Não sendo fumador, e com isso desconhecendo por completo (e sem vontade de saber) o prazer que um cigarro possa dar entre os dedos, e para além disso nunca tendo tido o desprazer de lamber cinzeiros, claro que recebi de braços abertos a Lei que proibiu o tabaco em espaços públicos. Se eu sou obrigado a ir a uma casa-de-banho para devolver a cerveja que bebi, que não sendo um vício, é um prazer meu, parecia-me, no mínimo, injusto que tivesse de levar com o fumo de quem disfrutava do seu prazer: o tabaco.
Para mais, enquanto que se eu urinasse em cima de um fumador, nenhum mal viria à sua saúde, já o fumo do seu tabaco era para mim prejudicial. Fazia-me fumador passivo e de roupa mal-cheirosa. A partir do momento em que essa Lei entrou em vigor, aconteceram duas coisas interessantes. Uma delas, terem os espaços públicos fechados ficado mais agradáveis. Sabe bem estar num espaço comercial e não cheirar o fumo. Sabe bem poder comer uma refeição sem tabaco à mistura. A outra coisa interessante: os fumadores estabeleceram rotinas que me divertem. E porque me divertem? Explico já de seguida.
No local onde agora trabalho há alguns fumadores. Quando sentem o apelo de colocar algo entre os dedos, ou algo na boca (e eu teria ideias alternativas para isto), abandonam os seus postos de trabalho e avançam para a rua. A sala de fumo é a atmosfera. E quando lá vão, combinam entre eles a viagem. Convidam-se. Dizem “vamos a um cigarrinho”.
Mas outros há que o fazem de uma maneira que a mim parece mais característica: tentam enfiar o cigarrinho em momentos-chave do dia. Há um homem que passa pelo corredor e grita à colega, “Sofia (nome fictício), vamos fumar antes da reunião?”, ou então “Sofia, vens fumar agora?”. Quando estas perguntas se fazem em voz alta no corredor eu sorrio, porque altero os verbos. Como seria isto com outros prazeres?
“Oh Sofia, vamos dar uma antes da reunião?”, “Sofia, vens fazer-me um felatio agora?”, “Sofia, tens tempo para um cunnilingus antes do almoço?”. Imagino estas coisas e sorrio. Sorrio pensando como seria se isto se dissesse, assim, em voz alta e sem que alguém estranhasse, como seria se ao sair a porta do edifício, em vez de encontrar meia dúzia de agarrados à nicotina, encontrasse malta a dar quecas contra a parede, contra a porta, no chão, por todo o lado, assim durante cinco ou dez minutos, antes de uma reunião, só porque sim.
Possivelmente sorrio porque sei que isso não vai acontecer. Apesar de toda a minha imaginação, essas coisas só porque sim, à porta do edifício, seriam estranhas. E as pedras do chão magoariam os joelhos e as costas.
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Uma por dia tira a azia