11 julho 2015
«Amor e carapau frito» - bagaço amarelo
Sou português por mero acaso. Se tivesse nascido noutro sítio, era doutro sítio. Por acaso nasci aqui, neste país. Gosto, apesar de tudo o que não gosto. De qualquer forma, orgulho, orgulho mesmo, não posso dizer que tenha.
Ainda assim, sinto-me português de gema em muitas situações. Quando joga a selecção de futebol não sinto nada, mas quando como carapau frito com arroz de tomate, sim, sinto. Se houver algum motivo de orgulho neste país é esse. Acreditem que é um bom motivo.
Acontece-me mais ou menos o mesmo com vinho tinto, sardinha assada com pimento e alguma música, principalmente fado. Por falar em música, é uma área em que sou muito mais africano e brasileiro do que europeu.
Voltando a Portugal, e para além do carapau frito com arroz de tomate, acredito que tive a sorte de nascer num país bom para me apaixonar. A razão é simples: a única mulher do mundo inteiro por quem eu me poderia apaixonar é portuguesa. Foi uma sorte brutal que eu tive, porque isso me permitiu conhecê-la.
Espremo o mundo inteiro e é essa a razão de eu gostar deste país: poder apaixonar-me nele e conseguir acreditar na enorme mentira que me diz que nunca me apaixonaria noutro lugar.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
«Noite de núpcias» - por Rui Felício
«Amor, mulheres e casamento» Arthur Schopenhauer, 1980 Biblioteca da colecção de arte erótica «a funda São» |
Faz hoje anos que a Sandra se casou.
Deu por si, sentada no sofá a recordar a noite do casamento.
Uma noite única, especial, em que os maridos acedem a todos os pedidos das noivas, para lhes satisfazerem os mais escondidos desejos...
Mas, com ela, tinha sido diferente. Naquela noite, já nua, deitada na cama do hotel, a boca contraída, o olhar felino, estendia o braço para o João. Com a voz rouca de emoção, pedia-lhe, implorava-lhe, suplicava-lhe que a aliviasse daquela ânsia, que lhe relaxasse o aperto que ela sentia no corpo e no coração.
Mas o João não fez o que ela lhe pedia. Não matou aquela nojenta osga agarrada à parede...
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
O novo ministro das Finanças grego assinou assim o documento para a Europa
O documento completo é este e o... caralho está na página 7.
Afinal... assinou ou rubricou, caralho?
Afinal... assinou ou rubricou, caralho?
10 julho 2015
Nada cala a ansiedade do sexo. O êxtase que pulsa ao espiar, o escarlate que infla de era em era e de modo potente. Há quem o ache horrendo. Há quem o ache bonito. Eu a ele pertenço e na mais ampla perspetiva me devoto e a dele abraso nua e intensamente.
Luísa Demétrio Raposo
**blog Vermelho Canalha
Enquanto preparamos a 2ª edição do «diciOrdinário ilusTarado»...
... aqui fica um passatempo, com base num rascunho do Mestre Raim para uma das novas entradas do nosso «DiciOrdinário ilusTarado», cuja 1ª edição (2.500 exemplares) está praticamente esgotada:
A que entrada corresponde esta imagem?
Pista: é um verbo.
09 julho 2015
«Desvirtudes da ventura» - António Eça de Queiroz
Valdemira Gomes do Ó – ou Mirita, como todos a conheciam em Tagilde, onde geria com pulso de ferro um mini-mercado com tasca associada – atravessou a ponte sobre o Tâmega em direcção à bela Igreja de S. Gonçalo, onde entrou animada de plano concreto. Já dentro do rico templo procurou a pequena capela do santo, que à hora do almoço não apresentava grande movimento – apesar daquele primeiro domingo de Junho ser a sua festa anual.
Junto ao túmulo de calcário polícromo apenas duas mulheres rezavam, tocando o monumento umas vezes com as mãos, outras com a cabeça.
Mirita esperou, de joelhos no chão.
A seu lado, no interior de um saco colorido feito em espesso tecido bordado com motivos florais, descansava um outro saco de plástico transparente bem cheio de Doces do Santo – uma espécie de cavacas de Resende de formato inequivocamente fálico. Ela e o marido iriam nos dias mais próximos ter por sobremesa exclusiva os conhecidos ‘Caralhos de S. Gonçalo’.
Mas faltava o principal, de acordo com os conselhos da mulher de saber que consultara há duas semanas na Portela do Gove: devia esfregar a testa do corpo no túmulo do santo, mas sem qualquer roupa em cima…
Por isso viera sem cuecas.
Restava aguardar o momento em que a capela não tivesse ninguém: então iria erguer a saia, esfregando de seguida a felpuda intimidade no calcário pintado que cobria e alindava o túmulo do santo padroeiro de casadoiras e inférteis de longo curso.
Finalmente o momento chegou.
Ninguém à vista!
Mirita levantou a saia, que escolhera larga e apropriada à ousada manobra, e, cheia de cuidados, esfregou uma e outra vez a testa do sexo no vértice já um pouco gasto do velho túmulo – ao mesmo tempo que murmurava a ladainha que a Bruxa de Eiriz, como era conhecida a sua mulher de saber, lhe indicara por conveniente.
Na sua devoção paroxística nem deu pela aproximação de uma outra mulher, bem mais velha, que a assustou com um comentário trocista:
– Ó santinha…, deixe-se lá disso, carago… Olhe que não vão ser essas esfregadelas que a vão ajudar, isso é garantido…
Mirita, que baixara num repente o largo vestido e se apressava a ganhar alguma compostura no meio de uma coradela que não enganava ninguém, apressou-se a ripostar uma quase irada e gaguejante pergunta:
– E quem é você para saber se funciona ou não?…
– Sou parteira diplomada, Genoveva Pires ao seu dispor… Mas diga-me só uma coisa: já fez algum teste de fertilidade?…
– Já fiz sim senhora!, e o doutor disse que eu não tinha nada estragado…
Então a diplomada Genoveva pediu-lhe para a acompanhar para fora da igreja, pois tinha algo de muito importante para lhe dizer.
Já cá fora, no parque lateral ao convento, mesmo em frente ao Museu Amadeo de Souza-Cardoso, as duas encontraram poiso calmo e relativamente distante de ouvidos alheios.
Genoveva Pires foi direita ao assunto:
– Minha santinha, se você não tem nada estragado… então quem está estragado é o seu homem. Ele porta-se bem no serviço?…
Que sim, que era um animal completo, que não a deixava em paz noite nenhuma… A não ser quando apanhava grossa carraspana. E acusava-a de não lhe dar filhos, um que fosse, e ela que bem queria, pois seria maneira dele a deixar em paz por uns tempos, ao menos…
– Então é porque tem os leites estragados…, disse a diplomada em tom professoral.
Que não podia ser, que nem lho poderia dizer, que a matava, que lhe fugiria – lamentava-se Valdemira Gomes do Ó, com lágrimas fáceis a inflamar-lhe já as vistas.
O conselho da diplomada parteira chegou seco e pesado com um relâmpago do estio:
– Arranje outro macho para o serviço… Mas longe daqui, que não seja conhecido… E faça a parte de comer os doces, e diga ao seu homem que veio à igreja esfregar-se, que ele assim achará que foi mesmo milagre…
Da imediata reacção furiosa de Mirita resultou o fim da entrevista, com a parteira Genoveva a bater em retirada no meio de comentários pouco abonatórios à inteligência da putativa mãe frustrada.
À falta de melhor, a gerente comercial de Tagilde voltou à igreja em busca de consolo no confessionário.
Cinco meses se passaram, assim como muita água do Tâmega correu por baixo da velha testemunha granítica de napoleónicos esforços e galopes liberais ou absolutistas.
Num início de tarde outonal, Valdemira do Ó saía do restaurante ‘Zé da Calçada’ apoderada do braço de um homem atarracado que se esforçava, de forma quase hostil para terceiros, por protegê-la de qualquer encontrão do muito povo que animava as ruas. A protuberância ventral que Mirita exibia não deixava dúvidas: estava grávida, muitíssimo grávida!…
O casal encaminhou-se para uma Toyota Hiace, onde o homem, com cuidado extremo, ajudou a mulher a subir e a instalar-se comodamente no lugar do passageiro. Depois, ligando o rádio e beijando-a com carinho evidente, rumou à Igreja de S. Gonçalo.
Mirita cabeceava de sono quando um leve toque no vidro da Hiace a fez despertar para uma incómoda realidade: do outro lado, com um sorriso de frincha negra, a parteira diplomada fez-lhe sinal para descer o vidro.
Não querendo escândalo, a gerente comercial de Tagilde lá acedeu em descer o vidro, para de imediato ouvir um sonoro «Ahhh!…».
– É, respondeu Mirita secamente.
– E?…, perguntou a parteira Genoveva.
– Oh!…, não lho vou dizer, carago…
– Diga-me só se é de longe, minha filha. Não lhe quero mal nenhum, e por isso é que lhe pergunto se não é daqui… Porque, veja bem, se for daqui e tiver mais filhos, ainda pode acontecer uma coisa que você nunca quereria… Imagine que tem uma menina e ela, daqui a 20 anos, se apaixona por um meio-irmão que não conhece?…
– Bem…, começou a medo a futura mãe, ele não é daqui mas tem vivido por aqui…
– Eu sei tudo sobre os pais e os filhos desta cidade e arredores…, bem, de quase todos… Diga-me só quem é, para sabermos se há algum risco. Pela minha honra que nunca falarei no assunto…
Mirita corou como uma romã madura e bem aberta, antes de garantir que não havia perigo nenhum:
– … É o padre…
Genoveva Pires deitou por momentos as mãos à cara, antes de declarar o seu espanto:
– Ai então não há perigo por ser o padre?!… Pois olhe que agora é que o perigo é grande, mulher!… É que eu nem lhe conheço os filhos todos, carago…
Eu bem lhe disse que isso era para se fazer longe daqui, santinha!…
A conversa desfez-se ali, o vidro subiu lentamente, com o mesmo vagar com que a diplomada se afastava da Hiace.
O atarracado marido regressava, de sorriso estampado no rosto.
De longe ainda, apontou para um transparente saco repleto de ‘Caralhos de S. Gonçalo’.
Ao entrar no furgão anunciou com felicidade evidente:
– Hoje até me confessei!…
António Eça de Queiroz
Blog Escrever é triste
«labaredas» - Licínia Girão
«Adoração ao Diabo», 2011 Placa em cerâmica com baixo relevo proveniente dos EUA Colecção de arte erótica «a funda São» |
esqueço-te com a terna complacência do silêncio
habitual das horas agitadas nas labaredas dos jardins proibidos
neles navego ao ritmo das borboletas
no peito guardo pétalas de saudade e espuma de desejos
a tempestade agita as pedras
almas cansadas vagueiam pelas tabernas
as ruas cheiram a rum cantado
velhos e novos transpiram álcool
devorado aos balcões do desassossego
os sinos tocam e os corações estremecem
chegou o sol!
as crianças saem da hibernação
na rua brincam pés descalços
até ao eclipse lunar fermentam sonhos
de novo tudo se ilumina
as vozes cantam até que sangram
a loucura é masculina e feminina
os espelhos racham-se de esperanças
as cadeiras em movimento terrificam o infinito
Licínia Girão
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