11 dezembro 2011

«A surpresa» - por Rui Felício


Faz agora um mês…
Depois de 3 semanas fora do País, regressou a casa. Saiu do aeroporto de Lisboa, chamou um táxi que o levou até ao carro que deixara perto do Campo Grande antes de ter viajado.
Já a caminho de casa, enquanto guiava pela auto estrada, ansiava pelo momento da chegada. Imaginava a lareira já acesa, o jantar pronto, o abraço saudoso da Gabriela que devia estar impaciente para o beijar, para o encher de carícias, para recuperar da tristeza deste tempo de separação. De manhã, antes de tomar o avião para Lisboa, tinha-a avisado da hora de chegada, dizendo-lhe que não valia a pena ela ir esperá-lo ao aeroporto.
Ligou-lhe logo que o avião se imobilizou na pista e repetiu a chamada mais algumas vezes durante o percurso.
Estranhamente a Gabriela não atendia! Certamente queria fazer-lhe uma surpresa. Claro, só podia ser isso, pensou para consigo, com um meio sorriso compreensivo.
Só não conseguia adivinhar que surpresa seria. Mas, fosse ela qual fosse, essa era a prova de que, finalmente, tinha encontrado a mulher da sua vida.
Ela sabia estar atenta a estes pormenores…
Tinham-se conhecido casualmente num restaurante há pouco mais de três meses e a empatia surgira forte, indisfarçável, num simples lampejo de olhares. Viveram dias de rara felicidade, o amor tão glosado nos romances estava ali, constante, nos mais insignificantes actos, indestrutível, eterno!
Envolto na revisitação mental desses momentos, quase nem se apercebeu da chegada. Quando deu por si, estava à porta de casa.
Ansioso por abraçar a Gabriela, deixou a bagagem no carro, saiu apressado, meteu a chave à porta e preparou-se para a surpresa.
Tacteou o interruptor, pressionou-o e a luz jorrou. Semicerrou os olhos, adaptando-os à claridade. O hall de entrada estava completamente despido de móveis. Deu uns passos, intrigado. A sala estava vazia também. Nem sofás, nem quadros, nem candeeiros de pé, nem televisão, nem a pequena mesa, nem o computador habitualmente em cima dela, a lareira apagada…
Estugou o passo. Quase a correr, foi abrindo portas. Todas as restantes divisões estavam completamente vazias, despojadas de móveis, de livros, de objectos decorativos.
Na cozinha não havia frigorífico, nem fogão, nem máquina de lavar louça, nem microondas. Das gavetas e armários tinham sido retirados os talheres, os panos, os pequenos utensílios eléctricos, os pratos,os copos, as travessas, as panelas e os tachos.
Nos roupeiros não havia um único fato. Até as gravatas com as quais ele tinha uma relação quase imaterial, tinham desaparecido todas. E eram umas largas dezenas, todas elas ligadas a episódios, a memórias. Perdidas!
A excepção, encontrou-a no seu quarto. Ali, a cama tinha ficado. Só com o colchão, sem roupa, sem lençóis, sem edredon. Mas pelo menos não dormiria no chão.
Agora, prostrado, tem passado os dias a pensar na falta que lhe faz o computador.
Escrever era o seu vício. Sem ele, não conseguiria dar largas à sua imaginação, à sua vontade de escrever pequenas histórias para mandar para o blog onde costumavam ser publicadas…
Ainda tentou escrever com a caneta de tinta permanente que trazia sempre consigo e que, por isso, tinha escapado.
Mas até o tinteiro lhe levaram!

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações