02 janeiro 2010

Erotismo num crepúsculo de Janeiro

Para uma tarde de Janeiro estava até bastante quente, com os seus dezoito graus Celsius. Quando se tem pouco cabelo, até uma brisa mais ligeira se nota, agitando os poucos cabelinhos curtos que resistem. Consigo dizer que havia uma brisa ligeira nessa tarde. O sol, já muito baixo no horizonte, projectava sombras longas das pessoas que caminhavam no passadiço entre o hotel e a costa rochosa. O mar batia nos grandes blocos de granito e por vezes salpicava, havia o cheiro no ar, do sal, do sargaço, e de perfume.

Chegaste e sentaste-te em silêncio com as tuas botas pretas de camurça, meias pretas opacas e saia, também preta, acima do joelho. Sabias que ia reparar nisso. Ao longo dos anos fui aperfeiçoando a capacidade de ver sem olhar, e de olhar de lado sem cansaço. Como permanecia em silêncio, perguntaste, «não dizes nada?».

Não. Não tinha dito nada. Tinha apenas ficado a pensar no momento. No que aquilo era. A sentir a cadeira sob mim, o copo na minha mão, o sol que ainda me iluminava a cara, e a tua figura ao lado, enquanto permaneciamos naquela varanda de quarto de hotel. Há muitos, muitos anos atrás qualquer pornografia chegava. Quando se é adolescente o que se quer é sexo, muito sexo, sempre sexo. Não precisa de preparação, precisa de instruções mas não queremos saber, pode vir a qualquer hora, em qualquer lugar. Há muitos anos atrás, uma porcaria nórdica qualquer, ou um da Cicciolina, serviria perfeitamente. E qualquer mulher, sem grandes arranjos, serviria. Quando finalmente viro a cara e te observo acabo por te dizer que «mas agora é tudo tão diferente. Acho que umas loiras nórdicas já não me deixariam feliz, ainda que fossem duas, ou três».

Não creio que fizesse qualquer tipo de sentido para ti. Não entenderias. Não esperaria que entendesses. Estavas recostada na cadeira mas endireitaste-te e chegaste-te um pouco à frente. Estavas à minha direita, e tinhas a tua perna direita um pouco mais à frente que a esquerda, que dobraste um pouco mais quando te reposicionaste na cadeira. A saia subiu um pouco, ficou solidária com o têxtil que te servia de assento e deixou-me ver o contrastre da pele branca das tuas coxas, com o preto das meias que as dividiam em dois, que insistiam em manter-se no lugar por teimosa silicone. Disfarcei.

- Mas tu nem gostas de loiras! E que ias tu fazer com duas, quanto menos três? – e rias, bem disposta.

Faria com duas ou com o três o mesmo que com uma. Existia na minha cabeça imaginação suficiente para me entreter. Mas o importante já nem era isso. O importante é que eu já não queria duas ou três, já não queria sexo em pacote, do tipo instantâneo. Queria erotismo. Não imaginava que me entendesses.

- Nem sempre o que importa é foder. Repara… seria para mim, agora e já, muito mais excitante poder tocar-te sem fronteiras, dar-te prazer, e nunca te foder. Assim, pelo menos, a sedução seria mais longa. Talvez até nunca terminasse.

- Eu sei. Não quero que me fodas. Mas podes tocar-me. Se quiseres. Eu entendo.

Correndo os fechos tiraste primeiro uma bota, depois a outra. E mesmo aí usaste todos os truques, nunca pousando totalmente os pés no chão, a não ser para caminhar, e mesmo assim, mal apoiando o calcanhar no chão. Mesmo sentada, enquanto tiravas a segunda bota, mantiveste o teu pé esquerdo esticado, dando tensão muscular à perna, moldando-a tão bem. Tão bem. Sabias claramente o que estavas a fazer. Mas estava já fresco, começava a instalar-se a noite, uma noite de Janeiro, com o céu limpo. Entraste no quarto. Do lado de fora, ainda sentado na varanda, podia ver-te lá dentro deixando cair a saia no chão. As botas estavam cá fora, as meias pretas estavam lá dentro, nas tuas pernas, a saia estava no chão. A camisola felpuda estava agora a sair, revelando um soutien simples, preto também, de abrir à frente, como eu gosto. E não havia mais nada. Não havia mais nada!

Levantei-me, finalmente, enquanto te deitavas na cama larga, quase de lado, dando forma às pernas. Entrei maravilhado pelo contraste das tuas coxas brancas com o tecido escuro. Subitamente, senti-me arrancado do universo dos filmes nórdicos para um outro, como se estivesse a ver um filme qualquer de Andrew Blake. Naquele espaço havia cheiro a erotismo, e quase nenhum a sexo. No entanto…

- Podes tocar-me, se quiseres. E prolongando as sílabas, onde… quiseres.

http://www.geografiadascurvas.net

Cadência

A cadência das estrelas
quando retornam
aos seus lugares;
a cadência dos segredos
quando aveludam
vagos olhares;
a cadência dos momentos
quando entranham
a paixão no ar;
a cadência de janelas
que se começam
a descortinar;
a cadência das velas
quando dançam
até queimar;
a cadência da alma
quando a encantam
até pairar;
a cadência do conforto
adormeceu
na minha cama
que a cadência do teu corpo
(que é a cadência das estrelas,
e é a cadência dos segredos,
é a cadência dos momentos,
é a cadência das janelas,
é a cadência das velas,
é a cadência da alma)
chamou a do meu
até cair saciada.

«Les jours de l'homme» de Julien Besançon com ilustrações de Jean Dratz

Obra de um médico sobre a vida e a morte, com conselhos para uma velhice saudável.
Livro de 1940 numa edição especial em papel Madagáscar e com uma bolsa/capa, tendo como bónus várias folhas com ilustrações a preto e branco (provavelmente para colorir).








Delícia das delícias, com o livro vem o desenho original da ilustração da página 95:



in the still of the night by ~jahjahjah

01 janeiro 2010

Breve Primavera @MissJoanaWell


O meu tempo engole descontentamento, faminto de ti. O meu tempo bebe goles de momento, sedento de ti. O meu tempo come e bebe e vive de ti.
Maio fundiu-se com Setembro. Três meses no útero da ilusão.
Setembro adentrou Outubro. Amam-se. Vararam-se. Consomem-se no calor de Agosto. Depois de sonhar que ele era um sonho, já não o quis realizar. A cada grão de realidade, espreita o pesadelo. Entardeceu a Primavera.

O Paraíso

– Olha! Olha!
– O quê?
– Não viste?
– O quê?
– Ali! Olha p’ali!
– Onde? Onde?
– Ali, pá! Ali… Eee… Olha-me para aquela mulher! Meu Deus!
– Que monumento!
– Monumento? Aquilo é uma catedral, pá!
– Uma catedral?!
– Olha para aquelas formas perfeitamente esculpidas, aquele ar divino, o andar flutuante de anjo, a imaculada figura… Meu Deus!...
– E aquele pato bravo que vai com ela…
– Qual pato bravo, aquilo é um pedreiro-livre… Um pedreiro-livre que anda a montar a catedral.
– Achas que o gajo sabe o segredo para polir a pedra bruta?
– Não sei se sabe esse mas sabe um qualquer que nós não sabemos, isso é certo.
– Hei!... Eu sei quem é o tipo… Não o estava a conhecer mas é ele. É ele, eu conheço-o.
– Se a conhecesses a ela… Isso é que era um dia em cheio!
– O gajo não é empreiteiro. Não é pato bravo!
– Não?
– Não, é facilitador de contactos…
– Facilitador… É pá, o gajo podia era facilitar o meu contacto com ela. Isso é que era de valor!
– O gajo não é desses facilitadores.
– Há outros?
– O gajo é uma espécie de promotor de relações comerciais. Está ligado ao partido e movimenta-se bem…
– Vareja, queres tu dizer.
– Pois, é isso mesmo, vareja: faz a ligação entre as oliveiras e o chão, ainda que nunca toque na azeitona.
– Que linda imagem… Num mundo ideal e reconhecido, não neste, soez e cheio de invejas mesquinhas… Num país a sério, varejadores como aquele seriam uns senhores. Uns senhores.
– A palavra de ordem seria: Varas de todo o mundo uni-vos num só sindicato!
– E o varejador não se havia de transportar num mísero Mercedes de cinquenta mil euros e só com uma catedral daquelas ao lado, havia de andar de Bentley, com basílicas, pá, nada menos que basílicas ao lado e haviam de lhe ofertar, com vénias e salamaleques, baldes, baldes de robalos fresquíssimos e terem para com ele sempre uma palavra amiga, uma conversa privada.
– Isso é que era um país!

Crise de desconfiança


Alexandre Affonso - nadaver.com

31 dezembro 2009

Lados


Do teu lado a lua
do meu uma estrela
o céu azul anil
e as luzes da cidade
reflectidas no rio.

Deste lado a esperança
do outro lado o medo
a incógnita
o desconhecido.

Do nosso lado a paixão
louca alucinação
orgasmo.

Foto e poesia de Paula Raposo

Entornar

Sim! Quero sentar-me no teu peito
e assim, no calor duro e perfeito
aprender a descer-me em ti
e a perder a roupa no caminho que desce
e a perder a vergonha no caminho que cresce
e a perder tudo num caminho que sobe
e sim, fui eu que me perdi;
depois? Depois olhei-te e ri
daquela intimidade do rosto afogueado,
do coração enrubescido, alagado,
qualquer sonho era aquém sonhado
perante a realidade entornada ali.


A dor de Tarzan - boneco para recortar... e dar ao badalo


(crica para teres a imagem em tamanho decente)


Desenho de Gin

Blog Cachondíssimo

Imprime numa cartolina (ou então imprime numa folha e cola numa cartolina), recorta e monta.


Lembrem-se, meninas: depois de um dia de trabalho árduo, uma refeição boa e quentinha é a segunda coisa na cabeça dele.

30 dezembro 2009

A Lua

A lua vestiu-se de rosa,
ansiosa,
naquela cor
queria saber o amor.
A lua vestiu-se de vermelho,
viu-se ao espelho
em cor de coração;
queria saber como é a paixão.
A lua vestiu-se de cereja,
madura,
de quem deseja;
queria saber a gosto de loucura.
A lua vestiu-se de pêssego,
mordido,
semi-doce, semi-amargo;
queria saber a sabor de pecado.
A lua vestiu-se de trigo,
a colher,
e sonhava contigo;
queria saber sentir-se mulher.
A lua vestiu-se de madrugada,
tão nua,
deitou-se desamparada;
queria saber como é ser tua.
A lua vestiu-se de noite,
a escurecer,
negra de tristeza a tingir;
não entende o que é sentir.
A Lua vestiu-se de mim, de nada
em azul ciano
e fundiu-se deslumbrada,
ao saber-te mar, seu Rei e dono.

«Les Fleurs du Mâle»

Grande livro com 352 páginas de canções de estudantes, editado em 1935 por «Les amis de la chanson estudantine» em Bruxelas.
A língua francesa é danada para a brincadeira!









Para vos aguçar o apetite, transcrevo uma dessas canções e a ilustração respectiva:



"Gnouf, gnouf, gnouf

Un jour la p'tit' Lisette
Gnouf, gnouf, gnouf comme on attrape ça!
Un jour la p'tit' Lisette
S'en revenait du bois. (bis)

En chemin ell' rencontre
Le fils d'un avocat.

Il la prend, la renverse
Sur du foin qu'était là.

Le foin était si sec
Qu'il en faisait cric crac.

Vint à passer la mère,
Qui revenait par là.

Courag' courag' ma fille,
On ne meurt pas de ça.

Car si j'en étais morte,
Tu ne serais pas là.

Ni bien d'autres encore
Que papa n' connait pas.

Et si t'en meurs, ma fille,
Sur ta tombe on mettra:

Ci-gît la p'tit' Lisette
Qu'est morte en faisant ça.

En faisant sa prière
Au grand Saint Nicolas.

Ce grand saint que les hommes,
Portent la tête en bas.

Et quand ils la relèvent,
toutes les femmes en rêvent."