30 dezembro 2010

Corte e costura

A tesoura imaginária que corta ligações mantidas de forma precária, dez vezes mais depressa do que a mão sorrateira que tenta reparar à sua maneira os elos perdidos, muitos cortes definitivos, de forma atabalhoada, improvisando uns nós, atarefada a cortadora apressada que se acredita melhor caminho para a salvação no estranho conforto que a solidão parece prometer, talvez algum órgão vital a morrer por falta de irrigação das veias separadas pelas lâminas afiadas de uma tesoura imaginária que tenta alterar a história e prevenir a infecção recorrendo à amputação das ligações associadas a más emoções ou apenas teoricamente ameaçadoras, essas relações comprometedoras para o sossego das tesouras que reagem de forma automática a qualquer sensação menos simpática, o corte radical para separar o bem que somos do mal que os outros podem representar.

A tesoura imaginária a cortar, cem vezes mais depressa do que a mão piedosa que vê as coisas em tons de rosa e se esgota num esforço inglório para (re)atar alguns nós.

A ver se consegue evitar que acabemos completamente sós.


Sonhar com um mundo melhor não custa...

Teste de visão


Via

Pendurado...


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29 dezembro 2010

O João aprova #3


Esta imagem tem tudo para ser aprovada. É muito convidativa. Aquelas pernas, assaz interessantes, conduzem a um rabo sedento pelo tauísmo (vertente passifista, i.e., de todos aqueles que praticam e advogam a pás entre os povos) e quando olho esta imagem tudo nela transpira um alto e bem definido "possui-me!". Ou, como se diria em latim, "fode-me".

Há Outros Dias...

Há dias em que sem percebermos e sequer questionarmos, o céu é luminoso.
Há dias em que a tristeza não encontra os nossos dedos.
Há dias em que o silêncio é o melhor amigo da nossa alegria e seríamos menos felizes se palavras houvessem para a descrever.
Há dias em que os raios de Sol são raios de Luz que nos iluminam.
Há dias em que o astros, a Lua e o Sol estão de tal forma alinhados que as estrelas falam connosco.
Há dias em que agimos sem conseguirmos pensar.
Há dias em que a alegria esperada supera-se de tal maneira que – se medida – não teria espaço em corpo meu.
Há dias em que o interessante se transforma em bom, depois em óptimo e só o todo tem lugar sem detalhe que impressione.
Há dias em que não há próximo, existe apenas comunhão.
Há dias em que o coração em vez de bater, aperta e expande à velocidade da Luz.
Há dias em que todos os caminhos têm apenas uma direcção.

Há dias em que as pernas tremem, o coração acelera em êxtase, as pálpebras piscam de nervoso, os olhos fecham em prazer, a expressão facial ganha cor, as costas dobram num abraço, os braços envolvem, os movimentos suaves, o cérebro grita, a visão só reconhece o brilho, o pescoço roda, o peito enche, o cigarro é pontual e um pingo de suor atrevido escorrega suavemente nas costas até soltar-se.

Há outros dias...

Matemática

Uma noite, poderás dormir no meu lugar,
dar-te, no meu espaço, o espaço meu,
o lugar que me toca a pele na cama;
porque deve ser apenas assim que se ama,
de todo o espaço, a pequena coisa que cedeu,
é na fronteira do eu, é o espaço de na pele tocar.
Uma noite, quando sonhares, poderás deitar
o sonho teu, ali será o meu e o meu será o teu
como eu e a palavra nossa há-de ser a mesma,
essa palavra que junto à pele já nos soma;
não somos um, gosto que sejas tu, eu sou eu
mas, aqui, aprenderemos contas de somar.

Ibiza Fucking Island

28 dezembro 2010

Endurance

Não passou de um momento.
Um segundo, no máximo, diria.
Em que sentiu no estômago o mesmo que sentia quando, era miúda, o pai passava com o carro a determinada velocidade nos túneis das avenidas novas e ela, com o irmão no banco de trás, ria e pedia "mais, mais!".
Em que achou que todo e qualquer milímetro cúbico de sangue lhe afluira ao cérebro.
Em que ouviu o coração descompassado, como se fora do peito.
Em que viu as mãos a tremer.

Foi só um segundo.
Respirou fundo e obrigou a fisiologia a voltar ao normal.
Como uma atleta de endurance.
Afinal, na vida, não passamos de candidatos a corridas de fundo.

Si non è vero, è bene trovato

As iludências aparudem

Efeméride

Este não é o destino
que penso que mereço;
não é a fortuita paisagem
de um dia de Verão!
Este não é o sintoma
de uma falta de saúde:
será, talvez, a força
determinada do futuro.
Pela força de vontade
eu voltarei a olhar-te(!)
como uma estúpida
efeméride... nada mais.

Poesia de Paula Raposo