14 março 2010

Flechas

Ainda estás acordado? Tantas vezes digo as palavras, tantas vezes as hei-de dizer, tantas vezes digo as palavras que elas vão deixar de ser palavras e vão apenas ser. A magia é o equilíbrio - tantas coisas, tantas vezes me perguntam, como se a tivesse - mas eu nem a tenho, eles não conseguem ver que o mágico és tu. O mágico és tu e eles não conseguem ver a margem do rio onde me trespassaste com a varinha de condão e amarraste, para sempre, a tua magia aos meus tornozelos a rebentar de palavras. Os tornozelos andavam rentes ao chão, agora andam na lua e as palavras também. A magia é o equilíbrio, as palavras devem dominar-me, afundar-me, enrolar-me - comecei a latejar com elas - a magia é o equilíbrio, eu devo dominar as palavras para que não fluam sem harmonia, em catadupa embriagada; o papel é uma toalha que deve ter nódoas de flechas de arcos de sentido e de sentido para além do sentido, como círculos perfeitos de vinho tinto em linho branco. Quando se fizerem sentir, quando explodirem de mim para implodir no outro; quando baterem noutros peitos e conseguirem impor o seu ritmo ao coração do mundo, é então e apenas então que serei mágica como tu. Ainda estás acordado? Não? Dorme, dorme. Um dia vou ser mágica como tu, vou ter a violência abrasadora do teu sentido na minha vida bem no meio das palavras - com a mesma intensidade com que te tenho no meio das minhas pernas, com a mesma intensidade com que te aperto com os meus joelhos e te levo ao fundo sem te deixar respirar mais que o meu cheiro; por instantes vives do meu ar, para sempre as minhas palavras vivem de ti. Não, não se enterram apenas os mortos; quando te enterras, assim, - de corpo em mim, de cabelo molhado a encharcar-me o peito, e fazes um trilho marcado, quase sulcado, a gotas de ti, até aos meus lábios - diz-me que morres; que é quando quase se morre que realmente se vive. Ainda estás acordado?

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