17 abril 2011

«Laços sagrados» - por Rui Felício


Ia trémula, bela, elegante, de vestido branco. Tentava disfarçar o sal de uma lágrima furtiva com um meio sorriso indefinível.
A Filipa tinha demorado muito a decidir-se! Ela bem sabia que era um passo daqueles que marcam uma vida, mas agora, vencidas todas as indecisões, caminhava lentamente pela ampla e infindável álea, em passadas cadenciadas, nervosa mas resoluta. Nada a faria recuar!
Apoiava-se no braço do pai, de cabelos grisalhos, elegantemente vestido, que a conduzia e lhe incutia confiança, apertando-lhe firme e suavemente a mão para lhe dar força.
Todos os olhares se dirigiam para ela, acompanhando-a, admirando-lhe o rosto tenso, emocionado, de uma profunda beleza. Ouviam-se comentários sussurrados à sua passagem.
Quando a Filipa viu o José ao fundo do corredor, de fato azul escuro e gravata cinzenta, irrepreensivelmente penteado, à espera que ela se aproximasse, o coração acelerou e chegou a pensar, no último momento, libertar-se do braço do pai e fugir, mas reconheceu que isso seria uma infantilidade. Agora que tudo já estava decidido!
De resto, a Deolinda, sua grande amiga e confidente, tinha-lhe dito que no principio ela ia achar estranha essa radical mudança de vida, mas que depressa se habituaria.
A silhueta elegante daquele belo homem que a aguardava, fazia-lhe disparar os pensamentos mais confusos. Foi àquele homem que dera o seu primeiro beijo, foi com ele que passara momentos de enorme felicidade, de quem foi amiga, namorada, amante, e com quem, pela primeira vez, experimentara os prazeres do amor e da paixão.
Tiveram os seus pequenos arrufos, como qualquer casal de namorados. Por vezes discutiam, é certo, mas diziam-lhe que isso era normal.
O pai libertou-se suavemente do seu braço, beijou-a com ternura e desejou-lhe a maior sorte do mundo na vida que agora iria iniciar, deixando-a ao lado do José.
Ficaram ambos de pé, hirtos, tensos, silenciosos, em frente ao Juiz que os aguardava para decretar o divórcio previamente negociado. Lá fora, a Deolinda esperava pelo José...

Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações

Poema dos condenados

Quando sinto a mão na garganta, durante a noite,
será que vou morrer?
Quando sinto, durante a tarde, a visão enturvecer,
será que vou cegar?
Quando sinto, durante a manhã, o zumbido nos ouvidos,
será que vou ensurdecer?
Nunca sei bem o que perguntar,
que perguntas farão os que se perguntam condenados?
E todas as outras formas das mil e cem mortes possíveis
estranhas, incoerentes, coreografias inverosímeis
mostram-se e dançam à minha volta,
mais uma pergunta é menos uma resposta
e tocam o corpo meu ou corpos alheios
num conforto incompleto de uma mãe sem os seios
num revolver de frios dedos no interior do ventre,
por onde quer que me entre,
lembra-me que eu posso morrer fechada
ou livre de mim e de mim esquecida
lembra-me que ainda estou viva,
tão viva que, se tudo me pode doer,
estou tão viva que tudo e um nada posso sentir;
então não largo, nunca deixo a morte fugir
e ficaria eternamente neste quase adormecer.
Este é o poema de nós todos
nesta morte constante, lenta, que, afinal, é viver.


Afinal havia outro!

crica para visitares a página John & John de d!o

16 abril 2011

Os putos e a bisca

Balanço

Hoje vou dançar contigo
Ao som da nostalgia
Em passinhos cheios
De lentidão e calma
Ao som de recordações
Que me enlevam
E me fazem rodopiar
Em alegria e entusiasmo
Loucura do teu balanceio
Nas ondas dos teus braços
Nos beijos das tuas marés
Empolgamo-nos em amor
Na música sublime
Que nos cobre e nos transporta
A outra galáxia
Trovejando a paixão
No embalo de um abraço.


Poesia de Paula Raposo

Assim sim, vale a pena ver televisão!

15 abril 2011

Força de elite

Se quiserem ameaçar a felicidade que afirmas, faz peito, abre-lhes o coração de par em par, prova-lhes que não desaprendeste de amar e com isso derrota qualquer manifestação do mal com a força que afinal reconheces nesse peito que desguarneces sem medo dos que conspiram em segredo contra tudo aquilo que os hostiliza porque jamais o conseguirão entender.

«Axe Bullet»

Emboscada

Só cá estou eu... e os meus fantasmas
e eles afastam-se pacientes
certos de que lhes somarei a minha alma
certos de que vou morrer nos devaneios
das tuas ancas
mas quando as ondas enroladas pela fúria
do teu corpo me trespassam
quando já sei que vou morrer emboscada
rendida entre ti e as tuas grades
quando solto o último grito, o grito
que me entrega o corpo desfeito, batido,
ao repouso da terra feita de grãos de paz
os teus braços continuam ternos
separaram-se da fúria do teu reino de pele
movem-se sozinhos e puxam-me, salvam-me,
contra ti, rendes-te e chamas a armadilha do sono
para que me guarde quando baixas as armas.
Só cá estou eu... tu e os meus fantasmas.


Artigo (de capa!) da revista C nº 11




Revista C