17 abril 2021

Do falo à falácia

Isto de andar sem dar uso ao falo faz-me enervar com coisas de forma algo aleatória. Não é este o caso, porque sabem bem que fico com urticária psicossomática sempre que brincam com a língua portuguesa. Esta semana deparei-me com o uso recorrente do conceito falácia, usado como um mero sinónimo, mais elevado porém, de mentira. Ouvi na televisão por duas vezes, e ontem, em conversa, uma amiga contava-me as zangas com o marido e desbarata: "Ele diz que me ama mas isso é uma falácia”. Três vezes numa semana é o meu limite por isso perguntei meio gozão: “Uma falácia, qual? E de que ordem?”  Ela é de ciências, não sei bem o que fazem as pessoas de ciências, mas certamente não é perder tempo a identificar paralogismos em discussões conjugais e sofismas em conversas de café. Por isso acalmo-me e como também não sei distinguir um glóbulo vermelho de uma plaqueta, explico calmamente que uma falácia não é necessariamente uma mentira, mas um raciocínio erróneo e logicamente inconsistente que aparenta ter, para o ouvido destreinado, uma argumentação sustentada e válida. Acho que ela não me ouviu porque continua a vociferar: “Ele faz de propósito! Eu sei que ele faz de propósito!” Apanho a deixa e acrescento que as falácias que são cometidas involuntariamente designam-se por paralogismos e as que são produzidas de forma a confundir intencionalmente alguém numa discussão chamam-se sofismas. Ela continua a argumentar com base unicamente no que sente. E eu continuo somo se estivesse num teste oral: “Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional, íntima, psicológica, mas são desprovidos de validade lógica”. Explico-lhe que é importante conhecer os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e para analisar a argumentação do seu-mais-que-tudo durante uma discussão. Depois decide contar-me a última discussão conjugal ao detalhe, expondo as fragilidades emocionais e de raciocínio de ambos em contexto de relação. Por momentos penso que tive menos intimidade com a maioria das raparigas com que fui para a cama. Enquanto solteirão inveterado devia ser poupado a isto. Mas os amigos são para estas ocasiões, por isso, com base nas discussões que me relatou, identifiquei três falácias recorrentes, que me aprontei a recordar-lhe e que partilho para todos os casadinhos deste mundo:

Derrapagem (bola de neve)

Para demonstrar que uma proposição é inaceitável, apontam-se consequências negativas dessa proposição e consequências das consequências. Mas as consequências são hipotéticas e de probabilidade pouco elevada. A falsidade de uma ou mais premissas é ocultada pelo operador proposicional “se... então...” que constitui o todo do argumento.

Exemplo teórico: Nunca deves jogar às cartas. Se começares a jogar às cartas verás que é difícil deixar o jogo. Em breve estarás a perder todo o teu dinheiro no jogo e, inclusivamente, podes virar-te para o crime e para as drogas para pagar as dívidas.

Exemplo empírico à Patife: "Ai, não. Se metes isso tudo dentro da minha coninha apertadinha vou ficar tão estragadinha da pachachinha que não vou conseguir voltar a pinar com outro homem ou vou ficar com a bocarra da chona tão lassa para o resto da vida que não volto a ter prazer sexual."

Na prática: Peguei, trinquei e meti-o na fresta. Riu-se e dei-lhe a volta à cabeça. Continua a ter prazer sexual com outros homens, porém não tanto como com o Patife.

Falso dilema

É dado um limitado número de opções (por norma duas), quando de facto há mais. O falso dilema é um uso ilegítimo do operador “ou”. Colocar as opiniões em termos de “ou sim ou sopas” gera, com frequência esta falácia.

Exemplo teórico: Ou concordas comigo ou não. (Porque se pode concordar parcialmente.)

Exemplo empírico à Patife: "Ou ela, ou eu!"

Na prática: Foram as duas nessa noite. E foram-se as duas nessa noite. Sempre juntas. Nunca uma ou outra.

Argumentum ad hominem

Ataca-se a pessoa que apresentou um argumento e não o argumento apresentado.

Exemplo teórico: Podes dizer que Deus não existe mas estás apenas a seguir a moda porque não tens opinião própria.

Exemplo empírico: "Tu não percebes nada porque só pensas em pinar!"

Na prática: Só é efectivamente uma falácia porque, apesar de grunho da picha, percebo muito disso do pinar. De tudo o resto, percebo muito pouco ou mesmo quase nada.

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