- Tou, Rosa, não vais acreditar.
Era já tarde, mal lhe reconheci a voz ao telefone, quanto mais imaginar o que teria para me contar.
- Onde andas tu?, ainda perguntei a ver se conseguia perceber no seu tom de voz qualquer pista para saber como lhe falar. Então ela contou.
Estou no cais. Vim aqui beber um copo, sabes como é quando não se tem vontade de ir para casa. Vim apanhar ar, fumar uns cigarros, beber uns copos, sabes que há horas em que uma pessoa parece que sufoca dentro de si mesma.
Quando me pareceu que estava suficientemente anestesiada para ir para casa e não lhe sentir o vazio, preparei-me para pagar e ir embora. Foi quando o vi entrar. Primeiro quase não o reconheci. Parecia um velho, magro, ferozmente bronzeado e, não vais acreditar, sem dentes.
Dirigiu-se a mim, algo inseguro e perguntou-me: Ainda te lembras de mim?
Curiosamente, Rosa, respondi-lhe sem qualquer emoção, que sim, que me lembrava. Mas sem qualquer emoção, repara. Como se ele não tivesse sido o quase-Vítor da minha vida, desculpa querida, falar-te do Vítor, mas é só para que te lembres do que este homem foi para mim. Já lá vão quantos? 10? 15 anos? E contudo...
Mas foi sem emoção que lhe respondi. Fria como o gelo. Afável tanto quanto o somos para o empregado do café ou da papelaria.
Ele sentou-se à minha frente. Começou por explicar porque não tinha dentes, não é patético, Rosa, que este homem assim me surja? E pensar que o guardava com memória amarga. Ressentimento talvez, porque foi o único homem com quem me enrolei mas com quem não fodi. Não chego a perceber porque não chegámos a foder, mas gosto de pensar que ele temia não se aguentar à bronca. Quer dizer, tu lembras-te de eu te contar como estivémos sempre lá quase, mas o gajo retraía-se.
No final percebi que me sentia de algum modo satisfeita com as agruras que me contava. Fui má, ressabiada, mas sei que ele merecia esta vingançazinha por me ter deixado à nora.
Que cabra, pensei eu, sem querer ver que poderia estar a contar-me uma parte da minha própria história. Teremos sempre esta necessidade de confirmar que os homens que deixámos para trás ainda não conseguiram ser felizes? Sem querer saber da resposta, apaguei o cigarro e carreguei no play para ver uma vez mais o "Disponível para amar".
Era já tarde, mal lhe reconheci a voz ao telefone, quanto mais imaginar o que teria para me contar.
- Onde andas tu?, ainda perguntei a ver se conseguia perceber no seu tom de voz qualquer pista para saber como lhe falar. Então ela contou.
Estou no cais. Vim aqui beber um copo, sabes como é quando não se tem vontade de ir para casa. Vim apanhar ar, fumar uns cigarros, beber uns copos, sabes que há horas em que uma pessoa parece que sufoca dentro de si mesma.
Quando me pareceu que estava suficientemente anestesiada para ir para casa e não lhe sentir o vazio, preparei-me para pagar e ir embora. Foi quando o vi entrar. Primeiro quase não o reconheci. Parecia um velho, magro, ferozmente bronzeado e, não vais acreditar, sem dentes.
Dirigiu-se a mim, algo inseguro e perguntou-me: Ainda te lembras de mim?
Curiosamente, Rosa, respondi-lhe sem qualquer emoção, que sim, que me lembrava. Mas sem qualquer emoção, repara. Como se ele não tivesse sido o quase-Vítor da minha vida, desculpa querida, falar-te do Vítor, mas é só para que te lembres do que este homem foi para mim. Já lá vão quantos? 10? 15 anos? E contudo...
Mas foi sem emoção que lhe respondi. Fria como o gelo. Afável tanto quanto o somos para o empregado do café ou da papelaria.
Ele sentou-se à minha frente. Começou por explicar porque não tinha dentes, não é patético, Rosa, que este homem assim me surja? E pensar que o guardava com memória amarga. Ressentimento talvez, porque foi o único homem com quem me enrolei mas com quem não fodi. Não chego a perceber porque não chegámos a foder, mas gosto de pensar que ele temia não se aguentar à bronca. Quer dizer, tu lembras-te de eu te contar como estivémos sempre lá quase, mas o gajo retraía-se.
No final percebi que me sentia de algum modo satisfeita com as agruras que me contava. Fui má, ressabiada, mas sei que ele merecia esta vingançazinha por me ter deixado à nora.
Que cabra, pensei eu, sem querer ver que poderia estar a contar-me uma parte da minha própria história. Teremos sempre esta necessidade de confirmar que os homens que deixámos para trás ainda não conseguiram ser felizes? Sem querer saber da resposta, apaguei o cigarro e carreguei no play para ver uma vez mais o "Disponível para amar".