Caso venhas, não me digas...
Perguntarei ao tempo que nada me dirá.
Que o tempo sabe que prefiro sentir-te chegar.
Caso chegues, não me digas...
Em todas as vezes, prefiro sentir-te chegar.
Porque assim saberei se ainda és tu quando chegas.
Caso não venhas nunca mais, não me digas...
Perguntarei à saudade que nada me dirá.
Que a saudade sabe que prefiro não saber.
Porque assim saberei que já não sou eu nunca mais
no dia em que já não existir saudade a quem perguntar por ti.
Agora que já te disse, já sabes.
Agora que já sabes já podes tudo o que não digas.
Eu já posso escutar os mudos traços que não digas
às gavetas do meu corpo emprestados.
Gavetas destas nunca estão cheias, estão abertas e antes
espalham-se pelas casas intermináveis, de cheiros intermináveis.
Caso me toques, não me digas.
Perguntarei ao peito que nada me dirá
que o peito sabe que prefiro sentir-te tocar
cara a cara, olharei o meu corpo
se estiver nu, eu despi.
Caso me olhes, não me digas.
Olhar-te-ei sem nada perguntar.
16 junho 2010
a t-shirt oficial do Pride 2010
É para o menino e para a menina! ahhh e para o S. também (que a diversidade é coisa que se aprende desde cedo)
O design é do Duke (a minha vénia) e a estampagem é da responsabilidade da loja mais catita da Rua da Madalena, ARMENIOS!
digam lá que eu e meu J. não vamos fazer um sucesso no Arraial?
___________________Nota da ediSão - desenhei em 2009 uma t-shirt para o Arraial Pride, que continua à venda aqui.
15 junho 2010
Pequena Carta da Mulher ao Homem
Existe um lugar em mim onde a tua sombra é minha gémea , quente e rápida, escarlate.
Por vezes sinto que é de ti que me vem fogo, outras sinto o ardor guardado numa metáfora, que voa num salto para o centro. Falo-te de paisagens inclinadas onde o flanco deixa o sal, onde o desejo é legítimo e o amor por vezes muito confuso. Imagino tocar-te na boca, sem boca e meter-te na boca o leite, o fogo e um grito sem ter que tocar. Minha mão num poema a colher de ti, o que a outra mão tocou, onde o desejo se abriu e a cauda redonda se desenrola através da plumagem ardente. Um sentir a sentir o apalpar girar profundo, a polir a grande flor, a saborear mel. A voz respira pelo orifício a meio amarrado em torno do sexo intenso, o som ressoa para dentro, imaginar que a água tem som.
Belo é o sentir e belo é o vir do correr obscuro, do sangue que brota do fruto de forma esférica, descendo fundo do profundo lago parado...
Por vezes sinto que é de ti que me vem fogo, outras sinto o ardor guardado numa metáfora, que voa num salto para o centro. Falo-te de paisagens inclinadas onde o flanco deixa o sal, onde o desejo é legítimo e o amor por vezes muito confuso. Imagino tocar-te na boca, sem boca e meter-te na boca o leite, o fogo e um grito sem ter que tocar. Minha mão num poema a colher de ti, o que a outra mão tocou, onde o desejo se abriu e a cauda redonda se desenrola através da plumagem ardente. Um sentir a sentir o apalpar girar profundo, a polir a grande flor, a saborear mel. A voz respira pelo orifício a meio amarrado em torno do sexo intenso, o som ressoa para dentro, imaginar que a água tem som.
Belo é o sentir e belo é o vir do correr obscuro, do sangue que brota do fruto de forma esférica, descendo fundo do profundo lago parado...
[Blog Vermelho Canalha]
Fuga
Os laços magoam, apertam,
conseguem calar - aqui -
a voz silenciosa
da dispersa fuga.
Aí, retrocedemos,
queremos ser nós - de novo -
e a impossibilidade
tolhe os movimentos.
Não quero laços.
Não quero ser tolhida.
- Não retrocedo.
Poesia de Paula Raposo
conseguem calar - aqui -
a voz silenciosa
da dispersa fuga.
Aí, retrocedemos,
queremos ser nós - de novo -
e a impossibilidade
tolhe os movimentos.
Não quero laços.
Não quero ser tolhida.
- Não retrocedo.
Poesia de Paula Raposo
14 junho 2010
A prostituta azul (VI)
O homem mais nu de todos não tirou a roupa, não tirou a roupa. Estava despido dele. Queria a pele de volta. A pele rasgou-se como os tempos. Tantos homens atravessavam, vazios; atravessavam vazios. Chegou aqui. Pedia o seu eu, que lhe encontrasse o eu, um eu que pudesse ser. Um eu qualquer. Depois, leu na pena que orbitava sob as pestanas da mulher. Já era um qualquer. Sem um eu. A fúria chorou muito. Guinchava o desalme. O desalme guinchava. Estava sozinho sem alma. Estava sozinho, sem alma. Estava, sozinho, sem alma. E viu a alma da mulher na frente dele, de porta entreaberta e janela bem fechada. A fúria cantava alto. Baixou as calças pelos joelhos e deitou-lhe a mão aberta à cara, os dedos aos olhos. Uma alma cega pode ser extraída. Dizem que as prostitutas são muito fundas e, por isso, conseguem esconder a alma em sítios que não se podem alcançar. Sujou-a muito; o órgão pendia, absurdo. O corpo na sua frente, de alma ausente, percebeu. Julgou-a desalmada. Riu. Atirou os papelinhos coloridos de feio, muitos, ao chão e saiu, a gargalhar fúria, gozo, feliz. A prostituta fechou a porta entreaberta e chamou a alma de volta. O seu trabalho estava concluído, tinha vendido mais uma ilusão.
XIII Encontra-A-Funda - uma cedilha na Pica
fui-me à Pica a Cucujães para um encontro de pica
com alguns filhos e mães que a saudade fornica
pelo caminho a cedilha que no bolso transportava
cravou-se-me na virilha - dali não sai nem por nada
há pois cedilhas danadas que num encontro de amigos
em se sentindo encostadas só olham p’ra seus umbigos
esta então - e por preceito - lança em redor atenção
a todo o umbigo de jeito - o que faz sem contenção
é pois cedilha das finas - veio à Pica por prazer
a fazer-se de menina que dá bola até sem querer
à cautela então te peço
amiga se me abraçares
mede o aperto que eu meço
não vá ela dar-se a ares
e em momento perverso
quando menos esperares
vai-se a cedilha à Taberna
bebe uns copos fica terna
e pede-te para a agarrares
que ela é cedilha com pica
indómita - garganeira
se lhe tocas ela estica
cola-se à Pica matreira
… e fica de outra maneira
quem na viu – quem na sentiu nessa nova condição
da cedilha garantiu ser ponto de exclamação!
- No rescaldo da XIII Encontra-A-Funda – 12 e 13 de Junho de 2010 - outro momento bem passado, na Taberna da Pica, algures entre Cucujães e a Oitava Avenida...
com alguns filhos e mães que a saudade fornica
pelo caminho a cedilha que no bolso transportava
cravou-se-me na virilha - dali não sai nem por nada
há pois cedilhas danadas que num encontro de amigos
em se sentindo encostadas só olham p’ra seus umbigos
esta então - e por preceito - lança em redor atenção
a todo o umbigo de jeito - o que faz sem contenção
é pois cedilha das finas - veio à Pica por prazer
a fazer-se de menina que dá bola até sem querer
à cautela então te peço
amiga se me abraçares
mede o aperto que eu meço
não vá ela dar-se a ares
e em momento perverso
quando menos esperares
vai-se a cedilha à Taberna
bebe uns copos fica terna
e pede-te para a agarrares
que ela é cedilha com pica
indómita - garganeira
se lhe tocas ela estica
cola-se à Pica matreira
… e fica de outra maneira
quem na viu – quem na sentiu nessa nova condição
da cedilha garantiu ser ponto de exclamação!
- No rescaldo da XIII Encontra-A-Funda – 12 e 13 de Junho de 2010 - outro momento bem passado, na Taberna da Pica, algures entre Cucujães e a Oitava Avenida...
13 junho 2010
O resto
Falo-te de algo que não sabes,
como uma borboleta que nasce
e tu não entendes o sentido
- falo-te na mesma -,
nessa tua exaustão alheada.
Não conheces por que não queres;
não te interessa (finges que lês);
não prestas a mínima atenção:
mas eu falo-te, mesmo assim.
Um dia regressas.
As palavras pouco podem
explicar,
nada significam.
Da partida nada resta.
O resto: nada representa.
Foto e poesia de Paula Raposo
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