17 março 2010

Só porque sim

Não sendo fumador, e com isso desconhecendo por completo (e sem vontade de saber) o prazer que um cigarro possa dar entre os dedos, e para além disso nunca tendo tido o desprazer de lamber cinzeiros, claro que recebi de braços abertos a Lei que proibiu o tabaco em espaços públicos. Se eu sou obrigado a ir a uma casa-de-banho para devolver a cerveja que bebi, que não sendo um vício, é um prazer meu, parecia-me, no mínimo, injusto que tivesse de levar com o fumo de quem disfrutava do seu prazer: o tabaco.

Para mais, enquanto que se eu urinasse em cima de um fumador, nenhum mal viria à sua saúde, já o fumo do seu tabaco era para mim prejudicial. Fazia-me fumador passivo e de roupa mal-cheirosa. A partir do momento em que essa Lei entrou em vigor, aconteceram duas coisas interessantes. Uma delas, terem os espaços públicos fechados ficado mais agradáveis. Sabe bem estar num espaço comercial e não cheirar o fumo. Sabe bem poder comer uma refeição sem tabaco à mistura. A outra coisa interessante: os fumadores estabeleceram rotinas que me divertem. E porque me divertem? Explico já de seguida.

No local onde agora trabalho há alguns fumadores. Quando sentem o apelo de colocar algo entre os dedos, ou algo na boca (e eu teria ideias alternativas para isto), abandonam os seus postos de trabalho e avançam para a rua. A sala de fumo é a atmosfera. E quando lá vão, combinam entre eles a viagem. Convidam-se. Dizem “vamos a um cigarrinho”.

Mas outros há que o fazem de uma maneira que a mim parece mais característica: tentam enfiar o cigarrinho em momentos-chave do dia. Há um homem que passa pelo corredor e grita à colega, “Sofia (nome fictício), vamos fumar antes da reunião?”, ou então “Sofia, vens fumar agora?”. Quando estas perguntas se fazem em voz alta no corredor eu sorrio, porque altero os verbos. Como seria isto com outros prazeres?

“Oh Sofia, vamos dar uma antes da reunião?”, “Sofia, vens fazer-me um felatio agora?”, “Sofia, tens tempo para um cunnilingus antes do almoço?”. Imagino estas coisas e sorrio. Sorrio pensando como seria se isto se dissesse, assim, em voz alta e sem que alguém estranhasse, como seria se ao sair a porta do edifício, em vez de encontrar meia dúzia de agarrados à nicotina, encontrasse malta a dar quecas contra a parede, contra a porta, no chão, por todo o lado, assim durante cinco ou dez minutos, antes de uma reunião, só porque sim.

Possivelmente sorrio porque sei que isso não vai acontecer. Apesar de toda a minha imaginação, essas coisas só porque sim, à porta do edifício, seriam estranhas. E as pedras do chão magoariam os joelhos e as costas.

Nas nuvens

Tinha dedos nublados
deixou-lhe nuvens nos seios
deixou-lhe nuvens nos lábios
e ainda flutuavam
e ainda se roçavam
como ventos enluvados
de memórias de suaves tecidos
memórias de gemidos acetinados
Na última vez que se amaram
das nuvens que os rodearam
ficaram os dedos marcados
palavras inéditas em dicionários
escritos no ventre, novos ensaios
e ainda divagavam
e ainda se reconheciam
no corpo dos dedos nublados.


Lucía, gabinete de sexologia -"O que faço, doutora?"

Mais uma história do livro «Lucía, gabinete de sexologia», com a autorização de publicação pela editora el Jueves:




16 março 2010

Amor?!...


- Ama-me.
É pedir muito?
Possivelmente.

Amar não é para todos:
custa, magoa, revolve as entranhas.

- Amas-me?
É uma pergunta chata?
Possivelmente.

Amar não é para todos:
revolve-nos, magoa, custa sentir.

- Porque amas?!

Amas.
Amas?
Amas!

Não...
És um imbecil
à volta da sua própria cauda,
buscando o que não encontra:
mas saberás o que procuras?!

Foto e poesia de Paula Raposo

_________________________
O PreDatado propõe uma versão fundíssima:

"Mamas-me a chata?
Possivelmente.

Mamar não é para todos
revolve-nos, enjoa (não vale mentir).

- Porque mamas?

Porque sou imbecil,
eu queria mesmo era chupar-te a cauda
mas ando às voltas e não te encontro.

Voltas?
Às sete."

Raízes

Pétalas da mesma flor, folhas da mesma árvore - só quando assim formos podemos enraizar. Ah! Mas entretanto, abraçamo-nos enrolados e nus como raízes soltas e famintas que encontram terra húmida. Das noites nossas fica sempre o teu orvalho quente nas minhas folhas. Não me vou repetir, não me vou repetir, não me vou repetir que aqui me esgoto; só aí, em ti, eu nunca me esgotava; era sempre muito mais o que de ti me enchia do que toda a imensidão que em ti libertava. Tantas vezes nos parece que já é tarde, chegamos assim ao corpo um do outro, montados nesse relógio que nos tenta desmontar; fecha os olhos, o tempo tenta-nos enganar - às vezes parece-me que sabes - é cedo ainda. Ainda é demasiado cedo? O tempo diverte-se, abraçamo-nos e os braços ainda são ponteiros; abraçamo-nos e passamos e o tempo acaba-se quando ainda é e foi demasiado cedo. Só quando assim fossemos - pétalas da mesma flor, folhas da mesma árvore - poderíamos enraizar.

sem fundo...


... porque são cem fundas!


O filho de Kronar


2 páginas - basta cricares em "next page" a partir da página inicial acima

oglaf.com

15 março 2010

Caprichos de amor



Aproximo-me de ti num movimento gracioso de felino enquanto me contemplas com esse teu brilho no olhar. Num gesto suave e sensual começo a beijar os teus pés, sugando um dedo e atirando-te um olhar provocador. Beijo após beijo percorro cada pedacinho das tuas pernas enquanto as mãos acariciam o teu membro viril, que erecto manifesta o prazer que te dou. Roço ao de leve a lingerie preta sobre o teu corpo para me voltar e debruçar sobre aquele membro entumecido que bem erecto me pede para me voltar para ele. Beijo-o e deixo a língua brincar com ele. Inclino-me para que me beijes no sítio exacto e me arranques um gemido de prazer. Sinto a tua língua dentro de mim e a excitação a aumentar. Sinto na minha boca o leve pulsar do teu falo e sei então que está pronto para gozar. Deito-me de costas e abro as pernas para o receber dentro de mim. Ah, como anseio por ti meu amor. Com movimentos ritmados iniciamos a nossa dança lenta do amor, até cairmos extasiados num abraço sem fim.
Faz-me tua outra vez meu amor, então te direi quando por fim te contorceres libertando espasmos e arrepios de prazer.


Maria Escritos
http://escritosepoesia.blogspot.com/

Os amantes

E os braços que se deitam
deito-me neles pela cintura
desce uma madrugada segura,
nela os amantes acordam
nos seus corpos pouco dura
o dia de que se lavam

E os seios que se moldam
em pedintes de ternura
desce entre eles paixão dura
neles os amantes jorram
a marca da sua loucura
até aos lábios que a beijam

E os joelhos que se afastam
oferecem a rosada cura
aos reféns da paixão pura
neles os amantes se lançam
como quem procura
que os dias não mais nasçam.


Cerveja Devassa e Paris Hilton - anúncio censurado (no Brasil!)

Exercício de tiras



Alexandre Affonso - nadaver.com

14 março 2010

O desarme



HenriCartoon

Flechas

Ainda estás acordado? Tantas vezes digo as palavras, tantas vezes as hei-de dizer, tantas vezes digo as palavras que elas vão deixar de ser palavras e vão apenas ser. A magia é o equilíbrio - tantas coisas, tantas vezes me perguntam, como se a tivesse - mas eu nem a tenho, eles não conseguem ver que o mágico és tu. O mágico és tu e eles não conseguem ver a margem do rio onde me trespassaste com a varinha de condão e amarraste, para sempre, a tua magia aos meus tornozelos a rebentar de palavras. Os tornozelos andavam rentes ao chão, agora andam na lua e as palavras também. A magia é o equilíbrio, as palavras devem dominar-me, afundar-me, enrolar-me - comecei a latejar com elas - a magia é o equilíbrio, eu devo dominar as palavras para que não fluam sem harmonia, em catadupa embriagada; o papel é uma toalha que deve ter nódoas de flechas de arcos de sentido e de sentido para além do sentido, como círculos perfeitos de vinho tinto em linho branco. Quando se fizerem sentir, quando explodirem de mim para implodir no outro; quando baterem noutros peitos e conseguirem impor o seu ritmo ao coração do mundo, é então e apenas então que serei mágica como tu. Ainda estás acordado? Não? Dorme, dorme. Um dia vou ser mágica como tu, vou ter a violência abrasadora do teu sentido na minha vida bem no meio das palavras - com a mesma intensidade com que te tenho no meio das minhas pernas, com a mesma intensidade com que te aperto com os meus joelhos e te levo ao fundo sem te deixar respirar mais que o meu cheiro; por instantes vives do meu ar, para sempre as minhas palavras vivem de ti. Não, não se enterram apenas os mortos; quando te enterras, assim, - de corpo em mim, de cabelo molhado a encharcar-me o peito, e fazes um trilho marcado, quase sulcado, a gotas de ti, até aos meus lábios - diz-me que morres; que é quando quase se morre que realmente se vive. Ainda estás acordado?