01 janeiro 2010

O Paraíso

– Olha! Olha!
– O quê?
– Não viste?
– O quê?
– Ali! Olha p’ali!
– Onde? Onde?
– Ali, pá! Ali… Eee… Olha-me para aquela mulher! Meu Deus!
– Que monumento!
– Monumento? Aquilo é uma catedral, pá!
– Uma catedral?!
– Olha para aquelas formas perfeitamente esculpidas, aquele ar divino, o andar flutuante de anjo, a imaculada figura… Meu Deus!...
– E aquele pato bravo que vai com ela…
– Qual pato bravo, aquilo é um pedreiro-livre… Um pedreiro-livre que anda a montar a catedral.
– Achas que o gajo sabe o segredo para polir a pedra bruta?
– Não sei se sabe esse mas sabe um qualquer que nós não sabemos, isso é certo.
– Hei!... Eu sei quem é o tipo… Não o estava a conhecer mas é ele. É ele, eu conheço-o.
– Se a conhecesses a ela… Isso é que era um dia em cheio!
– O gajo não é empreiteiro. Não é pato bravo!
– Não?
– Não, é facilitador de contactos…
– Facilitador… É pá, o gajo podia era facilitar o meu contacto com ela. Isso é que era de valor!
– O gajo não é desses facilitadores.
– Há outros?
– O gajo é uma espécie de promotor de relações comerciais. Está ligado ao partido e movimenta-se bem…
– Vareja, queres tu dizer.
– Pois, é isso mesmo, vareja: faz a ligação entre as oliveiras e o chão, ainda que nunca toque na azeitona.
– Que linda imagem… Num mundo ideal e reconhecido, não neste, soez e cheio de invejas mesquinhas… Num país a sério, varejadores como aquele seriam uns senhores. Uns senhores.
– A palavra de ordem seria: Varas de todo o mundo uni-vos num só sindicato!
– E o varejador não se havia de transportar num mísero Mercedes de cinquenta mil euros e só com uma catedral daquelas ao lado, havia de andar de Bentley, com basílicas, pá, nada menos que basílicas ao lado e haviam de lhe ofertar, com vénias e salamaleques, baldes, baldes de robalos fresquíssimos e terem para com ele sempre uma palavra amiga, uma conversa privada.
– Isso é que era um país!

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