Naquela tarde
Havia um bailado de aves
Sob a chuva miudinha
Posso jurar.
Havia dormência no olhar
Constante como ausência
Prenúncio ruim e circunstante
Na dolosa angústia enraizada.
De repente despertei
E num sobressalto
Translúcido e inesperado
Surgiste tu.
A precisão dos teus passos
Desafiava o som descompassado
Borbulhante e solto
Da pluviosidade desaguante
Na sarjeta.
Afagavam-te o rosto
Diminutas gotículas
Que serpenteavam a gravidade
E a ternura do momento.
Tinhas os olhos febris
E uma luminosidade crepuscular
Nos lábios entreabertos.
A tua respiração era ofegante
Descomedidamente
Apressurada.
Por vezes o desejo
Adivinha-se no tremor
Dos dedos e da voz
Ofuscando o nosso redor:
Miragem de um horizonte rubro
Palpável como se fosse real.
Não existia tempo nem destino
Apenas um cúmplice silêncio
Rigoroso e vertical
Naquela amálgama
De sentidos despertados.
O resto
Não digo
Porque me deixa saudoso
Melancólico
E definha-me o pensamento.
«O silêncio e o gume da palavra», 2022
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