Na tua boca cantou subitamente uma voz. E, ao dizeres
o meu nome na rede de um abraço, o rio que outrora
bordava o campo emudeceu com as suas pedras lisas.
Então, foi possível
ouvir o vento soprar nas asas das borboletas e os
lagartos recolherem-se nos veios dos muros e o sol
ferir-se nos espinhos das roseiras.
Sobre a colina quente passou uma nuvem
e uma ave poisou, perplexa, no fio do horizonte
-
por um instante, o dia mostrou as suas pálpebras tristes;
e, na brancura cega desse entardecer, a tua mão
escorregou pela inclinação do sol e veio contar as
sombras no meu decote.
São assim as mais pequenas histórias do mundo.
(de O Canto do Vento nos Ciprestes)
Maria do Rosário Pedreira
(Lisboa, 1959) é editora e escritora. Desempenha actualmente funções de editora na QuidNovi, depois de ter passado pela Temas & Debates e pela Gradiva. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, na variante de Estudos Franceses e Ingleses, pela Universidade de Lisboa em 1981, foi professora de Português e Francês durante cinco anos.
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
07 outubro 2013
06 outubro 2013
Dahhhh
Oh Senhor Doutor receite-me qualquer coisita para dormir que eu já não posso mais com a repetição diária daquele pesadelo nocturno.
Está a ver aquela esplanada próxima da pujante estátua do Cutileiro, não está?... Pois, começa sempre aí. Estamos sentados naquelas mesas pesadas de ferro com a esplanada a abarrotar de gente quando um enxame de meninas ciganas ou romenas, de alinhadas tranças loiras, nuazinhas e sem pêlos como nos postais eróticos do início do século XX, começa a distribuir beijinhos em troca de moedinhas reluzentes, zumbindo a valsa da Bela Adormecida.
Um dos meus afunilados sapatos cor de rosa salta em voo para o lago ao mesmo tempo que a respectiva perna se levanta para o pé tocar o fecho éclair fronteiro, subindo e descendo até a curva do pé se moldar perfeitamente na excrescência resultante. Os olhos dele sugam-me e reconstituo-me no seu colo , com a lycra das meias a rasgar pela fricção nas costas da cadeira e graças à discreta ajuda das mãos dele que engachadas nas minhas nádegas, as equilibram constantemente. Desço os meus lábios entreabertos, a pairar sobre os dele e como um camaleão apanho-lhe a ponta da língua que sorvo como a um bago de uva morangueira. Sinto a sua polpuda pele arroxeada bulir na minha como o volteio do vento numa folha. E enquanto o seu indicador esquerdo macera a minha bolota arrendondada, espremo-o, compassadamente, dentro de mim. Toda a gente está nua, apenas adornada de um filete preto como se resultássemos do risco de Crepax e copulam cadenciadamente exibindo a luminosidade dos corpos até que os empregados da casa, compostinhos nos seus laços sobre camisas engomadas aparecem diligentes a avisar que há fogo na cozinha e convém evacuar a área.
E aí acordo sobressaltada, Senhor Doutor e só me apetece dizer dahhhh... porque não é justo nunca ver o final do filme.
«Meteoro» - por Rui Felício
Corria o Natal de 1961, annus horribilis do Estado Novo, marcado pela perda de Goa uns dias antes, pela conspiração do quartel de Beja e pelos ataques dos angolanos em Luanda.
Os cientistas não tinham dúvidas!
A tenebrosa notícia era difundida ininterruptamente, entremeada com música clássica, pela televisão e pela rádio, fundamentada com cálculos matemáticos indiscutíveis. Salazar, com ar pungente, falou ao País, recomendando ao grande povo português que soubesse comportar-se com dignidade na hora da tragédia, porque a Pátria saberia renascer das cinzas, mesmo que ficasse orgulhosamente só no mundo, porque este era o castigo divino para aqueles que nos atacavam.
Um meteoro de enormes dimensões iria romper a atmosfera terrestre naquela noite. A energia do choque seria mais de um milhão de vezes superior à que libertara a bomba de Hiroshima! Sabia-se com exactidão o ponto onde ocorreria o impacto, perto do apeadeiro de São José, em Coimbra e era certa a destruição total do planeta Terra. Não havia forma de lhe escapar. Seria indiferente mudar de uma cidade para outra, de um país para outro. Era o apocalipse, o fim do mundo, tal como Nostradamus previra.
Interpretei o calor abafado que estranhamente me inundava o corpo naquela noite fria de Dezembro, como efeito da lenta aproximação incandescente do meteoro, depois da sua entrada elíptica nas altas camadas da atmosfera. A multidão em pânico olhava a bola luminosa que, a cada minuto, ia aumentando de diâmetro no breu da noite.
Ao meu lado, na rua, aquela bonita rapariga que eu só conhecia de uns fugazes encontros nos bailes do Clube Recreativo do Calhabé, tremia de medo sem saber o que fazer, tal como todos nós. Não havia mais do que um superficial conhecimento entre mim e a Ângela, por termos dançado duas ou três vezes, mas a aflição daquele momento aproximava-nos, impelia-nos um para o outro.
Olhámo-nos. Sem necessidade de quaisquer palavras, decidimos aproveitar os últimos momentos de vida. Beijámo-nos longamente, indiferentes aos gritos aterrorizados da multidão. À espera do fim próximo que o calor cada vez mais intenso prenunciava, queimando-nos os corpos, o beijo catalisava as profundezas de todos os sentidos...
Subitamente, acordei sobressaltado, exausto, com o coração a bater desenfreado. Espreitei pelas persianas do meu quarto, e em vez do imaginado cenário de destruição, vi o verde das árvores dos quintais do bairro e a calmaria de um bonito sol de inverno, rebrilhando no orvalho das plantas e das flores . Afinal tudo não passara de um sonho!
Vesti-me à pressa, corri à Fonte da Cheira e bati à porta da Ângela que a abriu sorridente, pegando-me delicadamente na mão. Por algum efeito telepático, também ela, como eu, tinha sonhado com o hipotético meteoro. Também ela tinha sentido o mesmo calor abrasador que eu senti...
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
Postalinho do Vasco Berardo
"Especialmente para ti, fotografei estas duas obras do Vasco Berardo.
Sempre satírico, o Vasco, por vezes delicia-nos com estes pormenores.
A escultura esá no jardim e lembro-me que, quando do casamento do filho, a sogra teve o cuidado de a esconder, com arbustos!
Beijinho"
Daisy
Sempre satírico, o Vasco, por vezes delicia-nos com estes pormenores.
A escultura esá no jardim e lembro-me que, quando do casamento do filho, a sogra teve o cuidado de a esconder, com arbustos!
Beijinho"
Daisy
05 outubro 2013
«Chocolate» - João
"Dois anos volvidos desde que te disse que me ia vir dentro de ti, e de tu me teres pedido «por favor, por favor vem-te dentro de mim». Dois anos volvidos desde que me disseste um adeus sem o dizer, e eu coleccionando memórias e suspiros. Dias e dias, semanas seguidas, todos estes meses a pensar o que seria de ti. Se pensavas em mim. Se havia amor, se havia indiferença, se havia alguma coisa à qual se pudesse dar um nome e a partir dela criar uma ponte. E havia já desânimo. Uma tentativa forçada de aceitar que não te veria de novo, que o mundo seria para nós uma espécie de universos paralelos, onde apenas por acaso (feliz para mim) me cruzaria contigo. Onde só mesmo por acaso estaríamos no mesmo local a tomar um pequeno-almoço, ou de copo na mão num qualquer final de tarde.
E assim, de repente, sem aviso, entro no meu gabinete, dispo o casaco que penduro, e ao sentar-me encontro, perto do teclado, uma pequena caixa de encomenda postal. Sem remetente. Mas a letra fez-me endireitar em surpresa. Apressado, mas seguro, abri a caixa e encontrei no seu interior uma única coisa. Um chocolate. Um chocolate que apenas nós sabiamos o valor que tinha. E tu sempre me havias dito que quando me quisesses transmitir que estavas de coração aberto, que querias estar comigo, era esse o chocolate que eu veria, de algum modo, em algum sítio. E eu havia esperado tanto por ele. E achado que já não o veria. E agora estava ali, à minha frente. E fez-me recuar à ansiedade de teenager, quase à vontade de pular e gritar «ela quer! ela quer!».
Saltei em direcção ao bengaleiro. Voltei a vestir o casaco. E nem sequer tive tempo de ouvir a porta bater atrás de mim."
João
Geografia das Curvas
E assim, de repente, sem aviso, entro no meu gabinete, dispo o casaco que penduro, e ao sentar-me encontro, perto do teclado, uma pequena caixa de encomenda postal. Sem remetente. Mas a letra fez-me endireitar em surpresa. Apressado, mas seguro, abri a caixa e encontrei no seu interior uma única coisa. Um chocolate. Um chocolate que apenas nós sabiamos o valor que tinha. E tu sempre me havias dito que quando me quisesses transmitir que estavas de coração aberto, que querias estar comigo, era esse o chocolate que eu veria, de algum modo, em algum sítio. E eu havia esperado tanto por ele. E achado que já não o veria. E agora estava ali, à minha frente. E fez-me recuar à ansiedade de teenager, quase à vontade de pular e gritar «ela quer! ela quer!».
Saltei em direcção ao bengaleiro. Voltei a vestir o casaco. E nem sequer tive tempo de ouvir a porta bater atrás de mim."
João
Geografia das Curvas
Revistas da colecção - 6
Mais revistas da minha colecção.
Lote de pequenas revistas portuguesas (formato de bolso) de banda desenhada pornográfica, dos anos 70 e 80 | 46 |
Lote de pequenas revistas de humor portuguesas (formato de bolso) com algumas anedotas e imagens eróticas, dos anos 70 e 80. Inclui diversos exemplares das revistas Bomba H, o Cara Alegre, Selecções Can Can, Riso Mundial, o Pacote, a Rata, etc. | 28 |
Lote de pequenos livros de contos pornográficos portugueses dos anos 70 e 80 | 4 |
Genoveva, a rectoactiva
"Genoveva. É uma das irmãs desavindas da Família irReal (há mais para além dela... e há quem lhe chame doida-varrida mas ela nunca pegou numa vassoura). É politicamente esclarecida e economicamente conhecedora da realidade do país. Ouviu o Primeiro-Ministro no Parlamento dizer que não "coiso" (tipo... cortar) nas pensões e tal... E Genoveva decidiu dar a sua opinião (e não só) sobre o assunto."
Família irReal
Família irReal
04 outubro 2013
A revolução interior
Os meus genitais prezam tanto a sua liberdade de movimento que exigem maior quota de nudez e só toleram que eu use boxers.
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