Há um inexplicável conforto retirado do bailado tilintante dos cubos de gelo dentro do copo. Martini Bianco. Um favorito seu. É possível que a música esteja demasiado alto para as regras de boa vizinhança. Ora, que se fodam os vizinhos. Espera assim conseguir abafar os pensamentos gritantes. Debruçada na varanda, procura o que lhe diz a noite escura. Sente-a perversamente acolhedora. Mas ela preferia que estivesse frio. O frio nocturno saberia entendê-la melhor. Lá dentro, a atmosfera é adocicada pelo aroma quente do incenso. De sândalo. Também um favorito. Envolve-a o cheiro e a música. Envolve-a o fumo, eroticamente serpenteando em torno de si e do branco da camisa de dormir. Envolve-a o álcool. "Gosto de te ver bêbeda" - dissera ele uma vez por entre risos maliciosos. Mas ele não está ali. Não está. Não está. Não está. Se estivesse, já teria sido empurrado contra aquela parede. Se estivesse, já teria as calças pelos tornozelos. Se estivesse, já... Mas não está. Nunca está. E ela continua a odiar as coisas que ele faz às vezes. E as coisas que ela faz outras vezes. Porque raio teria o Destino juntado aqueles dois seres improváveis era um mistério. O Destino, esse cabrãozinho cheio de sentido de humor. E agora ela não sabe o que fazer. Quer que ele esteja ali, mais do que outra coisa qualquer, mas não sabe o que fazer. Talvez isso não fosse assim tão importante se ele ali estivesse, afinal de contas. Mas não está. E ela não sabe. Que merda. Esgota o Martini, apaga o incenso, cala a música.
Senta-se e começa a escrever... "Há um inexplicável conforto retirado do bailado tilintante dos cubos de gelo dentro do copo..."
Senta-se e começa a escrever... "Há um inexplicável conforto retirado do bailado tilintante dos cubos de gelo dentro do copo..."
[do blog Crimes Perfeitos]