Helena era a terceira filha de Almerindo Teodósio, e a primeira e única filha da Maria da Conceição, a quem o abastado agricultor seduzira ainda donzela, tornando-a numa mãe solteira. Por causa disso, filha e mãe sofreram a segregação do ambiente aldeão, para o resto dos seus dias, uma por ser filha do pecado a outra por ter dado aquele passo em falso.
O povo conjecturava, mas da boca da Maria da Conceição nunca ninguém soube quem era o pai da Helena. O Teodósio obrigara-a a jurar segredo sobre a campa rasa dos seus pais que, um a seguir ao outro, a tinham deixado órfã ainda ela era menina.
A labuta de sol a sol a que a Helena se sujeitava, já adolescente, na Quinta do Vale da Azenha, em troca da fraca jorna que entregava à mãe para o sustento das duas, tisnava-lhe a pele, endurecia-lhe os músculos, ensombrava-lhe o semblante.
Não havia rapaz na aldeia que não desejasse andar toda a vida perdido na escuridão dos olhos negros, profundos, plantados no rosto trigueiro da Helena, que não sonhasse em provar o doce dos favos de mel que eram os lábios nacarados daquela menina com corpo de mulher.
Mas ia desistindo, ano após ano. Toda a gente via que o Francisco Teodósio, capataz da Quinta e filho mais novo do velho Almerindo, andava de olho nela. Cercava-a, dava-lhe trabalhos mais leves, ia levá-la a casa montada na garupa do seu cavalo, enchia-a de mimos...
Ela nunca sorria para ninguém, mas quando o Francisco se aproximava, deixava timidamente aflorar duas filas de dentes brancos como neve a contrastar com a sua pele morena.
Até que um dia o Francisco foi falar com a Maria da Conceição. Ia pedir-lhe a filha em casamento.
Espantado, nem quis acreditar na terminante recusa que ouviu da boca da Maria da Conceição que, lavada em lágrimas, lhe disse que ele lhe estava a pedir uma coisa impossível.
Falou então com o seu pai e este, furioso, proibiu-o terminantemente de lhe voltar a tocar no assunto. Que o deserdava se ele persistisse nessa ideia!
O Francisco e a Helena, combinaram então, em segredo, esperar pela maioridade dela e, no dia seguinte ao do seu aniversário, fugiram da aldeia. Meteram os papéis em Coimbra e casaram-se na Igreja de Santa Cruz.
Foi só então, passados 21 anos, que a aldeia ficou a saber que o Almerindo era o pai da Helena e que tinha contratado um advogado para ser feita a anulação do casamento dos filhos...
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações