03 dezembro 2017

«pensamentos catatónicos (345)» - bagaço amarelo

o voo dum albatroz

Acho que é a recordação mais antiga que tenho de suspirar de Amor por uma mulher. A Joana usava tranças e tinha um vestido azul, eu tinha uma fisga de madeira feita pelo meu avô e um estojo com vinte e quatro canetas Molin de cor em cima da carteira da escola. A professora mandara-nos ilustrar um texto e ela virou-se para trás, na minha direcção, e perguntou-me se podia usar o meu amarelo. Corei, talvez demais, e emprestei-lhe todos os seis amarelos que tinha no estojo, do mais claro ao mais escuro e um muito específico a que chamávamos amarelo torrado.
O meu desenho era composto por várias casas, uma cobra, uma girafa, alguns automóveis e crianças a jogar à bola. Usei todas as cores para o pintar menos esses amarelos, apenas pela falta de coragem de lhos pedir de volta. Acho, por isso, que é também a recordação mais antiga que tenho de uma mulher me achar parvo.
No fim do dia, às seis e um quarto da tarde, a campainha tocou e ela devolveu-me as seis canetas. Agradeceu-me e deu-me um beijo na bochecha. Saí a correr pela sala e só parei quando cheguei a casa ainda eufórico. Não sei explicar porquê, mas creio que foi por causa do sonho. Todas as noites antes dessa eu sonhara com a Joana. Continuei a fazê-lo nas noites que se seguiram. Infelizmente, os pais dela compraram-lhe um estojo com trinta e seis canetas e ela nunca mais precisou de mim.
Mais tarde, já adulto e com mais paixões sofridas, em que entretanto o sexo também se metera como um intruso embriagado, percebi-me nessa infância. O Amor que sentimos não é aquele com que nos deitamos, mas sim aquele com que acordamos. Depois do sonho, quero eu dizer.
Os dias bons e os dias maus são sempre um estímulo para nos sentirmos apaixonados, nem que seja de forma tão efémera como o voo duma borboleta tonta. Ou porque queremos aproveitar os bons ou porque precisamos desesperadamente de atenuar os maus. Já o Amor que sentimos ao acordar, depois de ter tido a oportunidade de sonhar, é aquele que pode transformar um voo de borboleta num voo de albatroz. Mais longo, mais decidido, mais forte.
Foi na primeira manhã em que acordei com a Márcia que me assaltou esta realidade. Depois duma noite de uísque, cerveja, beijos e sexo passáramos directamente para o sonho, até às primeiras lâminas da luz do Sol nos cortarem essa paz.

- Ainda aqui estás? - Perguntou.
- Não é suposto estar?
- Não. Devias ter saído durante a noite...

Vesti a roupa que se espalhara pelo quarto como um explosivo fogo de artifício e saí como um foguete queimado. Já na rua, estava a contar as moedas para perceber se podia beber um galão e comer uma torrada na pastelaria mais próxima quando ela veio à janela.

- Desculpa.

Não respondi.
Porque a vida não espera, o Amor também não. A Irina queria escrever qualquer coisa e pediu-me uma caneta emprestada, já a minha torrada se transformara em migalhas. Fiquei a vê-la, na mesa ao lado, a transcrever apontamentos entre guardanapos e um caderno pequeno. Quis-me ir embora, mas não tive coragem de lhe pedir a caneta de volta, por isso esperei pacientemente que ela terminasse a escrita.
Só ma devolveu uma hora depois, agradecendo-me o gesto. Lembrei-me do beijo que a Joana me dera na bochecha muitos anos antes e que ali parecia faltar, por isso ganhei coragem e convidei-a para jantar. Quando dormimos juntos pela primeira vez, uns dias depois, ela resistiu aos meus avanços nocturnos até o sono me derrotar. De manhã, depois do sono e do sonho, ela ainda lá estava.
O nosso Amor foi o voo dum albatroz.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Êxtase


Fiz a catequese toda de fio e pavio e como todos os outros lá levei com a banalização da cópula naquela história do Adão e Eva que afincadamente vincava o lado animal da coisa personificado na marota da serpente. Depois ainda me encheram os ouvidos com mais uma banalização do acto, mas desta vez sacralizando-o na Virgem Maria que através do Anjo Gabriel concebeu sem pecado.

E confesso que me sinto feita num molho de brócolos porque não me quero vulgarizar como uma qualquer princesa de história de encantar e conceder ao coito o estatuto de passe social para viver feliz para sempre. Prezo muito a minha sanita que nas horas de aflição dá vazão aos movimentos instintivos para atingir o divinal prazer do alívio. Sou uma aficionada da gastronomia tanto por me saciar a fome como para praticar os rituais de deleite com as iguarias. E à escrita entrego-me com o primitivo instinto de comunicar e a paixão sagrada de fazer nascer com as minhas mãos e o meu corpo todo algo diferente de mim. O meu êxtase é olhar em redor e absorver até à última espinha.

Era uma vez...

Acham sempre que vou virar um príncipe e contentar-me com "amor e uma cabana". Mas serei sempre um Patife que só quer "humor e uma sacana".

Patife
@FF_Patife no Twitter

02 dezembro 2017

«deita-te a meu lado» - Susana Duarte

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência. diz-me
onde residem


os poemas, e revela-me a luz de outrora.

deita-te nos meus braços,
e fala-me da saudade. diz-me
onde reside a sede, e a fome,

e a vontade de ser abraço, poema
inscrito num braço,
que me prende e segura. conta-me
dos dias sonoros,
e da velocidade dos movimentos
dos dedos, quando, maravilhados,
inscreveram em si próprios
o poema. deita-te a meu lado,
e reencontra, no corpo que se arqueia,

as palavras que procuras.

e fica. fica a meu lado,
e revela-me as ondas da paixão,

os olhares que desnudam, e a alegria
de se ser
onde o poema se inscreve

na carne.

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência.

Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
Facebook

Representações simbólicas da vulva no Paleolítico


Fichas de bordel do Império Romano?

Réplicas de 16 «Tesseras» ou «Spintrias» (spintria - prostituto, em latim), moedas ou fichas cuja utilização é desconhecida e sujeita a especulação.
Frente - casais em várias posições sexuais; verso - número romano (I a XVI). Alguns historiadores ligam estas fichas a um bordel, outros a um jogo, outros ainda a fichas de orientação num anfiteatro,…
Já tinha na colecção uma série incompleta (9 fichas) mas agora tenho mais esta, que está completa.




A colecção de arte erótica «a funda São» tem:
> 1.900 livros das temáticas do erotismo e da sexualidade, desde o ano de 1664 até aos nossos dias;
> 4.000 objectos diversos (quadros a óleo e acrílico, desenhos originais, gravuras, jogos, mecanismos e segredos, brinquedos, publicidade, artesanato, peças de design, selos, moedas, postais, calendários, antiguidades, estatuetas em diversos materiais e de diversas proveniências, etc.);
> muitas ideias para actividades complementares, loja e merchandising...

... procura parceiro [M/F]

Quem quiser investir neste projecto, pode contactar-me.

Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)

A voz da experiência

Crica para veres toda a história
Olho cor de rosa


1 página

01 dezembro 2017

Postalinho das Caldas... digo, de Lagos

"Este parece das Caldas mas é de Lagos..."
Joyce Craveiro



«À noite» - Mário Lima


Olhavas para os homens com altivez. Sentias-te digna de um príncipe. Eras linda, todos reparavam em ti, mas tu seguias sem um olhar, sem dares uma réstia de esperança para aqueles corações apaixonados que tentavam a todo o custo que te apercebesses que eles existiam, que tinham amor para dar, que sonhavam um futuro junto a ti.

Mas tu nada! Vivias um sonho, sonho que transportavas para todo o teu ser. Não serias de ninguém, ninguém era digno de te tocar, eras inatingível.

À noite, quando te despias, sentias o teu ser vibrando como algo invisível tomasse conta dele. Tocavas no teu corpo, os teus dedos deslizavam sentindo cada linha do teu rosto, do teu peito, do teu sexo. Fechavas os olhos, e estremecias como se alguém ali estivesse contigo. Era alguém sem rosto, era um corpo indefinido, era um prazer sentido, eras tu dentro de ti, possuías-te a ti própria.

E os anos foram passando! A rosa em ti, como folha de árvore, foi murchando. Da Primavera passaste ao Outono. Mesmo assim, não houve homem que não tentasse, que não te quisesse, que não se oferecesse para fazer parte da tua vida. Mas a tua folha ficava no ramo mais alto e ninguém conseguia lá chegar. Foram desistindo pelo caminho e tu sempre à espera do príncipe que nunca veio.

Hoje, que o Inverno em ti se faz sentir, à noite - ah, a noite!... Quantos sonhos perdidos na escuridão dos sentidos, quando te despes, o teu ser já não vibra, as tuas mãos, outrora belas, sentem as rugas do teu rosto, do teu peito e já nenhum corpo se vem juntar ao teu. Do corpo viçoso só resta a lembrança.

Deixaste fugir o tempo e hoje, na solidão do teu quarto, olhas pela janela vazia da tua existência!

Espera-se uma vida inteira por algo diferente e parte-se desta vida sem o encontrar.

Mário Lima
Blog O sonhador

#gordismo - Ruim





Isso de dizerem "vou sair hoje e sacar uma dez anos mais nova", mesmo a brincar, deixa a sua marca. A mulher é muito sensível à questão da idade e não ganham nada com isso. Ela não vai ficar mais nova, certo?
Digam antes "vou sair hoje e sacar uma dez kilos mais magra", a ver se a gorda não começa logo a fechar a boca à hora da refeição.

Ruim
no facebook

30 novembro 2017

«Reconhecimento» - Porta dos Fundos

O passado não morre

Havia entre nós uma fachada que nos fazia sentir confortáveis... e ansiosos. Enquanto falavas com outros punhas o braço em redor do meu peito com tanta espontaneidade que transparecia ao mundo o laço que tínhamos. Mas nem nós sabíamos o que era.
Enchias-me de beijos do pescoço à barriga, dizias que eu tinha o peito perfeito e que me desejavas e depressa mudávamos de conversa.  Um dia abriste-me uma camisa de uma vez só, porque querias apenas ver, na verdade o teu limite era ver e tocar por cima de um leve tecido, neguei-te aquilo que sabias que podias.
Enquanto abotoava a camisa disseste: "Não sei qual é o teu medo..." Fingi que não ouvi.
Durante 20 anos simulámos todo o kamasutra vestidos e com a capa da amizade intocável e perfeita... Continuas igual ...