Chegou-se um pouco à janela, reservando alguns centímetros de recato antes de expor o bico dos peitos ao frio das vidraças que a enchiam de luz e à eventualidade dum olhar vago às janelas dum primeiro andar, num intervalo breve das pressas da rua.
Afastou com a mão esquerda um pouco mais o cortinado e reparou como a chuva caía mansinha, muito suave e doce, apenas atrevendo-se a polir de brilhos difusos, como a luz do entardecer, o piso liso da calçada ali mesmo escorrendo à sua porta
Afastou-se lentamente e deixou o olhar percorrer as ruelas por entre os quadros de vários tamanhos expostos na sala. Gostava de inventar percursos entre eles, sem sequer olhar para o que significavam. Não que isso não fosse importante, antes pelo contrário. Mas funcionavam neste jogo entre o cérebro e o olhar como meras referências a partir das quais fazia mentalmente desenhos geométricos, onde as linhas cruzavam entre si, projectando-se em prolongamentos e sombras até formar falos, pernas, vulvas; poses explodindo num universo de riscos e traços apenas imaginados para se reagrupar novamente em linhas e divisórias de onde emergiam outros arranjos para se desfazer novamente no efémero dum movimento de olhos.
Respirou profundamente. Deu dois passos e abriu a gaveta de cima do móvel. Depois olhou novamente para os quadros detendo-se num deles.
Experimentou um sorriso. Era um retrato a óleo. De excelente qualidade como de resto tudo o que a rodeava.
Veio-lhe à mente o dia em que saíra com ele. O almoço. A tarde no quarto de Hotel. O passeio pela cidade e a visita à ourivesaria da sua eleição.
- Querido… gosto tanto desta gargantilha… Ouro e pedras preciosas… e o rendilhado finíssimo… E vês aqui? Amor!… são diamantes… Oh que lindo! Que lindo... Amor! Amor!... isto é uma jóia valiosíssima!
Uma breve pausa sobreveio em que os olhares se detiveram para depois ele desviar durante um instante, voltando a fitar os seus olhos suplicantes de mulher incendiados dum fascínio quase de criança.
- Pois! - Respondeu – É uma peça lindíssima. Mas sabes, querida? O futebol é assim mesmo. As minhas pernas já não me dão nada a ganhar, e…
Voltou ao presente detendo o olhar no conteúdo da gaveta, despertando dos pensamentos.
Regressou lentamente à janela enquanto falava baixinho só para si.
- As pernas já não te davam nada a ganhar…
Olhou para a sua imagem palidamente reflectida no espelhado que os vidros devolviam do seu decote.
- E agora nem as minhas, meu querido, nem as minhas. – disse, enquanto ajeitava vaidosamente a gargantilha mais valiosa que alguma vez havia imaginado possuir…
Afastou com a mão esquerda um pouco mais o cortinado e reparou como a chuva caía mansinha, muito suave e doce, apenas atrevendo-se a polir de brilhos difusos, como a luz do entardecer, o piso liso da calçada ali mesmo escorrendo à sua porta
Afastou-se lentamente e deixou o olhar percorrer as ruelas por entre os quadros de vários tamanhos expostos na sala. Gostava de inventar percursos entre eles, sem sequer olhar para o que significavam. Não que isso não fosse importante, antes pelo contrário. Mas funcionavam neste jogo entre o cérebro e o olhar como meras referências a partir das quais fazia mentalmente desenhos geométricos, onde as linhas cruzavam entre si, projectando-se em prolongamentos e sombras até formar falos, pernas, vulvas; poses explodindo num universo de riscos e traços apenas imaginados para se reagrupar novamente em linhas e divisórias de onde emergiam outros arranjos para se desfazer novamente no efémero dum movimento de olhos.
Respirou profundamente. Deu dois passos e abriu a gaveta de cima do móvel. Depois olhou novamente para os quadros detendo-se num deles.
Experimentou um sorriso. Era um retrato a óleo. De excelente qualidade como de resto tudo o que a rodeava.
Veio-lhe à mente o dia em que saíra com ele. O almoço. A tarde no quarto de Hotel. O passeio pela cidade e a visita à ourivesaria da sua eleição.
- Querido… gosto tanto desta gargantilha… Ouro e pedras preciosas… e o rendilhado finíssimo… E vês aqui? Amor!… são diamantes… Oh que lindo! Que lindo... Amor! Amor!... isto é uma jóia valiosíssima!
Uma breve pausa sobreveio em que os olhares se detiveram para depois ele desviar durante um instante, voltando a fitar os seus olhos suplicantes de mulher incendiados dum fascínio quase de criança.
- Pois! - Respondeu – É uma peça lindíssima. Mas sabes, querida? O futebol é assim mesmo. As minhas pernas já não me dão nada a ganhar, e…
Voltou ao presente detendo o olhar no conteúdo da gaveta, despertando dos pensamentos.
Regressou lentamente à janela enquanto falava baixinho só para si.
- As pernas já não te davam nada a ganhar…
Olhou para a sua imagem palidamente reflectida no espelhado que os vidros devolviam do seu decote.
- E agora nem as minhas, meu querido, nem as minhas. – disse, enquanto ajeitava vaidosamente a gargantilha mais valiosa que alguma vez havia imaginado possuir…