19 dezembro 2009
Pedras
o que há que as possa curar?
É por isso, meu amor,
que eu falo e falo e falo
essas coisas a que chamas tontas;
porque já somos duas pedras
(quando duas pedras chocam mudas)
porque continuamos a chocar,
é a nossa forma de chorar;
e só nos curam as palavras
mesmo aquelas que causam dor.
Quando as pedras chocam mudas
o que há que as possa acetinar?
E é assim, meu amor,
que eu tento e tento e tento
repetir os gestos que tu calas;
é assim que tu me empedras
(quando duas pedras chocam mudas)
quando te continuas a calar,
é apenas o acto de rebentar
das que existem e não atiras;
são mera arma com silenciador.
18 dezembro 2009
O diciOrdinário ilusTarado está no Sítio...
O diciOrdinário ilusTarado no Sítio do Livro
É claro que podes comprá-lo também directamente a mim, com direito a uma dedicatória personalizada, encomendando nesta página.
revista «Os Meus Livros»
"Mais que Vilhena 2. 0 o diciOrdinário ilusTarado é um trabalho único de etimologia que vai para os dois lados e, não sendo bi, serve-se como se fossem três pratos, um pitéu mas uma refeição completa"
Luís Pedro Nunes
Monovolume
– O quê?
– Que me fizesses uma lipoaspiração.
– Uma lipoaspiração?!
– Sim. Uma lipoaspiração não invasiva…
– Desculpa?
– Não invasiva e natural.
– E como é que eu faria isso?
– Com a língua, a boca, os lábios…
– Ah!... Querias que eu te aspirasse os grandes lábios?
– Os grandes lábios?!
– Sim, que eu te lipoaspirasse a vulva?
– A vulva?!
– Que careta é essa?
– A vulva… Porque é que eu havia de querer que me lipoaspirasses os grandes lábios?
– Tu…
– Por essa ordem de ideias também me podias lipoaspirar as virilhas, os pequenos lábios…
– Havia de lá chegar.
– Mas porque é que vocês não vão directos ao assunto?
– Qual assunto?
– Qual assunto!?... Ao clítoris! Aí é que eu queria o teu empenho e cuidada aspiração…
– Ah…
– Se for preciso andam sempre a queixar-se que nós só pensamos é em carinho, em abraços e beijinhos, que passamos tempo demais sem ele na boca e, afinal…
– Afinal?
– Sim, e afinal vocês gostam – ou não sabem – de andar à volta, de rodear, de dar atenção ao que não quer a você atenção…
– Não sabemos?
– Foca-te. Centraliza-te. Concentra-te. Converge!
– Convirjo?
– Sim, converge para onde realmente interessa e deixa os grandes lábios, os pequenos… Deixa o resto da vulva em paz.
– Eu gosto da vulva… É uma palavra espectacular.
– Uma palavra?! Tu gostas da palavra?
– E do sabor.
– Menos mal.
– Sabes…
– O quê?
– Tu é que me podias fazer uma lipoaspiração…
– Era?
– Era. Justifica-se muito mais…
– Isso é verdade!
– Bah!... Justifica-se mas não é por isso… Se…
– Vais-me chamar gorda?
– Não! Pelo contrário, se estou a dizer que eu é que preciso…
– Isso é verdade.
– Não tens de estar sempre a concordar… Ainda por cima com esse sorrisinho e com tanta prontidão.
– Então, justifica-se porquê?
– Já tenho a sonda…
– A sonda?
– Sim, e está preparada, basta usares.
– Queres que eu te lipoaspire a glande?
– A glande, o corpo cavernoso, o escroto…
– Que está bem para vulva.
– O quê?
– O escroto… A palavra.
– Nunca leste os Skrotinhos?
– Não.
– Mas devias, têm tiras geniais.
– Tiras?
– É banda desenhada.
– Não tiras?
– O quê?
– A poderosa sonda que te emagrece.
– Tiro?
– Para fora!... Eu tenho um bom poder de sucção mas acho que não fará grande efeito por cima das calças e…
– Ah!... Agora?!
– Não, se não te dá jeito, deixa estar. Marcamos para outro dia.
– Não, dá. Claro que dá. Aqui?
– Tens mais sondas noutros lados?
– Não é isso…
– Tanta coisa, parece-me que será melhor ser eu a emagrecer. Empurro o banco todo para trás e tu pões-te de joelhos aqui debaixo.
– Não caibo.
– Como é que sabes, já experimentaste?
– Não.
– Então…
– Mas podemos ir para cima.
– Também podemos ficar no carro. O que me interessa ter um amante portátil…
– Portátil… Não sou assim tão pequeno!
– És maneirinho, cabes em todo o lado… Olha… E acho que bem arrumadinho também cabes aqui.
– Eh pá! Mais um bocadinho e o banco ficava na mala.
– É espaçoso, não é?
– E os vizinhos?
– Os condóminos?
– Sim, se algum chega entretanto?
– Achas que falavam nisso na próxima assembleia?
– Provavelmente…
– A garagem é área comum ou pertence aos apartamentos?
– É comum, claro, mas cada um tem direito a um lugar. Devia ser uma box mas o construtor nunca acabou…
– E este lugar é o teu?
– É.
– É da tua fracção?
– É.
– Então: eles que se lixem! Hoje fazemo-lo no carro, já tenho saudades.
E deu-lhe as cuecas para a mão, que tirou de dentro da mala, ante o boquiaberto espanto dele, puxou as saias para cima, sorrindo, mostrando-lhe uma surpreendente alteração depilatória e deitou o banco enquanto encolhia as pernas para o deixar passar.
– De joelhos, meu menino, de joelhos!
Ocaso (By: Florlinda Espancada)
em que o meu corpo se deite;
eu procuro-te em qualquer amante
que o meu corpo contenha e aceite
mas não encontro sequer atenuante,
nada sinto que a memória não suplante;
quando me enchem sinto-me ausente,
quando estou vazia, tudo em mim te sente;
Vem! Vem! Vem! Não faças caso
de mais vidas que estejam por viver
de mais almas que estejam por apreender;
aceito e submeto-te o meu ocaso.
Aceita e entrega-me o teu cansaço
pendura-o em mim, e passo a passo,
será casaco no meu peito - teu espaço;
mangas compridas para melhor te ter.
17 dezembro 2009
Pássara aos saltos
Original aqui.
Mulher sofre acidente e fica com libido insaciável
Um dano num nervo da pélvis, provocado por um acidente de automóvel, mudou para sempre a vida de Joleen Baughman: aos 39 anos sente um "insuportável" desejo sexual... 24 horas por dia.
O sismo desta madrugada explicado pelo Bartolomeu
Tremeu a terra, fodia eu, a minha amada
Gemeu, içou a cona enlangonhada
e disse: Oh, Bartolomeu, que foda tão bem dada!
De manhã, no carro, ouvindo o rádio:
Dizem as notícias numa voz muito alarmada
Ocorreu um sismo numa área afundada
Sorri-me e falei mentalmente ao camarada
Qual sismo, qual caralho, era eu, que fodia a minha amada!"
Bartolomeu
História do dedo apontado
Acasos
Encontros fortuitos,
acasos desencontrados,
o estar no sítio errado
à hora menos apropriada…
Tomarem-nos de assalto
o corpo e o coração
e deixarem-nos à deriva
quando menos esperamos
(acaso o esperamos?).
O tempo é de invenção
e enquanto o amor não acontece
contentamo-nos, talvez,
com as imperfeições
dos casuais eternos
mal amados...
Foto e poesia de Paula Raposo
16 dezembro 2009
É só isto?
Eram de camurça e de um salto que, a mim, me parecia bastante alto. O cano ficava-te um pouco acima do meio da perna, não eram botas muito altas. As paredes eram de um cinzento bastante escuro, mas não chegavam a ser antracite, e o tecto, provavelmente falso em pladur, pintado de preto. Não era um preto amedrontado, muito menos um cinzento demasiado escuro, era um preto abissal, do mais preto que um preto pode ser. Com a iluminação imbutida junto aos rebordos, numa luz ténue, regulável, que jorrava pelas ondulações das cortinas brancas. Como brancos eram os lençois da cama e do edredon que a tapava.
Se o meu olhar fosse perfeitamente calibrado, poderia dizer que as tuas pernas se abriam de tal modo que os teus pés, fincados no chão com esse salto bicudo, distavam entre si uns bons cinquenta centímetros. Estavas sentada na beira da cama, do lado direito da cama para ser mais preciso, com os teus braços apoiados nas coxas e as mãos juntas. Pendendo a cabeça, os teus cabelos cediam à gravidade e tapavam-te o rosto. Longos, entre as tuas pernas, passavam o plano imaginário das coxas roliças e ondulavam ligeiramente. Porque o teu corpo, vivo, pulsava e respirava, e porque também as cortinas à tua frente ondulavam ligeiramente pela brisa que entrava, numa noite muito tranquila, quente, em que a porta do quarto para a varanda, deslizante e em vidro, de alto a baixo, estava totalmente corrida para o lado. A barreira entre o nosso universo e o mundo dos estranhos, se lhes desse para olhar e alguém lá fora estivesse, seria apenas um tecido ondulante com sombras mal definidas mas, porventura, sugestivas.
Observava-te enquanto, com o telefone encostado ao ouvido, ignorava as palavras que me dirigiam. Sei que respondi qualquer coisa como «Pode ser, obrigado» e desliguei. Nas tuas costas, e no lado oposto da cama, permaneci em pé, a ver o teu cabelo ondular. Deixei-me encostar à parede, flectindo uma perna e apoiando a maior parte do peso na outra. Cruzei os braços. O clique do telefone que pousei fez-te virar a cabeça um pouco para a esquerda. Com o olhar acompanhei o contorno das tuas pernas, passando por aquela curva que tanto aprecio, quando as coxas se transformam em anca e depois em cintura. Continuavas imóvel. E eu também. Qualquer palavra minha, ou gesto, podiam interromper os teus processos neuronais, as ponderações, as avaliações que estavas a fazer. Como balança, pesando isto e aquilo. O conhecido e o desconhecido.
Mas então, finalmente, cruzas as pernas. Primeiro uma, para abrir o fecho, no lado interior das botas. Depois a outra. Com a prática de muitos anos demoras o que a mim me pareceram pouco mais de dois ou três segundos para desapertar e arremessar o soutien para o chão. E com um movimento muito fluído, ao mesmo tempo que o teu corpo se levanta e começa a descolar do colchão, as tuas mãos agarram a reduzida tanga e obrigam-na a contornar primeiro os glúteos, depois a descer pelas coxas e seguidamente a cair abaixo dos joelhos. Quando te viras para mim ostentas já a tua nudez. Talvez, ainda, ligeiramente desconfortável. Porque com o teu braço esquerdo, flectido, seguras os seios. Lembro-me de estranhar, na altura, como protegias os seios e, no entanto, nada fazias para tapar a púbis. Geométrica no corte, perfeitamente tratada. Feminina, presente, vísivel. Os teus lábios, grossos e com gloss, brilhavam naquela luz tépida e chamavam ao beijo. Não me engano. Era tépida sim, aos meus sentidos. Pela côr, por alguns contrastes e pela temperatura do ar, que nos permitia uma nudez sem arrepio.
Estavas, então, virada para mim, nós os dois em lados opostos, tu praticamente encostada à cama, e eu do outro lado, ainda apoiado na parede cinzenta. Deixaste então cair os braços porque gatinhaste sobre a cama até a navegar à outra margem. Olhavas-me fixamente, e então sentaste-te mesmo à minha frente. Disseste das primeiras palavras desde que tinhamos ali entrado, passavam então mais de três quartos de hora. «É só isto?», sim, que era só mesmo aquilo. Era esse o plano, como que num momento de ilusionismo, sem antes nem depois, mas com um durante elástico que se estende na memória mas não rompe, nem faz tropeçar. «E se quiser mais? Ou tu, e se tu quiseres mais?», como saber, que dizer? Se se quiser mais, se houver mais, vai ser preciso encontrar outras paredes cinzentas e tectos pretos, vais ter de gatinhar novamente até mim, ou eu, até ti. Vais ter de vir ao meu encontro sem roupa para vestir, porque é assim que te quero. Vais ter de vir ao meu encontro nestas noites de calor, quando te posso olhar sem tremer. Mas é muito improvável que isso aconteça. «Porquê?», porque, tu sabes, isto só acontece uma vez. A seguinte seria sempre diferente, e a outra depois disso ainda mais diferente, e à vigésima já isto seria nada. Já não virarias a cabeça quando ouvisses o clique do telefone, nem a ondulação das cortinas conferiria qualquer magia a este cenário. Isto era coisa para acontecer uma vez na vida. Com muita sorte e inteligência, duas. Talvez até três, se a vida fosse suficientemente longa e os corpos ainda firmes na determinação da alma.
Recuaste na cama até ocupar uma posição central. Depois deixaste que te colocasse uma venda sobre os olhos, e embora tivesses as pernas e os braços soltos, quem mandava neles era eu. Segurando-te pelos pulsos, acima da cabeça, debrucei-me sobre ti e disse-te que na minha cabeça existia muito sexo, demasiado sexo, todos os dias, a todas as horas, e que já te tinha fodido vezes sem conta, mesmo quando não sabias, e até mesmo quando sabias. Soltaste uma gargalhada, num momento de descontracção, algo que ainda não tinha acontecido até ali, e perguntaste-me «E então? Sabes o que fazer comigo?». Pausei um pouco. Apenas um pouco. E depois respondi-te, “vamos vendo, pelo caminho”. Depois de respirares fundo disseste-me «Está bem. Estou pronta», e com isso deixaste os teus lábios brilhantes descolar, a boca entreaberta e um ligeiro movimento no pescoço, de quem espera algo.
Sugestão musical
Não é tão contagiante como "I've gotta feeling" do BEP mas... tem uma sonoridade muito própria para além da riqueza da letra, claro.