde vais? perguntou-me. Vou para o quartel. Não consigo dormir com estes bichos todos por cima de mim»

E assim fez. E às tantas, eu, perdido no silêncio da noite, ouvia o meu camarada de armas a contar-me a história da sua primeira noite passada numa esteira.

A meu lado, o cão que me acompanhava nas rondas, dormia.

Mário Lima
Blog «A tua vontade é a tua vitória»

foto: Ademar Campos


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