13 agosto 2013

«Foi a primavera que te trouxe» - Susana Duarte

Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.

Foi a primavera que te trouxe.

Vieste com as camélias refulgentes da cor rubra
dos meus olhos quando, por entre os cílios,
antevi os dedos dos teus dedos, a salvação
escrita no peito, e a eternidade do brilho
das águas.

Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.

Sobre as ondulações do peito,

escrevi todos os lexemas
que, na foz da palavra,
se ditaram
na alma.

E tu, que vieste com a primavera,

escreveste em mim todos os significados
das noites
e dos dias.



Susana Duarte
Blog Terra de Encanto

Dois desenhos originais...

... da minha colecção, em tinta da china, no formato A4.



12 agosto 2013

no dia da morte de Urbano Tavares Rodrigues...

... os poderes estabelecidos, uma vez mais, pouco mais fizeram que silenciá-lo. E, no entanto, aí está um exemplo acabado de um escritor inconformista a quem devemos tanto da coragem das palavras e das ideias que elas nos dão como alimento.

Singela homenagem esta, a minha, mas aqui a deixo, recorrendo a um belíssimo texto de sua autoria que tem tanto a ver com tudo quanto por aqui se vai passando:


O Fim do Amor Trágico e Romântico?

Vivemos, de facto, numa época em que a noção de amor trágico e romântico, que herdámos do século dezanove, se tornou inactual, embora continue ainda a ser vivida por muitos - e até com o carácter de construção moral e estética - essa relação extremamente apaixonada, exigente e exclusiva. A reclamação da liberdade erótica não me parece que de algum modo tenda a degradar a vida, conquanto possa dessublimizá-la e do mesmo passo desmistificá-la, precisamente no propósito de a tornar mais lúcida e mais generosa. Afigura-se-me que na contestação de todas as prepotências firmadas em preconceitos, em princípios estabelecidos apriorísticamente, há sempre um nexo muito íntimo entre a reinvindicação da liberdade erótica, da liberdade no trabalho e da liberdade política. E, naturalmente, quando se dá uma explosão desta espécie, é como uma pedra que rola e que vai agregando uma série de materiais e descobrindo a sua própria composição até às zonas mais profundas da sua estrutura.

- Urbano Tavares Rodrigues, in "Ensaios de Escreviver".

A falta imensa que sempre nos fazem os espíritos lúcidos e esclarecidos...

«L'Agent» (o agente) - pequeno filme da Agent Provocateur criado e dirigido por Penelope Cruz


L'Agent by Agent Provocateur: Autumn Winter 2013 Campaign from L'Agent by Agent Provocateur on Vimeo.

«respostas a perguntas inexistentes (251)» - bagaço amarelo

É a hora do almoço e Dora não tem fome

Saiu da cama há apenas alguns minutos, depois de ter estado algumas horas naquele limbo delicioso que é vaguear entre o sono e a luz, espreguiçando-se espaçadamente como se fosse um gato sem preocupações. Por falar em gatos, o Kiko também só agora deu sinais de vida, miando desesperadamente ao pé da taça de comida vazia.
Ontem tiveram uma longa conversa os dois, Dora e o gato, que é o mesmo que dizer que ela passou toda a noite a falar consigo mesma, enquanto o felino ronronava fingindo compreensão. É motivo mais do que suficiente para ter inveja do Kiko, esta forma de viver cuja maior preocupação é o abastecimento da sua taça de comida. Quem lhe dera a ela conseguir preocupar-se apenas com o que se encontra dentro do seu frigorífico e da despensa. Não consegue, e por isso é que às vezes passa as noites em claro.
As conversas que tem com ela mesma são normalmente aquelas que não teve com quem era suposto. Nem quando era suposto. Ontem, por exemplo, teve um jantar silencioso com o marido. Nem sequer saber do que lhe queria falar, nem sequer sabe o que lhe queria ouvir. Sabe, no entanto, e com toda a certeza do mundo, que queria que as palavras de ambos se beijassem no ar. Não beijam.
É a hora do almoço e Dora não tem fome. Encosta-se à janela, de onde pode ver todo aquele formigueiro excitado que é Lisboa quando almoça. Pergunta-se quantas pessoas daquelas terão conversado com o seu Amor no jantar de ontem à noite. Não sabe a resposta. O gato também não.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «Binho» de Álvaro Santos

Acordei

e alebantei-me.
Coxei-me.
Procurei
as chabes…
Encontrei.
Meti-as
à porta.
Em caja
entrei.
Na cojinha
o bagaxo
Busquei.
Olhei à bolta,

não encontrei.
Oubi a garrafa
Tombar
no roupeiro.
AH!
Ao quarto
rumei.
E cuidadojamente

entrei.
Não hoube
berreiro.
Estranhei…
A Maria

Taba

no xubeiro.
Ah, prontos,

lá xeguei.
Reparei
num pó axim branco no ar…
Huumm…
Neboeiro?
Abri
O roupeiro
Uma mão
paxa-me o bagaxo.

Era o padeiro.
Xaí de caja,

pelas escadas
rebolei.
Boltei
para a rua.

Jiguejaguei.
À porta da padaria
numa cuscubilheira
esbarrei.
Bai
Bar
Da
Mer

Da!
Recomendei.
A padaria

contornei.
Às boltas,
às trajeiras

lá xeguei.
À janela

de xima
um calhau
atirei.
No bidro
nem xei como

lá axertei.
A padeira
à janela
bei.
Abriu
as portadas
e me biu.
No peitoril

entre os bajos
Poujou

Xenxual
o xeu xeio.
E xorriu.
Tens o bagaxo?
Perguntou ela.
Tenho xim.
Respondi.
Atão xobe,
porra!
Dixe ela.
E xubi.

Álvaro Santos
Poeta e cartunista.
(Poema concorrente a um concurso de poesia organizado pelo blogue Porosidade Etérea)


Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

A insensibilidade masculina

Ela é ancestral.



Nem pra dar uma porrada na cabeça e falar que não quer mais nada…

Capinaremos.com

11 agosto 2013

As diferenças entre sexo real e sexo porno, explicadas com vegetais

Escola de Verão


Cativava-me aquele olhar e pele ameríndia. Quando o apito da fábrica dava o meio-dia para todas as aldeias em redor eu já estava a empurrar o portãozito da escola primária para me refugiar sob o alpendre. Ouvia o zunido da zundapp a aproximar-se e a parar a uns metros seguros da escola.

Ele chegava em silêncio e num beijo mergulhava em mim como se nessas pálpebras cerradas apagasse a imagem do pai nas festas das vilas vizinhas, no meio do intenso cheiro a chanfana, a distribuir cervejas pelos rapazes que aceitassem a troca de ele os transformar em gargalo de Super Bock.

Eu esgrimia aquela língua na utopia de absorver aqueles músculos construídos a baldes de cimento, no calor daquele verão onde a toda a hora despontavam os fogos aqui e além. Ele encostava-me literalmente à parede e escorria por mim até a sua cabeça se enfronhar debaixo da minha saia de flores até que os meus dedos puxassem os seus cabelos para trazer de volta a sua boca molhada à minha. Desapertava-lhe as calças reforçadas a  pingos de tinta e ajoelhava-me para fazer levedar a massa na minha saliva. E como sempre, era nessa altura que me pegava ao colo até à velha mesa de lanches daquele alpendre e fazia dela a cama onde se estendia sobre mim, mimando o missionário. Sem palavras, rolava-me para cima dele e fazia-me rodar até os dedos dos meus pés tocarem as pontinhas dos seus cabelos escorridos, segurando-me as nádegas tal qual como a tigela onde bebia a sopa de manhã enquanto eu debicava o croissant empinadinho até atingir o creme de doce de ovos.

Está a ouvir Senhor Doutor?... Desculpe mas eu falava do último verão em que o toquei em carne e osso, em que nos beijámos com as bocas encharcadas, já que ele resolveu trocar a plantação do quintal que até a mãe achava que era linda pelos pózinhos que lhe deram a overdose logo no inverno. E quando soube apenas desejei que ele tivesse tido a sorte de antes experimentar uma queca completa.

Taste it

Só quem não sabe apreciar uma aguardente velha a bebe por um copo e não por um balão. No sexo há formas parecidas de topar os labregos.

Presente de casamento (a língua portuguesa é mesmo muito traiçoeira)



Via Testosterona