Fotografia de Emil Schildt
Perdão Divino
by Margarida Beijaflor
O ranger da chave na enorme fechadura produzia um eco que ressoava do interior daquele imenso espaço projectando-se pelo silêncio do largo fronteiro à igreja. Um silêncio claro, como o alvor que anunciava a chegada em breve do rei dos dias. Acto contínuo, todo o som que estava agora vivo dentro da nave somava-se em ecos sucessivos aos sons das dobradiças da pesada porta, gemendo intemporalidades que se desdobravam em repetições secas nas paredes das casas que assistiam mudas nos seus sonos.
Dona Genoveva entrou com todo o respeito, benzeu-se e fechou a porta.
À medida que a Primavera avança, a luz entra mais cedo pelos vitrais até ao ponto glorioso do pino do Verão em que todo o espaço se entrega ao prenúncio colorido das glórias celestes desde as horas mais temperãs.
Sentiu um arrepio breve, misto do êxtase religioso e do frio que emana das enormes naves, feitas para fazer sentir a pequenez do ser humano perante a grandeza do transcendente. Olhou para o altar e zelosamente limpou os pequenos vestígios de hóstia, deu uma vassourada no chão e acendeu as velas para missa das seis que daí a pouco começaria.
Depois, ajoelhou aos pés do pequeno altar lateral erguido ao santo padroeiro da sua devoção. Pedia pela filha. Perdida nas voltas da vida, dedicara-se à prostituição...
É certo que jamais se esquecera da mãe, viúva bastante cedo, e o dinheiro que mandava regularmente ajudava bastante. Pedia ao Santo que intercedesse junto a Nossa Senhora para que perdoasse a filha dos pecados, e que nunca a deixasse cair em aflições. Agradecia aos céus a bênção do dinheiro que ela enviava e com o espírito imbuído do mais genuíno impulso de caridade punha uma moeda na caixa da esmola dia sim, dia não.
Na rua já se ouviam os passos das fiéis que nunca perdiam a primeira hora do dia para o louvor do Senhor. Teria de ir abrir a porta. Na ala lateral ao altar soavam os ruídos do prior, mexendo em gavetas, fechando armários e ajeitando as vestimentas e outros preparos para a celebração. Genoveva levantou os joelhos doridos e na sua elegância seca, dos quarenta e muitos anos, dirigiu-se com um sorriso nos lábios para a sacristia.
Tinha a certeza que Deus perdoava a sua filha, já que as fodas que Genoveva dava com o padre, eram a própria essência do amor a Deus, personificado nos actos sublimes com que o seu representante terreno a distinguira.
Ali mesmo sob a bênção da casa do Senhor Todo-poderoso. - Amar a Deus sobre todas as coisas... - Repetia ela baixinho enquanto os olhos se reviravam na entrega... - E perdoai os nossos pecados e ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido... - E entre os ais e os sufocos dos orgasmos sentia a mão de Deus plena de poder a abençoá-las.
Mãe e filha! Libertas de todo o pecado, pela glorificação conseguida através do sacrifício do seu corpo em louvor à Sua grandeza...
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