Quando o grego se despediu de mim no aeroporto, fê-lo com três beijos. Não foram bem beijos, foi mais um encostar da face, que não sei se teve esse formato mais ligeiro por respeito à diferença cultural, ou se é mesmo assim. Em jeito de brincadeira pensei para mim: pois é, por isso tendes aquela loiça toda pintada com homens nús musculados. Mas a brincadeira esconde muitos preconceitos, e o facto é que a nossa sociedade não está preparada para o Amor entre os homens.
Virá alguém dizer, em bicos de pés, que isso é um reflexo da nossa cultura judaico-cristã, essa cartilha de valores castradores. Esclareça-se, primeiro, que o amor ao qual me refiro não é o amor romântico e/ou sexual, e, segundo, que essa mesma tal cultura judaico-cristã nunca nos impediu de demonstrar Amor a potes pelas mulheres. Especialmente pela mulher dos outros. Coisa que, numa cultura de forte influência religiosa, é matéria para ocupar o pódio em pecados graves.
O Amor sobre o qual penso aqui é um Amor que devia unir todas as pessoas. Com algumas delas é manifestamente difícil, compreendo. Mas devia tentar-se. É o Amor fraterno, aquele que julgo ser a cola do mundo, a única coisa que nos salva de existências tristes, dominadas pelo medo. Sermos capazes de Amar e de admitir esse Amor. Sermos capazes de dizer aos nossos amigos que os Amamos, sem o receio de sermos confundidos ou considerados inconvenientes ou gays. Se mesmo a uma mulher isso exige preparação, a um homem é muito mais complicado. Há mulheres – não muitas – a quem eu sou capaz de dizer que as Amo, e a quem já o disse. E, dizendo-o, não fui mal interpretado. Elas sabem que Amor é esse que lhes manifestei, e sentem-se confortáveis com isso, há reciprocidade. São mulheres com quem criei fortes amizades, pessoas que respeito e valorizo muito, e por quem nutro Amor. As amizades, quando puras, são tão só uma forma de Amor. Se assim é, porque não dizer-lhes que as Amo? Disse.
Mas com os homens é muito mais difícil. Somos machões, fomos criados machões. Tive a sorte, assim o entendo, de ter uma mãe muito espiritual e muito carinhosa para as pessoas. E como sou minhoto não é estranho ouvir as pessoas tratar-se por “meu amor”. Mas se da minha mãe recebi a capacidade de Amar, do meu pai herdei o lado machão. E é isso que predomina na nossa cultura. Uma cultura em que os homens não choram e em que o Amor é apenas um: o do sexo e mais nenhum (excluindo o Amor pelos filhos, que é aceite).
Já disse a talvez dois amigos meus que os Amava. E sei que eles me entenderam. Porque são pessoas que eu considero de bem, com bons sentimentos, capazes de entender o que isso é e sem medo. Sem medo de serem entendidos como gays. É importante, isto, porque também eles são machões e pouco receptivos à gayzice.
Precisamos avançar no Amor fraterno. Dizê-lo sem medo. Custa. Mas é preciso. Porque se nos fecharmos cada vez mais, descolamos e o mundo solta-se. Precisamos separar o Amor romântico do Amor fraterno. Precisamos entender as coisas como elas são. Quando o nosso mundo se abre ao Amor entre as pessoas, fica muito mais belo. Com menos tristeza e menos medo.
O meu Amor romântico é um exclusivo das mulheres, essa belíssima, ainda que por vezes complicada, criação de Deus. Mas o Amor fraterno é para todos, e tenho esperança de um dia o poder declarar sem receios a quem o mereça. Amar é preciso.