"Mereces conhecer os químicos que estão nos teus produtos de limpeza"
15 maio 2010
14 maio 2010
«Do assédio» - AnAndrade
"Preparava-os para um exame específico, que contaria um terço para a definição do resto das suas vidas. Falava-lhes de diferenças de género, de orientação sexual, de Foucault e da História da Sexualidade, de preconceitos, de confissões, de segredos, de puritanismo e de direitos sociais.
De repente, a despropósito, da primeira fila onde se instalara com uma parafernália de gadgets (que deviam ser o que lhe prolonga o ser e o resto, quando o carro não se assoma) perguntou-me pelo assédio. Não pelo assédio em geral mas pelo modo como eu lhe reagiria, em particular.
Não me inspirou grande confiança, o tom, mas é sabido que sou muito mais paciente numa sala de aula do que na vida particular, pelo que lhe respondi, com todos os efes e erres: disse-lhe temer por muitos homens e mulheres que, fruto das suas vivências, dependências e obrigações, se sentiam compelidos a aceitar uma atitude assediadora por parte de alguém com ascendente sobre si, em silêncio. Acrescentei que me sinto sobejamente livre, em todos os sentidos: porque não tenho medo, porque o silêncio nunca foi o meu forte (e recordei as cenas que fazia, quando adolescente, nos autocarros, sempre que um homem resolvia esfregar-se em mim: perguntava-lhe bem alto o que estava a fazer e por que raio se estava a roçar; sempre foi remédio santo) e porque não devo nada a ninguém (em todos os sentidos). Porque sou livre, exporia o assediador, desdenhando o que quer que fosse que pudesse, eventualmente, comprar-me o silêncio.
Calou-se, julguei que percebera.
Mas não.
Quarenta e oito horas depois, recebi um e-mail a convidar-me para almoçar, num dos melhores e mais caros restaurantes do Porto (mais um prolongamento do que deve ser excessivamente parco), a pretexto de uma "aula particular informal" que melhor o preparasse para o exame que se avizinhava (e ou me estava a chamar incompetente por não o ter preparado no curso que pagou, ou se estava a intitular uma menoridade do ponto de vista cognitivo, na medida em que não lhe chegavam os ensinamentos que bastaram aos outros); incluía mesmo um momento de pura e descarada lambe-botice, uma vez que "desejava beber da minha experiência" no que toca ao ensaio argumentativo.
Ainda que imaginando que não fosse propriamente na minha experiência académica que o senhor estava interessado, não despi o papel da professora e, em pouco mais de duas linhas, declinei o convite (sem explicações, porque não lhas devia) e desejei-lhe o maior dos sucessos, a nível profissional, especialmente para o exame para que o preparara.
E pensei que a coisa ficaria por ali, teria de ficar!, que mais haveria a dizer?
Mas havia.
Passadas umas horas, novo e-mail. Onde dizia (deixando cair o "Dra.", sem que eu lho tivesse permitido) que nunca pensara ser eu tão preconceituosa e puritana (vitoriana, no dizer de Foucault), entre outras amabilidades de quem se sente ofendido mais ou menos entre a coxa e abdomen.
Aí, já não me sentia na obrigação de responder como professora. Perante o atrevimento, foi a mulher quem lhe respondeu:
Caro Dr. D.:
É com alguma perplexidade que verifico a sua capacidade de tecer juízos e desejo que, numa futura experiência enquanto magistrado, seja mais ponderado a estabelecê-los.
A minha recusa não tem nada de vitoriano, ao menos no entendimento de Foucault (ou me expliquei mal, ou o Sr. Dr. não esteve com a atenção devida durante as aulas); é apenas fruto da liberdade que (ainda!) possuo de recusar ou aceitar um convite que me dirigem, seja em que circunstância for.
Como não se trata de uma situação de cariz pessoal ou profissional, não me sinto obrigada a dar justificações. De todo o modo e porque, por vezes, o implícito não é claro, deixe-me esclarecer que, por norma, não dou aulas particulares, sejam elas formais ou não, a não ser que me apeteça, abrindo, nesse caso, uma excepção. Quando não é essa a minha vontade, faço o que a minha liberdade me permite: recuso delicadamente e não espero repercussões, já que qualquer convite acarreta a possibilidade do não.
Cumprimentos.
Ana Andrade
(E se voltar a insistir, até porque teve a distinta lata de responder a isto, ainda que já de orelha murcha, faço-lhe o que fazia aos roçadores-de-autocarro: boca no trombone, mas desta vez sem abreviaturas.
Eu avisei, o fulano é que não estava atento...)"
AnAndrade
Blog Câimbras Mentais
De repente, a despropósito, da primeira fila onde se instalara com uma parafernália de gadgets (que deviam ser o que lhe prolonga o ser e o resto, quando o carro não se assoma) perguntou-me pelo assédio. Não pelo assédio em geral mas pelo modo como eu lhe reagiria, em particular.
Não me inspirou grande confiança, o tom, mas é sabido que sou muito mais paciente numa sala de aula do que na vida particular, pelo que lhe respondi, com todos os efes e erres: disse-lhe temer por muitos homens e mulheres que, fruto das suas vivências, dependências e obrigações, se sentiam compelidos a aceitar uma atitude assediadora por parte de alguém com ascendente sobre si, em silêncio. Acrescentei que me sinto sobejamente livre, em todos os sentidos: porque não tenho medo, porque o silêncio nunca foi o meu forte (e recordei as cenas que fazia, quando adolescente, nos autocarros, sempre que um homem resolvia esfregar-se em mim: perguntava-lhe bem alto o que estava a fazer e por que raio se estava a roçar; sempre foi remédio santo) e porque não devo nada a ninguém (em todos os sentidos). Porque sou livre, exporia o assediador, desdenhando o que quer que fosse que pudesse, eventualmente, comprar-me o silêncio.
Calou-se, julguei que percebera.
Mas não.
Quarenta e oito horas depois, recebi um e-mail a convidar-me para almoçar, num dos melhores e mais caros restaurantes do Porto (mais um prolongamento do que deve ser excessivamente parco), a pretexto de uma "aula particular informal" que melhor o preparasse para o exame que se avizinhava (e ou me estava a chamar incompetente por não o ter preparado no curso que pagou, ou se estava a intitular uma menoridade do ponto de vista cognitivo, na medida em que não lhe chegavam os ensinamentos que bastaram aos outros); incluía mesmo um momento de pura e descarada lambe-botice, uma vez que "desejava beber da minha experiência" no que toca ao ensaio argumentativo.
Ainda que imaginando que não fosse propriamente na minha experiência académica que o senhor estava interessado, não despi o papel da professora e, em pouco mais de duas linhas, declinei o convite (sem explicações, porque não lhas devia) e desejei-lhe o maior dos sucessos, a nível profissional, especialmente para o exame para que o preparara.
E pensei que a coisa ficaria por ali, teria de ficar!, que mais haveria a dizer?
Mas havia.
Passadas umas horas, novo e-mail. Onde dizia (deixando cair o "Dra.", sem que eu lho tivesse permitido) que nunca pensara ser eu tão preconceituosa e puritana (vitoriana, no dizer de Foucault), entre outras amabilidades de quem se sente ofendido mais ou menos entre a coxa e abdomen.
Aí, já não me sentia na obrigação de responder como professora. Perante o atrevimento, foi a mulher quem lhe respondeu:
Caro Dr. D.:
É com alguma perplexidade que verifico a sua capacidade de tecer juízos e desejo que, numa futura experiência enquanto magistrado, seja mais ponderado a estabelecê-los.
A minha recusa não tem nada de vitoriano, ao menos no entendimento de Foucault (ou me expliquei mal, ou o Sr. Dr. não esteve com a atenção devida durante as aulas); é apenas fruto da liberdade que (ainda!) possuo de recusar ou aceitar um convite que me dirigem, seja em que circunstância for.
Como não se trata de uma situação de cariz pessoal ou profissional, não me sinto obrigada a dar justificações. De todo o modo e porque, por vezes, o implícito não é claro, deixe-me esclarecer que, por norma, não dou aulas particulares, sejam elas formais ou não, a não ser que me apeteça, abrindo, nesse caso, uma excepção. Quando não é essa a minha vontade, faço o que a minha liberdade me permite: recuso delicadamente e não espero repercussões, já que qualquer convite acarreta a possibilidade do não.
Cumprimentos.
Ana Andrade
(E se voltar a insistir, até porque teve a distinta lata de responder a isto, ainda que já de orelha murcha, faço-lhe o que fazia aos roçadores-de-autocarro: boca no trombone, mas desta vez sem abreviaturas.
Eu avisei, o fulano é que não estava atento...)"
AnAndrade
Blog Câimbras Mentais
A tua cor de amor
Hoje vou levar-te até ao meu jardim.
Não tem flores, mas tem relva;
sei como gostas da sua humidade
ao cair das tardes de Outono.
Entramos como dois sonâmbulos
gotejando o desejo dividido,
a suave languidez das pernas,
as gotas de neblina no olhar
e fazemos amor –não como adolescentes-
de uma viva tonalidade azul.
Sabes desse meu azul preferido
tal como eu sei da tua cor de amor.
Foto e poesia de Paula Raposo
13 maio 2010
Linha Verde
O céu uniformemente cinzento dos dias sem sol e o opressor silêncio dos vidros duplos provocavam-lhe náuseas. Os papeis que, apesar do seu dedicado esforço e das novas tecnologias, se acumulavam provocavam-lhe um sentimento de derrota diária que o mal amanhado almoço comido à pressa e a contínua sequência de cafés azedava até ao vómito ou às ácidas pontadas no estômago do fim da tarde.
– Parece que não está com boa cara, homem – repetiam, dia sim dia também, as várias pessoas que iam e vinham trazendo e levando papeis, só substituindo o homem pelo seu nome ou a cara pelo aspecto ou pela cor.
Ele, o homem, enclausurado no ambiente de luzes, ar e som artificiais, definhava e empalidecia de manhã à noite, desde que cruzava o hall do prédio até que reentrava no Metro para voltar para casa.
“Devo ser o homem mais cinzento do mundo” lamentava-se fixo na linha de metal electrificado do fosso do metropolitano. “É uma ironia, um paradoxo, o homem mais cinzento do mundo acabar numa colorida poça de vermelho vivo”, sorriu. “E ainda colorir o ferro e o betão da linha tão cinzentos como ele”, pensava sonhador, perscrutando em volta para se certificar da inexistência de crianças na estação. “O homem cinzento é um suicida ético”, vangloriou-se, inconscientemente satisfeito por ver duas crianças de mochilas às costas a descer a escada.
“Ainda não é hoje que largo a pasta” brincou, passando-a distraidamente da mão esquerda para a direita, e reconhecendo a mulher que estava ao seu lado e que ali via praticamente todos os dias tocou-lhe ao de leve no braço, num gesto espontâneo, irreflectido e que o surpreendeu.
– Sabe? – perguntou, acompanhando o toque.
A mulher sentiu a ponta dos dedos no braço, ouviu a voz, olhou-o sem expressão, ainda que também o reconhecesse, e manteve o olhar esperando que ele continuasse. Surpreendido consigo próprio e pelo relativo interesse da mulher, ele anunciou:
– Acho que sou o homem mais cinzento do mundo.
A mulher ouviu, encolheu os ombros e perguntou-lhe, impessoal:
– E depois?
– Depois?!
– Sim, e depois? – replicou a mulher, esticando o pescoço conferindo se o comboio já se via no túnel. – É a sua opinião e se o senhor for mesmo o homem mais cinzento do mundo a sua opinião é a opinião mais cinzenta do mundo e se a sua opinião é a mais cinzenta do mundo, acha que alguém se interessa por ela? Acha que tem algum interesse? Algum valor? – Resignada com a inexistência de luz ou barulho vindo do túnel, a mulher concluiu mudando de registo: – Ah! E se for o homem mais cinzento do mundo é um ser único, especial, e o seres únicos e especiais não são cinzentos, pelo que…
– Já sei… – interrompeu o homem, com uma careta e um sorriso. – Se for não posso ser.
– Nem mais – anuiu a mulher com um sorriso involuntário.
– Olá, eu chamo-me Raimundo – apresentou-se ele, esticando a mão.
– Sílvia – despediu-se ela, retribuindo o cumprimento manual e entrando para a carruagem que parara em frente deles. – Até amanhã, Raimundo, o homem que não é o mais cinzento do mundo.
– Parece que não está com boa cara, homem – repetiam, dia sim dia também, as várias pessoas que iam e vinham trazendo e levando papeis, só substituindo o homem pelo seu nome ou a cara pelo aspecto ou pela cor.
Ele, o homem, enclausurado no ambiente de luzes, ar e som artificiais, definhava e empalidecia de manhã à noite, desde que cruzava o hall do prédio até que reentrava no Metro para voltar para casa.
“Devo ser o homem mais cinzento do mundo” lamentava-se fixo na linha de metal electrificado do fosso do metropolitano. “É uma ironia, um paradoxo, o homem mais cinzento do mundo acabar numa colorida poça de vermelho vivo”, sorriu. “E ainda colorir o ferro e o betão da linha tão cinzentos como ele”, pensava sonhador, perscrutando em volta para se certificar da inexistência de crianças na estação. “O homem cinzento é um suicida ético”, vangloriou-se, inconscientemente satisfeito por ver duas crianças de mochilas às costas a descer a escada.
“Ainda não é hoje que largo a pasta” brincou, passando-a distraidamente da mão esquerda para a direita, e reconhecendo a mulher que estava ao seu lado e que ali via praticamente todos os dias tocou-lhe ao de leve no braço, num gesto espontâneo, irreflectido e que o surpreendeu.
– Sabe? – perguntou, acompanhando o toque.
A mulher sentiu a ponta dos dedos no braço, ouviu a voz, olhou-o sem expressão, ainda que também o reconhecesse, e manteve o olhar esperando que ele continuasse. Surpreendido consigo próprio e pelo relativo interesse da mulher, ele anunciou:
– Acho que sou o homem mais cinzento do mundo.
A mulher ouviu, encolheu os ombros e perguntou-lhe, impessoal:
– E depois?
– Depois?!
– Sim, e depois? – replicou a mulher, esticando o pescoço conferindo se o comboio já se via no túnel. – É a sua opinião e se o senhor for mesmo o homem mais cinzento do mundo a sua opinião é a opinião mais cinzenta do mundo e se a sua opinião é a mais cinzenta do mundo, acha que alguém se interessa por ela? Acha que tem algum interesse? Algum valor? – Resignada com a inexistência de luz ou barulho vindo do túnel, a mulher concluiu mudando de registo: – Ah! E se for o homem mais cinzento do mundo é um ser único, especial, e o seres únicos e especiais não são cinzentos, pelo que…
– Já sei… – interrompeu o homem, com uma careta e um sorriso. – Se for não posso ser.
– Nem mais – anuiu a mulher com um sorriso involuntário.
– Olá, eu chamo-me Raimundo – apresentou-se ele, esticando a mão.
– Sílvia – despediu-se ela, retribuindo o cumprimento manual e entrando para a carruagem que parara em frente deles. – Até amanhã, Raimundo, o homem que não é o mais cinzento do mundo.
«o caracol que quer ir à fava...» - postalinho do Jaf
Equilibrar instantes
Ergue agora a espada, amor
que as horas vão errando
pelos teus cantos;
por enquanto,
entretanto,
aqui,
e
as horas de ti não entendem
como não me passaram;
tu, um entre tantos
foram miragem
ou deserto
em ti.
E?
Ergue agora a espada, amor
tuas horas, meu quando
que inteiro levaram;
não há ontem,
segundos
ruí
e
as horas de ti; nem entendem
como certas me deixaram
lá entre teus tempos,
tu, ancoragem;
momentos
fluí.
E?
que as horas vão errando
pelos teus cantos;
por enquanto,
entretanto,
aqui,
e
as horas de ti não entendem
como não me passaram;
tu, um entre tantos
foram miragem
ou deserto
em ti.
E?
Ergue agora a espada, amor
tuas horas, meu quando
que inteiro levaram;
não há ontem,
segundos
ruí
e
as horas de ti; nem entendem
como certas me deixaram
lá entre teus tempos,
tu, ancoragem;
momentos
fluí.
E?
«Abençoada matemática que não é uma batata» - contas de Paulo Moura
Cardeal Saraiva Martins
numa entrevista ao jornal i
publicada em 6 de Maio de 2010
"Vamos lá então fazer continhas.
Há em todo o mundo 1 papa, 192 cardeais, 5.002 bispos e 409.166 padres da Igreja Católica (fontes: «The Pontifical Yearbook 2010» via EWTN.com; e Wikipedia) - total: 414.361.
A população mundial é actualmente de cerca de 6.800.000.000 habitantes.
Ou seja, a estrutura básica da Igreja representa 0,006% da população mundial.
Como «0,03% dos casos [de pedofilia] ocorrem na Igreja», 0,03% a dividir por 0,006% é 5. Ou seja, haverá o quíntuplo de incidência de casos de pedofilia na Igreja em relação à média mundial?
Paulo Moura
Blog Persuacção"
12 maio 2010
A hierarquia da relevância
Percorreu, ensonado, a longa distância que os separava, deliciado por antecipação com o que adivinhava seria a reacção dela à surpresa que lhe preparara ao longo de dias.
Cansado, chegou finalmente ao destino e tentou controlar a emoção que o desesperava por faltar ainda tanto tempo, minutos, eternidade, para poder abraçá-la outra vez.
Ansioso, fumou um cigarro e depois dirigiu-se para o ponto onde iria encontrá-la, preocupado por poder escapar-lhe algum pormenor que não poderia confirmar porque assim iria estragar a surpresa planeada com todo o carinho e atenção.
Esperou, sempre com a cabeça no ar para se certificar que não a perderia no meio da pequena multidão, saudades mal contidas, vontades reprimidas pela distância que os separara até esse dia que sentia especial.
A boca denunciou-lhe a alegria quando a viu, num sorriso que ela não devolveu, visivelmente aborrecida com algo mais importante do que o facto de ele estar presente e com isso nem contar.
Tentou perceber o que se passara, grave certamente, para justificar tão estranha reacção.
E foi quando recebeu a explicação que percebeu, na hierarquia da importância, a dimensão da sua irrelevância perante o desgosto que outro lhe dera e que se sobrepunha de forma conclusiva a qualquer emoção que a sua presença inesperada pudesse suscitar, e que concluiu, desencantado, que o amor já tinha acabado ou aquela pessoa não era quem julgara até então.
Cansado, chegou finalmente ao destino e tentou controlar a emoção que o desesperava por faltar ainda tanto tempo, minutos, eternidade, para poder abraçá-la outra vez.
Ansioso, fumou um cigarro e depois dirigiu-se para o ponto onde iria encontrá-la, preocupado por poder escapar-lhe algum pormenor que não poderia confirmar porque assim iria estragar a surpresa planeada com todo o carinho e atenção.
Esperou, sempre com a cabeça no ar para se certificar que não a perderia no meio da pequena multidão, saudades mal contidas, vontades reprimidas pela distância que os separara até esse dia que sentia especial.
A boca denunciou-lhe a alegria quando a viu, num sorriso que ela não devolveu, visivelmente aborrecida com algo mais importante do que o facto de ele estar presente e com isso nem contar.
Tentou perceber o que se passara, grave certamente, para justificar tão estranha reacção.
E foi quando recebeu a explicação que percebeu, na hierarquia da importância, a dimensão da sua irrelevância perante o desgosto que outro lhe dera e que se sobrepunha de forma conclusiva a qualquer emoção que a sua presença inesperada pudesse suscitar, e que concluiu, desencantado, que o amor já tinha acabado ou aquela pessoa não era quem julgara até então.
Celibato: Solteironas
IV. Solteironas. Custa-me fallar das solteironas porque ninguem está mais persuadido do que ellas da irregularidade do seu estado, e em geral é contra vontade que ellas ficaram celibatarias. É sobre tudo a ellas que se applica o adagio antigo: «0 casamento retarda a velhice». Acreditar que a virgindade conserva a frescura da côr, é um funesto erro de que as solteironas são as victimas. Uma solteira que fica virgem depois de ter attingido o desenvolvimento completo de seu physico não tarda a ser assaltada d'uma multidão d'indisposições, d'erupções cutaneas, de flatos hystericos, mortaes inimigos da sua belleza. A sua frescura decresce, os seus encantos murcham, e a sua saude altera-se á medida que se demora em cumprir o fim da natureza. Ao contrario a mulher casada, sobre tudo o que já concebeu, bebe nova frescura nos prazeres que são vedados à virgem, e emquanto que uma brilhante flor desabrochada recebe do casamento o desenvolvimento de todas as suas faculdades, a outra, de mau humor e sempre afflicta por encommodos diversos, arrasta uma vida languida e inutil, sem amar e sem ser amada.
L. Seraine. 19??:170
L. Seraine. 19??:170
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