14 agosto 2013

«A cara-metade» - João

"Que coisa é essa da cara-metade, minha gente? Deixai-vos disso, que as caras não se querem metades. Não se querem pessoas incompletas, que apenas estão inteiras quando estão juntas a alguém. Eu não quero que sejas a minha cara-metade, nem tão pouco quero eu ser a tua, por muito que saibamos ser cada um a parte que o outro quer. Ser-se cara-metade de alguém é ser-se imcompleto. E o que queremos, bem vistas as coisas, não é isso. Queremos ser um, e que o outro seja também um, e que um e outro sejam, juntos, mais que dois, criando uma união cuja cumplicidade se torna maior que a soma das parcelas.
Só está bem quem está inteiro. Uma relação não se faz de fracções. As fracções criam clastos, dão origem a relações com fissuras que abrem ou deslizam com o tempo, e nada se aguenta quando está fissurado porque as pessoas não estão inteiras. As relações fazem-se de gente inteira. Gente que é una, que está ciente de si, de quem é, capaz de sobreviver por si própria. A magia é ser capaz de sobreviver inteiro e sozinho, e querer fazê-lo com outra pessoa que também é capaz do mesmo. Não há dependência nem anulação. Um e um. Mais que dois. O amor é coisa para isso e eu não quero que sejas a minha cara-metade. Quero-te inteira."

João
Geografia das Curvas

Postalinho dos Paos feitos de Beja

"Mais um mimo da minha cidade"
Madalena


«conversa 2009» - bagaço amarelo

Ela - Os homens são qualquer coisa, realmente. Um vizinho meu, casado e com filhos, desceu ontem comigo no elevador e fez-se a mim.
Eu - Fez-se a ti, como?
Ela - Perguntou-me se eu estava bem, depois começou a dizer que eu parecia muito bem e que sempre me achou muito bonita. Já na porta do prédio, disse-me que a relação dele com a mulher não está muito bem...
Eu - Sim, é conversa de engate.
Ela - Pois, mas ele é casado e com filhos. Pior ainda, eu conheço a mulher dele.
Eu - Também só o aturas se quiseres...
Ela - Sim, isso é verdade. Agora há duas hipóteses.
Eu - Que hipóteses?
Ela - Ou corto definitivamente com o gajo e deixo de lhe dar confiança, ou então vou uma vez para a cama com ele, na casa dele, e esqueço-me das minhas cuecas bem lá no fundo dos lençóis...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«Nua cheia» - o Amigo de Alex


Montagem d'O Amigo de Alex

13 agosto 2013

Tax free

Realmente, se excluirmos a complicação das emoções que lhe estão associadas, o sexo é uma forma muito simples de passar tempo de qualidade.

«Foi a primavera que te trouxe» - Susana Duarte

Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.

Foi a primavera que te trouxe.

Vieste com as camélias refulgentes da cor rubra
dos meus olhos quando, por entre os cílios,
antevi os dedos dos teus dedos, a salvação
escrita no peito, e a eternidade do brilho
das águas.

Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.

Sobre as ondulações do peito,

escrevi todos os lexemas
que, na foz da palavra,
se ditaram
na alma.

E tu, que vieste com a primavera,

escreveste em mim todos os significados
das noites
e dos dias.



Susana Duarte
Blog Terra de Encanto

Dois desenhos originais...

... da minha colecção, em tinta da china, no formato A4.



12 agosto 2013

no dia da morte de Urbano Tavares Rodrigues...

... os poderes estabelecidos, uma vez mais, pouco mais fizeram que silenciá-lo. E, no entanto, aí está um exemplo acabado de um escritor inconformista a quem devemos tanto da coragem das palavras e das ideias que elas nos dão como alimento.

Singela homenagem esta, a minha, mas aqui a deixo, recorrendo a um belíssimo texto de sua autoria que tem tanto a ver com tudo quanto por aqui se vai passando:


O Fim do Amor Trágico e Romântico?

Vivemos, de facto, numa época em que a noção de amor trágico e romântico, que herdámos do século dezanove, se tornou inactual, embora continue ainda a ser vivida por muitos - e até com o carácter de construção moral e estética - essa relação extremamente apaixonada, exigente e exclusiva. A reclamação da liberdade erótica não me parece que de algum modo tenda a degradar a vida, conquanto possa dessublimizá-la e do mesmo passo desmistificá-la, precisamente no propósito de a tornar mais lúcida e mais generosa. Afigura-se-me que na contestação de todas as prepotências firmadas em preconceitos, em princípios estabelecidos apriorísticamente, há sempre um nexo muito íntimo entre a reinvindicação da liberdade erótica, da liberdade no trabalho e da liberdade política. E, naturalmente, quando se dá uma explosão desta espécie, é como uma pedra que rola e que vai agregando uma série de materiais e descobrindo a sua própria composição até às zonas mais profundas da sua estrutura.

- Urbano Tavares Rodrigues, in "Ensaios de Escreviver".

A falta imensa que sempre nos fazem os espíritos lúcidos e esclarecidos...

«L'Agent» (o agente) - pequeno filme da Agent Provocateur criado e dirigido por Penelope Cruz


L'Agent by Agent Provocateur: Autumn Winter 2013 Campaign from L'Agent by Agent Provocateur on Vimeo.

«respostas a perguntas inexistentes (251)» - bagaço amarelo

É a hora do almoço e Dora não tem fome

Saiu da cama há apenas alguns minutos, depois de ter estado algumas horas naquele limbo delicioso que é vaguear entre o sono e a luz, espreguiçando-se espaçadamente como se fosse um gato sem preocupações. Por falar em gatos, o Kiko também só agora deu sinais de vida, miando desesperadamente ao pé da taça de comida vazia.
Ontem tiveram uma longa conversa os dois, Dora e o gato, que é o mesmo que dizer que ela passou toda a noite a falar consigo mesma, enquanto o felino ronronava fingindo compreensão. É motivo mais do que suficiente para ter inveja do Kiko, esta forma de viver cuja maior preocupação é o abastecimento da sua taça de comida. Quem lhe dera a ela conseguir preocupar-se apenas com o que se encontra dentro do seu frigorífico e da despensa. Não consegue, e por isso é que às vezes passa as noites em claro.
As conversas que tem com ela mesma são normalmente aquelas que não teve com quem era suposto. Nem quando era suposto. Ontem, por exemplo, teve um jantar silencioso com o marido. Nem sequer saber do que lhe queria falar, nem sequer sabe o que lhe queria ouvir. Sabe, no entanto, e com toda a certeza do mundo, que queria que as palavras de ambos se beijassem no ar. Não beijam.
É a hora do almoço e Dora não tem fome. Encosta-se à janela, de onde pode ver todo aquele formigueiro excitado que é Lisboa quando almoça. Pergunta-se quantas pessoas daquelas terão conversado com o seu Amor no jantar de ontem à noite. Não sabe a resposta. O gato também não.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»