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«Seximorfoses»
2000. Desenho original da colecção de
arte erótica «a funda São» |
Mil vezes me apaixonei, mas apenas três amei verdadeiramente.
A paixão surge inesperada, quase violenta, irracional, sem conceder tempo a amadurecer e estabilizar o sentimento que lhe subjaz.
O amor é o diamante que o fogo da paixão não consumiu , depois desta se esvair em chamas.
O amor, quando existe, incombustível, perdura ao longo dos tempos, lapidado ou não, inesquecível para todo o sempre.
O ciúme, essa verdadeira doença, é comum à paixão e ao amor, mas vai esfriando com a solidificação da confiança.
Estou a passar por um momento em que ainda não sou capaz de aquilatar se o que sinto é paixão fugaz ou se já é amor duradouro.
O que sei é que o ciúme me morde, me deixa inquieto, inseguro, doente...
Hoje, como tem acontecido desde há uns tempos, voltei a beber a bica na esplanada do Café Central no centro da Ericeira. Como sempre, sentei-me no canto mais próximo da porta, ao lado dela, onde já estava, esperando a minha vinda...
Sorri-lhe. Pedi-lhe que me guardasse o Diário de Noticias que tinha acabado de comprar na tabacaria do outro lado do largo.
Simpática como sempre, permitiu que lhe colocasse o jornal no colo.
Ao fazê-lo, rocei a mão no seu braço sentindo uma intimidade que ambos disfarçávamos tentando ocultá-la dos olhares do Mário Lino que nos observava, acabado de chegar como quase todos os dias acontece àquela hora.
Cumprimentou-me, dissemos umas quantas banalidades sobre o tempo e ele perguntou-me delicadamente se eu não me importava que ele se sentasse ao colo dela, visto que a esplanada estava cheia.
Apanhado pela inesperada pergunta, só me ocorreu dizer-lhe:
- Desde que ela não se importe, murmurei...
Mais de ouvir do que falar, ela pareceu assentir, ajeitar-se e ele sentou-se ao colo dela, agradecendo-me.
Estupefacto, recolhi o jornal que o Mário Lino me devolveu, roído de ciúmes por causa daquela elegante, bonita, limpa e arejada cadeira de alumínio que tem povoado os meus sonhos...
Rui Felício
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