12 outubro 2010

Viva a nossa Miss Joana Well!

O nosso amigo Luís Gaspar comunicou à Miss Joana Well:
"a tua poesia acaba de entrar no “Palavra d’Ouro” da Truca, lugar onde vão parar os poetas lidos no Estúdio Raposa que merecem “medalha”.»

Luís Gaspar e Miss Joana Well, mereceis ambos uma medalha!

Baralhações

Olhou para ele e percebeu que, no momento em que escolhessem, simultaneamente, deixar de lado o medo de perder o que tinham, a vida de ambos mudaria para sempre.
E era tão bom o que tinham como o que poderiam ter. Ou talvez não, por toda uma série de considerações que ela repetia mentalmente, como uma cábula.
Ele perguntou-lhe se estava bem e porque estava tão calada.
Ela abriu uma excepção e devolveu-lhe o toque na mão. Sorriu-lhe e sacudiu o cabelo, como quem volta a pôr os pensamentos em ordem, enquanto lhe assegurava que era cansaço (e se assegurava de que, para já, não tinha de escolher nada).


Zango-me com quê? Com qual das tuas mentiras me zango mais? Com qual das infidelidades? Com o quê de ti me zango mais? Com que parte de ti posso não me zangar?
Qual das tuas mentiras confronto primeiro? Qual a que primeiro tento vencer? Qual a que primeiro posso enterrar, enterrar viva, para que sofra?
Que imagem tenho que apagar primeiro dos meus olhos? Que frases apago primeiro dos meus ouvidos? Que carne te arranco para aplacar a minha dor?
Em que sorriso teu posso acreditar, em que orgasmo? Qual o orgasmo que te vou negar em troca dos que não me deste? Qual o sorriso em que cravarei as unhas para que morra nos teus lábios mentirosos? Que parte da minha alma me roubaste para que, tão zangada, ainda te ame?
Como me posso vingar se cada punhal que te cravo na carne faz sangrar a minha?

Medeia - blog [Infidelidades]

Passado

Já não é sonho:
voltámos.
Quando se pensam os sonhos,
eles deixam que nós voltemos
e deixam de ser sonhos.
São nada.
Voltamos.
Quando voltamos, os sonhos
perdem-se nas noites
e são passados sem luz.

É bom sonhar:
pensamos que eles nos deixam
voltar,
mas eles acabam perdidos
e mortos;
sem luz, são passado.

Poesia de Paula Raposo

Já tenho onde enfiar... as chaves da minha colecção!


11 outubro 2010

Membranas e membros deste blog, apresento-vos o nosso amigo d!o, autor das tiras John & John

Simples e natural

Depois de já muitos de nós nos termos rendido aos encantos das deliciosas barritas de sementes de sésamo de origem biológica agregadas com açúcar de cana mascavado, ou às extraordinárias propriedades alimentares das bagas goji… vale a pena aludir às potencialidades das singelas cenouras. Cenouras? Sim, senhor! (Foi mesmo isso que “ouviram”: cenouras!) Está bem que não têm comando à distância, nem controlo de rotações ou de vibração integrado… Mas vejamos: são seguramente submersíveis! A sensação térmica, a consistência, o toque, e a textura, são excepcionais. Há-as de todos os tamanhos e feitios, não produzem ruídos desagradáveis, não acarretam nenhuma forma de desperdício uma vez que mesmo depois de utilizadas ainda podem ser servidas em saladas (nunca esquecendo a saúde do planeta!), são perfeitamente anti-alérgicas, e, (muito importante!), não deixam resíduos de sabores ou cheiros estranhos a polímeros sintéticos (borrachas variadas, silicones, etc…), pelo contrário, são excelentes para aromatizar suavemente o sabor de uma cona. Depois… também não é preciso ir a uma loja especializada para as adquirir, ou assobiar para o ar enquanto se observa o produto e se lê atentamente as designações da embalagem. Basta, somente, ir com toda a naturalidade à mercearia da esquina. A seguir… lavar, aquecer em banho-maria (conforme os gostos), e estão prontas a usar! Simples, ecológico, saudável, económico, versátil, e multifuncional! Para quem ainda não testou, vale a pena experimentar!

O Quarto do Vazio - A Janela Aberta

Limpa o verniz. Deixa cair a sombra que não me permite descobrir a luz. Deixa raiar, brilhar o tom da tua pele em sobressaltos de beleza. Porque tu és bela, até mais sem esse verniz que um dia alguém te obrigou a pintar. Sai do casulo e caminha destapada, nua e segura. Não serás julgada como julgas, questionada como imaginas e o escrúpulo que te irão dirigir será a enzima da tua caminhada. A probidade que envolve um dos teus seres, desaparecerá dando lugar à força e beleza que pautará a tua transição. Limpa o verniz que não mais precisas dele. Já és sem pareceres e já existes sem crer. Caminha; sai pela janela transparente da luz, porta do mundo. Pinta a parede do quarto e descobre o demais. Confia! Parte os espinhos da cama e puxa os panos que privam as ilusões. Limpa o verniz. Acontece!

Ah, malandreca...

A minha mais recente estatueta em bronze.
Tem 33cm de altura e pesa 3,5 Kg.




Macho Alfa



Alexandre Affonso - nadaver.com

10 outubro 2010

Nascer num corpo que não se reconhece ou encenar uma identidade?


cliquem na imagem para ampliar a mesma, sachavore!

Um dia, eu perdi o bater do meu coração.

Um dia, eu perdi o bater do meu coração.

Ele acordava, real, cheio, o batimento acelerava, nítido, ensurdecedor, quebrava o peito e fazia-se sentir lá fora, nos dias tolos, tolos, ternos. Depois, os dias passavam, percebia-se bater cada vez mais contra as paredes, contra a ausência de resposta que não lhe dava o impulso necessário para continuar; estupefacto, pálido, começava, lentamente, a abrandar. E voltava a despertar. E voltava a abrandar. Cada memória era cópia exacta da anterior, equação interminável que se recusava a retirar do peito. Um dia, abrandou até parar. E eu perdi o bater do meu coração.

Foi contigo, sim. Agora é azul, pasmado numa forma perfeita, inútil, varado de silêncio. Foi contigo, sim; tão depressa bateu que abrandar foi caminho longo e irreversível; talvez o caminho mais longo de todos, o mais demorado, o mais deserto. Fez frio, fez tanto frio no dia em que perdi o bater do meu coração; perdi-nos e já não nos encontro; perdi-nos, sim, mas ainda o tenho, está quieto, imóvel, mas está aqui.

Um dia, eu perdi o bater do meu coração mas não perdi o coração.

«Há males que vêm por bem» - por Rui Felício


Quando abriu o restaurante “Combinado”, perto da Estação Nova, a modernidade da sua decoração, a novidade de uma ementa catalogada por números, o espaço bem iluminado junto ao balcão e, numa penumbra mais íntima, algumas acolhedoras mesas ao fundo da sala, tornou-se, durante alguns anos, a coqueluche de Coimbra.
Uma tarde, encontrei ali uma colega que estava sentada numa dessas mesas. Ao ver-me entrar, fez-me sinal e chamou-me.
Cumprimentei-a, poisei os livros e a capa em cima de uma cadeira e sentei-me ao seu lado, num daqueles bancos corridos almofadados que contornavam a mesa, fixos à parede.
Conhecíamo-nos já há bastante tempo, mas, salvo um ou outro baile em que, esporadicamente, tínhamos dançado juntos, as nossas conversas eram sempre triviais e fugidias antes de entrarmos para a sala de aula.
Naquela tarde, a superficialidade da nossa conversa em nada diferiu das vezes anteriores, até porque eu estava com pressa. Tinha ido ali apenas beber um fino para depois seguir até ao Bairro. A verdade é que, daí para a frente, nada voltaria a ser como dantes...
Um quarto de hora depois, disse-lhe que tinha de ir e levantei-me. Peguei nos livros, mas ao virar-me, deixei que, inadvertidamente, a capa entornasse na sua blusa o copo de leite com chocolate que ela segurava entre as mãos.
Pressuroso, prontifiquei-me a ajudá-la a limpar a nódoa castanha que ia alastrando pelo tecido da fina blusa branca, deixando transparecer o desenho do seio.
Ela, simpaticamente, lá foi dizendo que são coisas que acontecem, que não me preocupasse, mas eu bem via o seu ar incomodado.
Pedi ao empregado um pano embebido em água morna e, delicadamente, fui esfregando a nódoa, na vã esperança de a fazer desaparecer. Dei por mim a sentir um estranho arrepio de cada vez que lhe tocava a região do seio com a ponta do pano. As sensações que me iam invadindo, faziam-me esquecer a nódoa, o coração galopava, a respiração acelerava e, por vezes, deixava escorregar os dedos, descontrolado, por baixo do pano húmido.
Os contactos directos dos dedos, intervalados com os do pano, aumentava-me o desejo de continuar a tocar-lhe, por tempo indefinido, sob o pretexto de estar a tentar remover a nódoa.
Não vi da parte dela, nenhuma resistência ou agastamento, nem sequer um olhar reprovador ou de aviso. Mas interpretei isso como sendo uma manifestação de confiança na minha boa educação e na minha seriedade. Eu é que devia ser capaz de afastar, e não o estava a conseguir, os pensamentos que, estupidamente, me assaltavam e me toldavam o raciocínio.
A custo, pus um travão naquela caricata situação. Despedimo-nos, finalmente, e cada um foi à sua vida. No caminho para o Bairro, recriminava-me por ter perdido a compostura, mas ao mesmo tempo, revivia com prazer aqueles inesperados momentos. Enfim, dizia para comigo: O que estava feito, feito estava!
Dias mais tarde, reencontrámo-nos num baile nos Twist-Pópó em Montes Claros. Dançámos inúmeras vezes, bebemos “cup”, falámos dos professores, de política, sei lá!...
Inopinadamente, no meio de uma dança ao som da canção “Sans toi, ma vie”, do Adamo, em que os nossos corpos colados num só, se movimentavam lenta e cadenciadamente, ela quebrou o silêncio e os meus pensamentos, dizendo-me:
- No outro dia, ao menos podias ter-me pedido desculpa. Nunca me disseste sequer que lamentavas o acidente do copo entornado! Nem parece teu!
- Não to disse, nem to direi. Porque, de facto, eu não lamentei o que aconteceu. Foi sem querer, foi um mal, mas há males que vêm por bem... – respondi eu.
- Nisso tens razão, Rui! Também eu lamentei ao principio, mas depois acabei por gostar do que aconteceu! – disse ela baixinho, puxando-me mais para si.

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»