Uma amiga arranjava o espaço, eu e um parceiro tratávamos da instalação eléctrica. Bola de espelhos, sequencial, psicadélicas, sirene e, last but not least, uma lâmpada de luz negra que foi um achado pessoal.
Era isso mais o som, sempre um problema, e as mães das amigas, ossos duros de roer.
Mas depois de instalada a festa no espaço, uma sala vazia antes e depois de horas bem vividas, tudo ganhava magia e em pouco tempo, mesmo sem abusar da cerveja, o grupo adolescente isolava-se do resto do mundo num tempo que era só nosso e onde (quase) tudo podia acontecer e ninguém permitia que acontecesse mal algum.
O respeito impunha-se pela amizade que nascia e crescia sem abalos de monta, mesmo os mais atrevidos lá fora adoptavam a prudência como conselheira e avançavam com pezinhos de lã, às vezes resultava e outras vezes ficavam a ver a sorte dos outros quando abriam os olhos a meio de um slow. Sem invejas ou ciumes, os sentimentos de posse não faziam sentido num tempo em que acordávamos acelerados com medo que o dia não bastasse para tudo quanto nos apetecia viver e vivíamos a correr, em busca do pretexto seguinte para aprendermos a ser crescidos, primeiro uns beijos na boca, depois as mãos à solta pelas peles ansiosas de sensações, mas ainda imunes a todos os estragos que depois descobrimos isso acabaria por implicar.
E depois a vida a impor outros caminhos, outros interesses que prenunciavam o surgimento das obrigações inerentes a quem já podia tirar a carta de condução. E depois a vida a tornar menos simples as emoções, a complicar quase tudo aquilo que nos parecia eterno ao som dos Ramones ou das sequências intermináveis de música para dançarmos encostados, para ficarmos emparelhados com a nossa aposta para a ocasião.
Às vezes sim e outras vezes não. Mas sem embaraços ou arrependimentos, sem tristezas ou mais do que ligeiras desilusões, equívocos que sorvíamos por entre o brilho especial de um olhar que não queria afinal dizer atracção mas apenas a vontade de prender a atenção de alguém, de conversar as coisas já feitas e as muitas mais que havia por fazer.
Sem outro sentimento que não aquela proximidade que nos arrastava cidade fora ou mesmo aos arredores para sermos meninas e meninos na fronteira que delimitava uma época de transição, à procura dos nossos limites, de glórias, de anseios, de desejo, de carinho, de sinais que desmentissem o medo de que a borbulha nascida com a manhã não nos tornasse ainda mais feios e desinteressantes do que nos sentíamos quando o corpo parecia desorientado, sem saber como crescer, e os pelos pioneiros da barba tão temida quanto ansiada brotavam na cara como outros cobriam aos poucos as zonas mais privadas que aquele tempo abria ao nosso apelo explorador a surgir.
O sexo apetecido e (a promessa d)o amor a seguir, na bebedeira da emoção.
Às vezes sim e outras vezes não.