31 julho 2011

«Salve, V!» - campanha da Summer's Eve



Esta campanha gerou muita polémica.

A Rapariga Vulgar (VII)

(A beleza da meia luz entorpece a banalização das colunas, nunca deveriam existir colunas aqui, onde o estrondo do rosa agudo se faz sentir no verde desmaiado, dois estabelecimentos lado a lado sem qualquer consideração pela harmonia, os seus néons magoam os sentidos de quem passa; magoa-me que tratem as calçadas, a meia luz, as colunas, os semblantes de quem passa, assim. Mais acima, os CTT são um eco vermelho do estrondo de mil garrafas em queda num contentor; roubam-nos a estética, a beleza, o silêncio, também ninguém os quer, somos todos muito feios. "Precariedade não é futuro", assegura-nos o branco sujo, desconfortável, do cartaz; quando se tornou o desconforto assegurador? O castanho baço do cabelo de uma rapariga, no que se assemelha a uma bicicleta sem rodas, confirma: não é futuro, não é futuro, não é futuro! Não há tom mais tom do futuro que o castanho baço. O futuro é o feio, o feio que entra pelos olhos enquanto um homem feio grita pelo feio cão. O feio corta a toda a volta; à noite, todas as noites, das linhas do passeio, varre-se o presente.)


Magoa-me, magoa-me, magoa-me, magoo-me, sim, sou eu. Ontem, queimei-me, acidentalmente, o borrão aceso do cigarro caiu-me numa perna e fiquei a ver aquela dor incandescente, tão mais bonita, tão atroz, tão perfeita e forte e viva e nítida que me apaixonei por ela e esqueci-me das outras. Mas depois foi-se, acabou-se, a beleza é beleza pela sua brevidade atroz, toda a dor que é beleza lhe copia a atrocidade e exige alimento ou esvai-se. Talvez se aquela rapariga, aquela que vejo no passeio, aquela que anda em círculos sem se aperceber - todas as pessoas marcadas pela dor que deixam entrar pelos olhos andam em círculos - talvez se aquela rapariga me magoar, talvez consiga acordar mais um pouco dessa dor de ontem em mim, mais um pouco dessa dor que apaga a outra. Ela entende do que lhe falo, ela entende, eu sei, ela entende porque tem lágrimas de gelo; as lágrimas de gelo são as lágrimas últimas, as que nos cortam para nos avisar que vamos ficar sem lágrimas, para nos avisar que os olhos vão ficar cheios dos restos mortais do coração; são, nos seus impiedosos golpes, o último aviso, a última esperança de redenção; a cara vai ficando marcada desses sulcos cortados pelo gelo; depois de secos, os sulcos, são como fossas na terra, muito feias, onde a água já não passa, fantasmas de rios, lembranças do abandono das carícias suaves de um leito azul. Ela sabe do que falo, a rapariga vulgar, e já a tenho cativa, mostrei-lhe a sua dor nos meus bolsos, estendeu as mãos para receber mais um pouco do que lhe dói, do que lhe dói tanto quando tem como quando lhe falta, abri a porta do carro e deixei-a entrar, temos muita dor para oferecer um ao outro.

«A prova» - por Rui Felício


Miguel Azevedo, produtor e grande conhecedor de vinhos, entrou naquele requintado restaurante de Lisboa, foi acompanhado à mesa pelo Chef de Sala, leu a carta e encomendou um tornedó mal passado, guarnecido com legumes salteados e esparregado. Pediu um Pegos Claros, reserva tinto, colheita de 1982.
Instantes depois, o escanção dirigiu-se à mesa com o vinho já depositado num decantador. Com extremo cuidado e aparato profissional, verteu uma pequena quantidade no copo e esperou que o cliente o provasse.
O Miguel Azevedo agitou o copo em lentos movimentos elípticos, chegou-o aos lábios, saboreou, quase mastigou o néctar, repetiu mais umas duas vezes o cerimonial, chegou o copo ao nariz, aspirou o aroma vínico, fitou o empregado e sentenciou:
- Este vinho é de facto de 1982, mas não é Pegos Claros!
O escanção ganhou coragem e atreveu-se a contradizer o cliente. Que sim, que era realmente um reserva tinto Pegos Claros de 1982.
Que não, insistia o Miguel Azevedo, com ar contrariado. O Chef aproximou-se e polidamente garantiu que realmente aquele vinho era Pegos Claros.
- Sabe, meu caro? Quem produziu este vinho fui eu e asseguro-lhe que não é Pegos Claros. É Pegões!, sentenciou o Miguel Azevedo…
O escanção interveio:
- Perdoe-me V. Exª, eu conheço bem a região onde se produzem estes vinhos. Pegões e Pegos Claros são duas vinhas de iguais castas, situadas a não mais do que 500 metros uma da outra, tratadas da mesma maneira, as uvas são colhidas, preparadas e pisadas na mesma Adega, segundo os mesmos métodos. Como pode V.Exª ter tanta certeza de que este vinho não é Pegos Claros. Na verdade, tudo indica que ambos sejam exactamente iguais.
- Mas não são!, disse o Miguel Azevedo.
E, em voz sussurrada, aconselhou o escanção:
- Faça a seguinte experiência: quando chegar a casa peça à sua namorada que se dispa completamente. Aprecie os orifícios mais próximos do seu corpo. Cheire-os, deguste-os e compreenderá que, apesar da proximidade geográfica, têm aromas e sabores diferentes e completamente distintos…

Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações

Há-de sempre faltar algo à coisa

crica para visitares a página John & John de d!o

30 julho 2011

«S. O. S. Brunet»

Ficção de Betse de Paula - 1988 - 18 min

França tem Bardot e o Brasil tem Brunet!
Nos anos 80, jornalistas encararam emocionante desafio: entrevistar a musa da Playboy. Só que ficam presos no elevador! Quem poderá salvá-los?



Link directo para o filme aqui.

Secção masculina do refúgio



Foto: Shark

Inesgotável

Falar de amor
é inesgotável:
sabes a maresia
e o teu cheiro é sal;
as palavras podem ser
o que nós quisermos.
Eu quero que as palavras
cheirem a ti
e que o teu sabor de maresia
se eleve no horizonte;
para tanto bastando
- no poente -
um doce murmúrio.

Poesia de Paula Raposo

«Adult XXX Superstars»

Já comprei estas bonecas, nos Estados Unidos da América, há alguns anos.
Como estive em arrumações, levei-as a passear até ao jardim e fotografei-as. Elas adoraram.

29 julho 2011

A piroca pergunta

Será normal eu, pila, de vez em quando ter ciúmes da boca do coiso agarrado a mim? E será legítimo algum receio de um dia me ver substituída por ela na minha função principal?

Dança dos homens nus

A prostituta azul (XIV) - Reino da Hipotermia

Ainda bem que Ele me deu dedos frios. Quanto mais frios os meus dedos, mais prazer me dá tocar o calor do Mundo, e mais consigo tocar-lhe o frio, percorrê-lo e conhecê-lo lentamente sem que a dor gelada me faça retirar a mão.
Ainda bem que a minha pele é fria, fria, tão fria que posso abraçar o homem de gelo; fria, tão fria, que, se abraço o homem de gelo, ele se julga quente; fria, tão fria que o homem de gelo se pode sentir capaz de me aquecer. Ainda bem que Ele entregou o meu corpo ao Reino da hipotermia; todos os dias, o meu despertar é um arrefecimento, o frio sente-nos iguais e não me sabe ferir, o calor vem beijar a minha pele que não tem poros, que não sabe respirar e não sabe deixá-lo entrar. Ainda bem que Ele me deu dedos frios, cada ténue raio de Sol, cada pequeno grau no âmago do gelo, me pode confortar.

Tudo o que você sempre quis...

Só que ao contrário.



A vida não é fácil, companheiro.

Capinaremos.com

28 julho 2011

E os homens também.

Sentado na esplanada, B. vê A. caminhando com ar perdido e acena-lhe para o chamar. A. retribui o aceno com aparente dificuldade e caminha lentamente na direcção do amigo. Sem falar, puxa uma cadeira, deixa-se cair como se tivesse sido baleado naquele momento e fica aparvalhado a olhar para o horizonte, no caso a fachada em ruínas de um prédio do outro lado da rua. B. que lhe conhece os exagerados gestos teatrais a pedirem tortuosas explicações, bebe metade da imperial, agarra meia dúzia de tremoços para ir debulhando como pipocas no cinema e pergunta sem preâmbulos:
– Então, o que foi agora?
A., suspira ruidosamente recuperando vitalidade (mas pouca), estica o braço para colher uma mão cheia de sementes amarelas demolhadas em água e sal, ergue um dedo a pedir uma imperial, ergue outro a pedido de B., espera que o empregado lhe veja os dois dedos no ar e, quando isso acontece, aponta para o copo quase vazio de B.
– Ó pá... – A. interrompe-se para descascar e comer um tremoço, numa sucessão perfeita de movimentos mínimos mas absolutamente eficazes, e, depois de deglutida a semente cozida, continua com ar sofrido: – Não me digas nada... não me digas nada.
B. bebe o resto da cerveja, pensa como era bom se isso resultasse e murmura:
– Se eu não disser nada tu também não dizes?
– O quê?! Estás a rezar ou quê?
– Não. Estava a pensar numa coisa.
– Ah... Quem me dera ser assim, a poder pensar noutras coisas, a poder estar sentado como tu, despreocupadamente, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços...
– Pois é... – B. mantém-se sério. – Ás vezes, as pessoas nem percebem a sorte que têm em poder estar assim, sentados, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços... Aliás,...
A. concorda movendo a cabeça em câmara-lenta, com o ar cómico de quem vai desfalecer se continuar a concordar com tanto empenho.
B. olha-o, percebe que A. não o ouve e só espera que ele se cale para desfiar as suas últimas e insuperáveis tragédias, e conclui:
– Aliás, parece-me que há pessoas que mesmo quando estão sentadas numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços não sabem que aí estão e que, se depois lhes perguntarem, negam ou então dizem que só lá estiveram por absoluto altruísmo para acompanhar um amigo, só por isso, e só beberam uma imperial e comeram um tremoço por solidariedade e com muito esforço.
– Pois é... – A cabeça de A. continua a pender e a subir e a pender e a subir como se tivesse ganho autonomia. – Ó pá mas tu nem sabes o que me aconteceu...
– Mas vou saber.
– As gajas são todas iguais. Não há uma que se aproveite.
– Essa é que é uma grande verdade – intromete-se o empregado, que pousa as duas imperiais e, agarrando no copo vazio, declara enfático, antes de se afastar: – Leiam os meus lábios: Ne-nhu-ma! Nem uma, amigos!
B. não comenta, agarra no copo cheio e dá dois goles. A. agarra no seu copo e acompanha-o, depois, a cabeça, logo que a boca se vê livre do copo, volta por motu próprio ao anterior movimento pendular e, por fim, diz:
– É que quando querem alguma coisa de um gajo – "Mas alguém quer alguma coisa de ti?" admira-se o amigo –, não o largam, andam atrás, não descolam, e isto e aquilo, e que torna e que deixa e ronhonhó...
– E re-béu-béu pardais ao ninho...
– Pois é – anui A., pondo na boca todos os tremoços que tem na mão, sem os descascar, uns sete ou oito, que come de boca aberta ante o olhar espantado de B., e, ainda com a boca cheia e a cuspir pedaços amarelos, continua: – Depois de terem o que querem, deixam de nos ligar e um gajo que se lixe!
A. espera que B. concorde mas este, hipnotizado pelo espectáculo amarelo, branco e cor-de-rosa que se desenvolve na boca de A. e arredores, demora a perceber e só depois de um "Não achas?" sibilino e amarelecido de A., replica, sem saber do que está a falar:
– Podes crer.
Satisfeito, A. bebe o resto da sua imperial para empurrar a massa de tremoços e cascas que não tinham sido engolidas ou expelidas como projécteis e conclui:
– É que são todas. As mulheres são todas iguais!
– Mas há umas que são mais iguais do que outras – replica B.
– É, lá isso é – concorda A. imediatamente, sem ouvir, mais preocupado em ser visto pelo empregado e garantir a pronta reposição de cerveja na mesa do que com o rumo da conversa. – Queres outra? É que hoje estão a escorregar que é uma maravilha!
B. diz que sim, que quer, que sim, que estão, e sorri satisfeito, mas com uma ponta de remorso, certo da inevitabilidade de ter de ouvir o que aconteceu a A. mas seguro de que isso só acontecerá quando ele próprio já estiver alcoolicamente preparado para tal.