Os olhos assumem-se planos e paralelos
Espevitando os contornos do anoitecer.
As bocas mordem o espanto e o sono
E todas as luas prenhes de insubmissão
Que espargem o luar pulverizado e pálido
Na verticalidade fria das faias outonais.
As brisas serpenteiam as arestas vivas
Sibilando quando sulcam palavras firmes
E quando se incendeiam nos atritos secos
Que os inertes e velhos granitos possuem.
Restam só os braços que agarram os rios
E todas as águas que desaguam no olhar
Em braçadas amplas quase abraço
Quase dor quase paixão primaveril.
Só as marés se mantêm fiéis e vivas
Num vai-e-vem luzidio de espuma e cor
E raios ensolarados que enfunam a vida
E as horas pardacentas do entardecer.
As sombras fugidias não amam a luz
Não amam o germinar lento da semente
Rubra e pomposa que origina o sonho
E todos os afagos subtis pelo teu rosto
Que só os dedos acesos sabem esboçar.
Meu amor nós somos loucos e lúcidos
E temos todos os caminhos descerrados
Onde já encontrados nos encontramos
Numa labareda azul e rubra que se expande
Ao infinito do que somos e queremos ser.
«Na tarde liquefeita dos teus olhos», 2023
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