O Sr. Olímpio trabalhava perto, a cinquenta metros, no escritório da Escola de Condução do Zé Pais.
A mulher, a D. Virgínia, era doméstica.
Deviam andar na casa dos cinquenta anos de idade e eram casados há uns trinta.
Ela passava o tempo na lide da casa, passajava as meias do marido, costurava, cozinhava.
Às vezes conversava com a sua única amiga, a D. Leopoldina que morava do outro lado da rua e que, quando calhava, lhe batia à porta.
O Sr. Olímpio, de ar circunspecto e desconfiado, almoçava sempre em casa e depois regressava ao escritório. Pelo caminho, curto, palitava os dentes e escarrava uma vez ou duas para o meio da estrada.
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Não tinham filhos.
Da única vez que ela engravidou, o Sr. Olímpio tinha-a obrigado a fazer um aborto porque se lhe encasquetou na cabeça dura que o filho não seria dele. Acusou-a sem fundamento de ter ido ao Café Vitrice sem consentimento dele e que o dono certamente se tinha enrolado com ela.
Com o aproximar do Verão, quando os dias começavam a ficar maiores, depois de sair do escritório, levava-a a passear na baixa, resmungando quando lhe parecia que ela olhava descaradamente para algum homem com quem se cruzassem.
Durante a viagem, no trolley, a D. Virgínia sentava-se sempre junto à janela, ia observando as árvores e as casas, sob o olhar de esguelha, fiscalizador e intimidatório do marido sentado estrategicamente ao seu lado.
Certo dia a D. Virgínia adoeceu gravemente. Era visitada diariamente por uma médica que a dada altura confidenciou ao marido que ela não iria durar muito.
Pouco mais de um mês depois morreu, placidamente e silenciosa, como sempre vivera.
No dia do funeral, o Sr. Olímpio chorava copiosamente, pesaroso, inconsolável, porque na verdade ele amava-a.
Quando levaram o caixão para a carreta, o marido ficou de rastos. De tal forma que um amigo o veio consolar aconselhando-lhe calma. E, naquele estado, o amigo perguntou-lhe se ele se sentia em condições para acompanhar o féretro até ao cemitério da Conchada.
O Sr. Olímpio empertigou-se, fez das tripas coração e respondeu-lhe.
- Claro! Nunca saiu sem mim. Não seria agora que o faria pela primeira vez!
Rui Felício
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