Todos os dias ia à biblioteca e era sempre o primeiro a chegar. Requisitava um livro de poesia e sentava-se virado para a entrada. Mal a porta se abria, descolava disfarçadamente os olhos das palavras, observando quem chegava. Se não fosse uma mulher, voltava ao livro em menos de um segundo; se fosse, os olhos seguiam-na atentamente, na estéril tentativa de lhe ler a alma. Passou anos a fio nisto, entre poemas e sonhos, à espera da mulher da sua vida.
Um dia, tinha acabado de voltar da cafetaria onde engolira à pressa o rissol e o galão do costume, ela entrou. Ele não conseguia afastar os olhos daquela figura esbelta que distribuía ao mundo um sorriso sublime. Coincidência ou destino, ela sentou-se mesmo à frente dele. Foi aí que reparou: tinham pedido a mesma antologia poética. Tossiu secamente duas vezes. Ela ergueu cabeça, e ele arregalou os olhos para o livro dela, enquanto o indicador batia repetidamente na capa do seu. Ela sorriu, desta vez só para ele, e uma felicidade desmedida fê-lo tremer até aos ossos.
Não conseguiu ler nem mais um verso. Passou o tempo a rever mental e freneticamente tudo o que tinha planeado para tão ansiada ocasião: a pose, os gestos, as frases, o tom... Até à hora do fecho, os olhares cruzaram-se uma boa dúzia de vezes, tantas quantas ela lhe sorriu e ele corou violentamente, desviando a cara para o infinito, num infrutífero esforço de se mostrar alheio à omnipresença dela.
Quando a deusa saiu, seguiu-a. Já na rua, momentos antes de lhe falar, ainda compôs um pensamento eloquente em forma de quadra popular de métrica duvidosa:
Dou graças a cada instante
À espera na biblioteca.
O dia está cintilante,
E a vida já não é uma seca.
Nem queria acreditar. Tinha encontrado a mulher da sua vida. Ela estava ali, a três metros. Avançou, emocionado e decidido, longe de imaginar que a perderia poucos minutos depois. Na realidade, não teve prosa para ela.
Fernando Gomes