15 junho 2010

A polémica



HenriCartoon

Pequena Carta da Mulher ao Homem

Existe um lugar em mim onde a tua sombra é minha gémea , quente e rápida, escarlate.
Por vezes sinto que é de ti que me vem fogo, outras sinto o ardor guardado numa metáfora, que voa num salto para o centro. Falo-te de paisagens inclinadas onde o flanco deixa o sal, onde o desejo é legítimo e o amor por vezes muito confuso. Imagino tocar-te na boca, sem boca e meter-te na boca o leite, o fogo e um grito sem ter que tocar. Minha mão num poema a colher de ti, o que a outra mão tocou, onde o desejo se abriu e a cauda redonda se desenrola através da plumagem ardente. Um sentir a sentir o apalpar girar profundo, a polir a grande flor, a saborear mel. A voz respira pelo orifício a meio amarrado em torno do sexo intenso, o som ressoa para dentro, imaginar que a água tem som.
Belo é o sentir e belo é o vir do correr obscuro, do sangue que brota do fruto de forma esférica, descendo fundo do profundo lago parado...

[Blog Vermelho Canalha]

John & John - especial Mundial de Futebol


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Fuga

Os laços magoam, apertam,
conseguem calar - aqui -
a voz silenciosa
da dispersa fuga.

Aí, retrocedemos,
queremos ser nós - de novo -
e a impossibilidade
tolhe os movimentos.

Não quero laços.
Não quero ser tolhida.

- Não retrocedo.

Poesia de Paula Raposo

14 junho 2010

Estudos comprovam: poupar mais ou menos é uma questão genética

A prostituta azul (VI)

O homem mais nu de todos não tirou a roupa, não tirou a roupa. Estava despido dele. Queria a pele de volta. A pele rasgou-se como os tempos. Tantos homens atravessavam, vazios; atravessavam vazios. Chegou aqui. Pedia o seu eu, que lhe encontrasse o eu, um eu que pudesse ser. Um eu qualquer. Depois, leu na pena que orbitava sob as pestanas da mulher. Já era um qualquer. Sem um eu. A fúria chorou muito. Guinchava o desalme. O desalme guinchava. Estava sozinho sem alma. Estava sozinho, sem alma. Estava, sozinho, sem alma. E viu a alma da mulher na frente dele, de porta entreaberta e janela bem fechada. A fúria cantava alto. Baixou as calças pelos joelhos e deitou-lhe a mão aberta à cara, os dedos aos olhos. Uma alma cega pode ser extraída. Dizem que as prostitutas são muito fundas e, por isso, conseguem esconder a alma em sítios que não se podem alcançar. Sujou-a muito; o órgão pendia, absurdo. O corpo na sua frente, de alma ausente, percebeu. Julgou-a desalmada. Riu. Atirou os papelinhos coloridos de feio, muitos, ao chão e saiu, a gargalhar fúria, gozo, feliz. A prostituta fechou a porta entreaberta e chamou a alma de volta. O seu trabalho estava concluído, tinha vendido mais uma ilusão.

Os ingleses é que sabem apoiar a sua selecção!


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XIII Encontra-A-Funda - uma cedilha na Pica

fui-me à Pica a Cucujães para um encontro de pica
com alguns filhos e mães que a saudade fornica

pelo caminho a cedilha que no bolso transportava
cravou-se-me na virilha - dali não sai nem por nada

há pois cedilhas danadas que num encontro de amigos
em se sentindo encostadas só olham p’ra seus umbigos

esta então - e por preceito - lança em redor atenção
a todo o umbigo de jeito - o que faz sem contenção

é pois cedilha das finas - veio à Pica por prazer
a fazer-se de menina que dá bola até sem querer

à cautela então te peço
amiga se me abraçares
mede o aperto que eu meço
não vá ela dar-se a ares
e em momento perverso
quando menos esperares
vai-se a cedilha à Taberna
bebe uns copos fica terna
e pede-te para a agarrares
que ela é cedilha com pica
indómita - garganeira
se lhe tocas ela estica
cola-se à Pica matreira
… e fica de outra maneira

quem na viu – quem na sentiu nessa nova condição
da cedilha garantiu ser ponto de exclamação!


- No rescaldo da XIII Encontra-A-Funda – 12 e 13 de Junho de 2010 - outro momento bem passado, na Taberna da Pica, algures entre Cucujães e a Oitava Avenida... 

13 junho 2010

O resto


Falo-te de algo que não sabes,
como uma borboleta que nasce
e tu não entendes o sentido
- falo-te na mesma -,
nessa tua exaustão alheada.

Não conheces por que não queres;
não te interessa (finges que lês);
não prestas a mínima atenção:
mas eu falo-te, mesmo assim.

Um dia regressas.
As palavras pouco podem
explicar,
nada significam.

Da partida nada resta.
O resto: nada representa.

Foto e poesia de Paula Raposo

A manobra de Heimlich explicada como deve ser

Depois da reanimação cardiopulmonar explicada como deve ser, faltava esta.

Está tudo explicado


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12 junho 2010

Azul

Saltam à rua as personagens de um teatro de madeira. O palco empedrado chama-se passeio. E as pessoas seguem e têm uma melodia própria quando os seus sons se juntam, como se fossem andorinhas. Algumas já não seguem. Eu já vi morrer. Mas não faz mal, já não faz mal, já não dói muito, agora; agora já passou.

Andei mais... Fui jogando o jogo de contar as pedras do passeio e não pisar os riscos.

Ele estava lá e esperava-me. Acho que sempre esperou; parece-me que sim porque as estantes em volta estavam cheias, sentava-se no meio de tantas páginas enquanto escrevia, e as páginas esperam sempre por nós, esperam-nos a vida inteira durante uma vida inteira. Quem sou eu agora, escuta-me, saberás qual o livro meu? Sinto-me perder os dias que não fazem páginas; ao menos quando as letras avançam, mesmo sem dó nem piedade, nunca se perdem, só repousam num silêncio branco, bonito, tudo o que os dias foram.

Ofereces-me os teus braços. Tens pena, dizes tu, de ter os bolsos vazios e nada, assim, para oferecer. Não saberás tu que nada de verdadeiramente importante se pode guardar em bolsos? Sabes, eu tenho medo do que ainda aí vem e do que possa não vir. Por isso me ofereço aos teus dedos e ao teu peito, eles que me escrevam a história e me amparem nas linhas.

Cuidado com as vossas cabeças!



Let the sun in by *holdmycoat