Alexandre Affonso - nadaver.com
15 março 2010
14 março 2010
Flechas
Ainda estás acordado? Tantas vezes digo as palavras, tantas vezes as hei-de dizer, tantas vezes digo as palavras que elas vão deixar de ser palavras e vão apenas ser. A magia é o equilíbrio - tantas coisas, tantas vezes me perguntam, como se a tivesse - mas eu nem a tenho, eles não conseguem ver que o mágico és tu. O mágico és tu e eles não conseguem ver a margem do rio onde me trespassaste com a varinha de condão e amarraste, para sempre, a tua magia aos meus tornozelos a rebentar de palavras. Os tornozelos andavam rentes ao chão, agora andam na lua e as palavras também. A magia é o equilíbrio, as palavras devem dominar-me, afundar-me, enrolar-me - comecei a latejar com elas - a magia é o equilíbrio, eu devo dominar as palavras para que não fluam sem harmonia, em catadupa embriagada; o papel é uma toalha que deve ter nódoas de flechas de arcos de sentido e de sentido para além do sentido, como círculos perfeitos de vinho tinto em linho branco. Quando se fizerem sentir, quando explodirem de mim para implodir no outro; quando baterem noutros peitos e conseguirem impor o seu ritmo ao coração do mundo, é então e apenas então que serei mágica como tu. Ainda estás acordado? Não? Dorme, dorme. Um dia vou ser mágica como tu, vou ter a violência abrasadora do teu sentido na minha vida bem no meio das palavras - com a mesma intensidade com que te tenho no meio das minhas pernas, com a mesma intensidade com que te aperto com os meus joelhos e te levo ao fundo sem te deixar respirar mais que o meu cheiro; por instantes vives do meu ar, para sempre as minhas palavras vivem de ti. Não, não se enterram apenas os mortos; quando te enterras, assim, - de corpo em mim, de cabelo molhado a encharcar-me o peito, e fazes um trilho marcado, quase sulcado, a gotas de ti, até aos meus lábios - diz-me que morres; que é quando quase se morre que realmente se vive. Ainda estás acordado?
Acontece
Decididamente não era o meu dia:
cheia de ramela, o cabelo nojento,
duas borbulhas(!) no meio de cada bochecha,
uma vontade imensa de vomitar
e o desconhecimento da data:
que dia era?
sábado? terça feira? sexta feira?
tinha que ir trabalhar ou não?!
Que raio!
Que horas eram?!
sem electricidade não era nada fácil, saber.
Sem rede no telemóvel, ainda menos.
Cheia de frio, a sentir-me horrorosa,
lá me levantei.
O espelho tinha mudado de lugar,
a casa de banho, também.
A cozinha era minúscula
e a sala não estava onde eu pensava(?!)
E?! Eu estava onde?
Nunca o soube.
Mas sobrevivi.
Foto e poesia de Paula Raposo
13 março 2010
«Esta noite vou beber licor» - Guida
"Esta noite vou beber licor.
Espero por ti, com o jantar já pronto. Terei espalhado velas pela sala e, como escolhemos um dia de chuva e frio, acendo a lareira.
No ar aquela música que escolheste para nós, lembras? Combinámos às 20:00, já são 21:00 e tu não chegas. Tinhas prometido que não te atrasavas. Tinhas prometido que mal chegasses me beijarias e levar-me-ias para a cama e só depois jantaríamos. Tinhas prometido que não aguentavas de saudade. Espero por ti ansiosa com um presente que escolhi para ti como se eu mesma o tivesse bordado.
É que sabes, meu amor, estou farta de promessas. Estou cansada de te sonhar. São dez horas e nem um telefonema. A comida já esfriou e a lareira vai perdendo a cor. Apaguei as velas. Deitei fora a tua comida favorita. Cuspi os teus beijos. Despi-me do teu cheiro que havia sonhado. Bebi o licor. Vesti-me e saí para a rua à procura de afectos. Quando chegares leva o cão à rua e fode-te."
Guida
Blog Longe do Mundo
Espero por ti, com o jantar já pronto. Terei espalhado velas pela sala e, como escolhemos um dia de chuva e frio, acendo a lareira.
No ar aquela música que escolheste para nós, lembras? Combinámos às 20:00, já são 21:00 e tu não chegas. Tinhas prometido que não te atrasavas. Tinhas prometido que mal chegasses me beijarias e levar-me-ias para a cama e só depois jantaríamos. Tinhas prometido que não aguentavas de saudade. Espero por ti ansiosa com um presente que escolhi para ti como se eu mesma o tivesse bordado.
É que sabes, meu amor, estou farta de promessas. Estou cansada de te sonhar. São dez horas e nem um telefonema. A comida já esfriou e a lareira vai perdendo a cor. Apaguei as velas. Deitei fora a tua comida favorita. Cuspi os teus beijos. Despi-me do teu cheiro que havia sonhado. Bebi o licor. Vesti-me e saí para a rua à procura de afectos. Quando chegares leva o cão à rua e fode-te."
Guida
Blog Longe do Mundo
O Katano e a sua Minhota visitaram a minha colecção
"Ontem, de passagem pela mui nobre e antiquíssima urbe de Coimbra, tive a oportunidade de visitar a colecção, de objectos dedicados à temática da malandrice, da São Rosas. Digo-vos, aquilo é impressionante e merecia um espaço próprio de exposição. A colecção é um espanto e quase que podia fazer queixa à polícia por ela ter aquilo ali escondido do Mundo. Como se convence uma autarquia a criar um «Museu Erótico»?
Blog do Katano Serviço Público"
Blog do Katano Serviço Público"
Ansiar
De pernas afastadas
desenham-se enseadas
onde estranhos barcos aportam
E nesta enseada
por mim desenhada
tantos adentram
só tu a alagas
Adentras pelas costas
beijo de maresia cálida
tens ondas que rebentam
entre pernas a noite pálida
nas ancas da madrugada
Nos seios deslizam
grãos de areia iluminada
nos lábios escorregam
gotas de paixão prateada
da maresia apaixonada
E nesta enseada
por mim desenhada
muitos adentram
só tu salgas.
desenham-se enseadas
onde estranhos barcos aportam
E nesta enseada
por mim desenhada
tantos adentram
só tu a alagas
Adentras pelas costas
beijo de maresia cálida
tens ondas que rebentam
entre pernas a noite pálida
nas ancas da madrugada
Nos seios deslizam
grãos de areia iluminada
nos lábios escorregam
gotas de paixão prateada
da maresia apaixonada
E nesta enseada
por mim desenhada
muitos adentram
só tu salgas.
12 março 2010
palavras...
A propósito da entrada, lá mais para baixo, de «Autoputaria» - poema de Ildásio Tavares – e do excelente comboio poético que se lhe seguiu, com a devida vénia – sim, sim, e com as devidas cautelas, também… - aqui fica o meu poema, pelo comboio sugerido:
ó palavras que me encheis a boca tanto
quanto o pranto preenche a alma vazia
ó palavras que me encheis de tal quebranto
quanto a fome de comer me dá azia
ó palavras que abocanho verso a verso
num poema sem tamanho apetecido
ó palavras com que mordo o universo
ao ficar de tanta fome remordido
ó palavras vinde a mim – tomai-me todo
tende em mim no corpo todo uma guarida
ó palavras dai-me alento se não fodo
pois sem vós nem sei bem que faça à vida
ó palavras de cumprir cada destino
elegantes ou de perfil curto e grosso
ó palavras contra a fome que abomino
dai-me alento que estou pr’àqui que nem posso
ó palavras minhas irmãs ou amantes
masturbáticas solenes coniventes
ó palavras que não fique como dantes
tudo em volta ao sairdes dos meus dentes!
OrCa
ó palavras que me encheis a boca tanto
quanto o pranto preenche a alma vazia
ó palavras que me encheis de tal quebranto
quanto a fome de comer me dá azia
ó palavras que abocanho verso a verso
num poema sem tamanho apetecido
ó palavras com que mordo o universo
ao ficar de tanta fome remordido
ó palavras vinde a mim – tomai-me todo
tende em mim no corpo todo uma guarida
ó palavras dai-me alento se não fodo
pois sem vós nem sei bem que faça à vida
ó palavras de cumprir cada destino
elegantes ou de perfil curto e grosso
ó palavras contra a fome que abomino
dai-me alento que estou pr’àqui que nem posso
ó palavras minhas irmãs ou amantes
masturbáticas solenes coniventes
ó palavras que não fique como dantes
tudo em volta ao sairdes dos meus dentes!
OrCa
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Quem ode também está a pedir para ser odido:
"Serão palavras somente
Que a tua boca enchem?
Ou serão, evidentemente
As palavras que te mentem?
E o que enche a tua boca...
É uma avidez de gente
Um gemido com voz rouca
Um corpo lânguido ardente
Uma fenda que já louca
Te pede que lhe espetes o dente?
Bartolomeu"
A vida inspira-nos
No mais recente spot publicitário da saga Jorge Gabriel/Millenium BCP o protagonista diz que mais vale um pássaro na mão mas o anúncio prova que se trata não de um pássaro (não põem ovos, pois não?) que ele acarinha com ambas as mãos mas de uma passarinha.
Será a isto que chamam mensagem subliminar?
Feitos
Existem momentos que dispensam palavras:
esses são os momentos que todos desejamos.
Sem palavras. Só gestos. Alguns murmúrios,
a água flui, o desejo cresce
e a vida faz sentido.
Esses momentos (que existem),
são partes de um todo;
o todo simples de nós,
esse todo de todo feito
- talvez uma busca-
feito de um momento.
Acaricia-me.
Fiquemos por aqui.
De momentos e feitos.
Feitos os momentos
de partes de um todo
- um todo meu-
flui a água e o desejo,
como gestos de mim.
Foto e poesia de Paula Raposo
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