10 outubro 2018

«O relógio» - Mário Lima

Um tema que escrevi em nov. 2006, tendo como pensamento o tema «Isabelle» do Charles Aznavour. Dizíamos em África, «Isabel, olha o relógio»*. Era uma expressão "malandreca" que quem lá esteve, sabe o significado.



O relógio

Se quiseres tiro tudo, excepto o relógio. Ele marca o tempo que posso estar contigo, nem mais nem menos um minuto. Regula a minha vida, a minha permanência neste mundo.
Inexoráveis, os ponteiros somam os segundos fazendo minutos que, por sua vez, se transformam em horas, em meses, em anos.
Há quem me tenha visto nu, com uma faca na algibeira rolando pela encosta da Serra, mas não, não era eu, sei é que hoje estou aqui perante ti, nu, com o relógio no pulso e esse sim, sou eu!
Não tenho tempo, tempo que me consome, tempo que faz com que não tenha tempo para estar mais tempo contigo.
Pede-me tudo menos tirar o relógio. Mesmo olhando de soslaio, tenho que ver as horas. O relógio da torre soou, são horas, horas de me ir embora!... Esgotou-se o tempo… o tempo foi esgotado!... Nem mais um segundo restou.
Desço as escadas, sei que tu terias mais tempo para ficar comigo, mas eu sei é que não tenho mais tempo para ficar contigo!
Chego ao carro, fico um tempo a sossegar as batidas do coração, rio-me um pouco do disparate que é este de não ter tempo para se amar à vontade, sem pressas.
Arranco, atravesso a cidade com as luzes de néon iluminando-me o caminho, olho para o pulso e verifico que, afinal, me tinha esquecido do relógio, do meu relógio... na tua mesa de cabeceira!

* - Em Portugal era uma publicidade a um relógio (Certina?) que não me lembro de ter chegado (a publicidade) a Angola, onde estive. Connosco, a expressão era noutro sentido.

Mário Lima

____________________________
Nota da Rede à São - Entretanto, uma fonte, sempre muito bem informada, explicou a expressão "Isabel, olha o relógio":

"Era quando tínhamos relações sexuais com alguém e colocávamos a mão dentro da vagina e ela entusiasmava-se demasiado e queria a mão (fechada), braço e tudo o que viesse, dizíamos para ter cuidado com o relógio que estava no nosso pulso, não fosse ela magoar-se.
Lembro-me um dia estar no mato e havia um camarada que tinha uma super 8. Claro que víamos filmes pornográficos e quando vimos uma cena igual à que referi, aquilo parecia que estava combinado, a malta disse logo:
- Isabel, olha o relógio!
Tinha sido um sucesso, essa publicidade. Creio que começou no Brasil e veio para Portugal. No Brasil, a Isabel era tão boa que ninguém reparou na marca do relógio."

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia