26 setembro 2015

«Farsa» - por Rui Felício

A Filipa morava na Rua Vasco da Gama, por onde muitos passavam de propósito só com o fito de a ver, de com ela trocar umas palavras, de se deleitarem com o lindo sorriso que lhe iluminava o belo rosto.O Baptista era aquele que mais vezes percorria a rua e se quedava junto aos arbustos do jardim da sua moradia, ansioso, apaixonado, na expectativa de a ver a cuidar das flores ou a regar os vasos de barro que bordejavam a parede fronteira da casa.
O viço juvenil da Filipa atiçava-lhe o corpo, muitas da suas amigas iam casando e ela nem pensou duas vezes quando o Baptista lhe pediu namoro, declarando-lhe amor eterno. A sua paixão por ela era tão grande que lhe jurou jamais casar com outra que não ela.
A Filipa comunicou à mãe que desejava casar com o Baptista.
A D. Genoveva, espantada, berrou-lhe que nem pensasse nisso! O Baptista podia ser bom rapaz mas era burro que nem uma parede de pedra. Tinha andado mais de dez anos no liceu para conseguir, a custo, concluir o 5º ano.
- Mas eu preciso de casar, mãe! Sou uma mulher feita, com necessidades. Já todas as minhas amigas casaram e vivem felizes.
- Está bem, compreendo minha filha, mas com tantos rapazes inteligentes, alguns já formados e bem na vida, porque raio havias de ir escolher o pobretanas do Baptista?
Casamenteira, a D. Genoveva aconselhou-a a aproximar-se do Carlos Alberto, filho do Dr. Francisco Frazão que morava na Rua de Angola, numa grande vivenda, e que tantas vezes passava por ali, conversando educadamente com ela. Era um rapaz elegante, bonito, inteligente. Via-se que gostava dela...
A Filipa, a principio renitente, acabou por concordar e, pouco tempo depois, namorava com o Carlos Alberto com quem casou uns meses mais tarde.
O educado rapaz que parecia ser, até aí de trato irrepreensivel, transformou-se num feroz ditador em casa depois de casarem.
A Filipa tinha que andar de rédea curta, proibiu-a de sair à rua, contratou um detective particular que lhe espiava os movimentos quando foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano.
Dois anos passados a Filipa enviuvou. O Carlos Alberto morrera em combate na Guiné.um ano após o casamento.
«Mulher e burro» - estatueta do Nepal
em bronze com duas peças... que encaixam...
na colecção de arte erótica «a funda São»
O Baptista reaproximou-se e, pouco tempo depois, casou-se com a Filipa, cumprindo a sua jura de nunca casar com mais ninguém.
Mas a Filipa não resistiu aos encantos do padre João da Igreja de Santa Cruz a quem, na confissão, por mais do que uma vez tinha admitido que o Baptista não a satisfazia sexualmente.
Tornou-se devota, ia à igreja todos os dias. O padre João falava dela aos restantes fiéis como um exemplo a seguir.
Muitas vezes, o Baptista levava-a no carro até à igreja, orgulhoso da mulher que tinha.
Nem percebia o adágio que a Filipa às vezes lhe citava, com ar malandro e um sorriso:
- Mais vale um burro que te carregue que um cavalo que te derrube.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido