04 junho 2010

Deixemo-nos de coisas

Deixemo-nos dessas coisas que nos ocupam tempo precioso. A verdade é que eu apareci à tua porta e toquei. E tu vieste receber-me. Os teus olhos diziam tudo, e os meus também. Sabemos que houve cumprimentos, e conversa de circunstância. Que me perguntaste como tudo estava, e eu também. Que tudo ia bem, que o tempo era escasso, que fazia um horror de tempo desde que te vira pela última vez. Deixemo-nos de tudo isso, que não interessa, que empata, que atira para, que constroi o momento, mas não é o momento, é só a parte social do caminho.

Deixemos de lado a parte de nos termos sentado no sofá, e de te teres deitado encostada a mim, a falar sobre a vida, sobre as coisas que iam mal, e sobre as que iam bem. Que não se perca tempo a falar de como afagava o teu cabelo, de como te ia fazendo carícias pelo corpo, de como a minha mão deslizou por dentro das tuas calças e sentiu as tuas coxas.

Falemos antes de quando isso te fez levantar, e nos sentámos em pontos opostos desse mesmo sofá. Falemos antes do silêncio que se criou. Das tremuras das minhas mãos, e das tremuras das tuas. Falemos antes de como tu despiste uma peça de roupa de cada vez. Com intervalos de alguns minutos. E eu também. Alternadamente.


Falemos antes de como levou tempo até restar apenas a nudez. E de como não existia vergonha. Falemos antes de como ficámos assim, com a nudez distante um do outro, durante tantos, tantos minutos. Até o sono nos tomar de vez, e te vires aninhar em mim, só porque podias, sem o antes nem o depois.

A paixão (!)

Vou gostar de ti:

a aparência é engraçada
(primeiro impacto),
a voz é grossa e doce
- ao mesmo tempo -
alta, forte e um pouco
despassarada no contexto.

Gosto de ti.

-Gostei muito de ti.

Apaixonei-me perdidamente.
E, perdidamente partiste.

És mais um caso arquivado
na caixa obsoleta
dos últimos socorros.

Jamais dos primeiros.

Foto e poesia de Paula Raposo

A prostituta azul (V)

O homem velho, pequeno, gorducho, perdia-se na imensidão da enorme cama que tinha exigido. Agora, já nu, não parecia tão seco no contraste do luxo do quarto com a nudez mirrada que o espelho parecia querer reflectir ostensivamente; os espelhos divertem-se sempre a ampliar o que nos mirra, a aumentar o que nos diminui. Parecia um bebé muito feio, apatetado, absurdo em lençóis de cetim; tanto luxo, tanto luxo e a pele vazia até de ar. Olhava-o com a ternura que a fragilidade lhe inspirava, a ternura dedicada aos que são pobres de espírito, aos que no fim das idades se apercebem iguais aos outros apesar da carga pesada de papelinhos coloridos de feio nos bolsos; a ternura dedicada aos que, por só no fim da idade se perceberem iguais, são - porque são e porque se sentem - ainda menores; a ternura dedicada às crianças de tolice egocêntrica a quem tentamos explicar a empatia porque é raiz da árvore do carácter. E os olhos dispararam, na direcção do velho, a nostalgia carregada nas pupilas. Debateu-se no cetim, atordoado, encolhido, pequeno e chorou. O bebé muito feio. Chorava. Chorava para não morrer já. Deitou-o no colo e embalou-o. "Pequenino, meu pequenino, todos os pássaros terminam em penas porque viveram a voar. Nós vivemos em penas para terminarmos em voo." Embalou, embalou, embalou e o homem estremeceu e sossegou. Foi então que lhe agarrou nos seios para se alimentar...

03 junho 2010

Corações de papel abreviados

E eu que gosto mais de ti por extenso, a ocupar linhas e mais linhas, a estenderes-te, assim, quase distraído, para além de qualquer ponto a que o mundo tenha decidido chamar-nos parágrafo.


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O Santoninho derrete-se com a Miss... e ode:

"Em ti... gosto do teu corpo extenso,
De percorrer as dunas, à tardinha...
Dentro de ti, eu existo, porque penso
Que já não és de outros, mas és minha!

Gosto de ver os teus braços estendidos
Num gesto meigo e terno, que acaricia
O meu rosto... e nos olhares comprometidos
Dos beijos que me dás... que eu não queria...

Por ti, eu percorro um areal dourado
De areias finas, caminhando devagar...
Sob um sol que queima... amor esgotado
Que se esvai e já nada tem para dar!"

Cinco Casamentos, Quatro Divórcios, Um Funeral

Sentado, de perna traçada, ar satisfeito mas de sorriso choramingas, o morto contemplava de uma campa próxima o seu funeral.
– Nunca pensei que isto fosse assim – disse, dirigindo-se ao morto-guia que lhe calhara em sorte.
– Não?
– Não – respondeu o morto cujo corpo enterravam. – Sempre pensei que não houvesse nada depois da morte. Foi uma surpresa completa você aparecer e uma surpresa ainda maior eu poder estar aqui, agora, a ver o meu funeral.
Pouco interessado na conversa do outro, o morto-guia levantou-se e deu um passo em frente para apreciar os vivos.
– E está composto – comentou referindo-se ao funeral.
– Composto?! – gracejou o morto, reparando na atenção que o morto-guia devotava às mulheres que, em linha, conferiam a descida do caixão. – Parece-me que o senhor está a achar isto mais do que composto.
– Ah!... – O morto-guia corou. – Ah… É que…
O morto levantou-se e bateu-lhe nas costas:
– Não fique assim, homem. Não é preciso corar. A verdade é que elas compõem qualquer funeral.
– É que ultimamente só me tem é calhado malta fora do prazo, com amigos e familiares nas mesmas condições – justificou o morto-guia. – Tem sido uma sequência demasiado deprimente – queixou-se, com um profundo suspiro.
O morto, sem conseguir decidir se o suspiro tão longo e profundo se devia à visão das mulheres ou à má-sorte nos funerais anteriores, calou-se sem atirar a graçola em que pensara que, para ser dita, lhe exigia certeza na razão do suspiro.
– Alguma coisa fiz bem – desabafou o morto por fim, sem se ter decidido a ser engraçado e tornando a sentar-se.
– Eu diria que fez bem mais do que uma coisa – respondeu o morto-guia, venerador. – É que, ainda por cima, aquelas quatro belas senhoras estão genuinamente tristes com a sua morte – comentou, para ser agradável.
– Quatro?! – estranhou o morto. – Cinco – corrigiu. – Aquelas cinco belas senhoras…
– Sim, as cinco são muito belas – aceitou o morto-guia, acenando com a cabeça encantado. – Muito belas…
– São as minhas viúvas – lançou o morto, vaidoso. – E todas choram a minha morte, hã?! Já viu…
– Muito belas – repetiu o morto-guia, concentrado.
– As quatro da esquerda são as minhas ex-mulheres – enunciou o morto. – A da direita é que é mesmo a minha viúva – esclareceu, irritado com a desmedida veneração do morto-guia que começava a achar demasiado ostensiva, afinal ele é que era o morto. Ele é que merecia atenção.
– Ah!... – A cabeça do morto-guia não parava de oscilar, aprovadora. – São as mesmas que estão genuinamente tristes com a sua morte.
– Claro!... Como é que não podiam estar – vangloriou-se o morto. – Afinal, as cinco perderam o homem da vida delas.
– A da direita não está genuinamente triste – informou o morto-guia, seco. – As da esquerda é que estão.
– Diga? – perguntou o falecido, desconfiado, levantando-se de um salto. – Como é isso? Está a brincar comigo ou quê?!
O morto-guia acenou negativamente com a cabeça e explicou, esboçando um sorriso malicioso que não conseguiu evitar:
– As suas quatro ex-mulheres estão mesmo tristes com a sua morte, a sua viúva nem por isso. Ainda que lhe fique bem o luto e seja convincente na sua demonstração de dor.
O morto praguejou e insultou o morto-guia, pondo em causa de uma penada os seus conhecimentos acerca do que os vivos sentiam, a sua competência, a sua seriedade e, por fim, arrasou a sua vida passada, mais concretamente, a sua vida sexual passada.
O morto-guia empertigou-se, fixou-o com dureza e ripostou com secura:
– As suas ex-mulheres estão tristes não é propriamente pela morte, meu caro. As sua ex-mulheres estão tristes com o fim das pensões de alimentos que você lhes pagava. Já a sua mulher, apesar do brilhante desempenho como viúva infeliz, está satisfeita por não ter de o aturar mais; por ser, das cinco, a sua única herdeira e porque as outras deixaram de receber as pensões e não terem direito a nada. Mais alguma coisa ou podemos ir embora?

Que pedazo de tetas


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Leões


02 junho 2010

sem escolha | projecto Olhar a Palavra

«Poderia eu querer mais? Uma escolha dupla, sem compromisso. Sem imposições, sem exigências. Apenas dois corpos que se unem, quando a vontade assim o entende, de forma crua, com o pacto do prazer a ditar o quando e o como.

Não sei viver com base nas escolhas e sei que não te escolhi. Mas quero-te.»

leia o texto na íntegra... AQUI!

O estranho fenómeno do “paroxismo histérico”

Ainda há menos de um século, as senhoras eram frequentemente acometidas de uma doença designada “histeria” (do grego “hustéra”, que significa “útero”). Pelo facto de ser uma doença crónica, esta maleita obrigava a tratamento continuado, consistindo o mesmo em sessões de “manipulação” da “vulva” em que a senhora era levada a atingir um estado de consternação corporal máximo designado de “paroxismo histérico”. Sentindo-se mais aliviada, a paciente regressava então a casa até que de novo fosse acometida de um surto de “histeria”, necessitando novamente de cuidados. O certo é que no século XIX a dita doença poderia dizer-se quase “epidémica”! A ponto de os médicos não terem, literalmente, mãos a medir! Segundo consta, os detentores deste duro ofício, inteiramente “artesanal”, num dia inteiro de trabalho árduo, não conseguiam prover à urgente necessidade de tratamento de mais do que oito mulheres. E ao que parece, por muito que se empenhassem, não estavam a “dar conta do recado”. Por esta razão, e porque, como se sabe, “a necessidade aguça o engenho”, começou a passar-lhes pela cabeça a tentativa de mecanizar a tarefa. “Meu dito, meu feito”, no final do século XIX (embora existam registos anteriores de aparelhos mecânicos destinados ao mesmo fim) foram inventados os primeiros aparelhos, verdadeiros prodígios tecnológicos da medicina outrora moderna. Sim senhor! Os primeiros vibradores! Embora as primeiras versões a vapor deixassem muito a desejar, logo se seguiu a invenção do vibrador eléctrico. E então sim! Era um “ver se te avias”! Passaram a ser necessários uns escassos dez minutinhos para aliviar cada paciente, e, finalmente, as pobres mãos calejadas de tanta vulva manipular tiveram direito ao merecido descanso! E foi assim que em poucos anos, mas já adentrando o século XX, se viram anunciados nas revistas femininas, ao lado do ponto de cruz, os maravilhosos aparelhos portáteis de tratamento doméstico desta maléfica “doença”. E não fosse, ainda na primeira fase do cinema pornográfico, as prostitutas deitarem-lhes a mão, achando que podiam divertir-se com estas maravilhas da tecnologia médica, tudo teria corrido bem! Associados a tão “perversa” finalidade, foi um instantinho para que se diabolizassem os tais “vibradores”, e rapidamente se descortinou o “paroxismo histérico” como sendo, afinal, um “vulgar orgasmo”. E pronto. Acabou-se a “brincadeira”. Os cuidadosos maridos não mais tiveram que levar as suas senhoras ao “tratamento”, fecharam-se as portas aos consultórios, interditaram-se as vendas e os anúncios dos “obscenos” aparelhos, e depois, ao que parece, mandou-se a mulherada toda para casa com a cona aos saltos e sem solução à vista. Sim, porque ninguém está para aturar isto! Doenças ainda vá que não vá… agora... orgasmos?!

Mulher em vidro de Murano

Uma beldade que veio de Veneza para a minha colecção.





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O OrCa não pode ver curvas que as ode logo:

"é de vidro de Murano
é de leite a criatura
e frágil é por engano
de tão exposta postura

rubros lábios afinal
mamilos rubros por fim
de vagina rubra tal
abrindo as pernas assim

frágil vidro de Murano
de Veneza belo ofício
mas malvado do fulano
que se esqueceu do orifício..."

Astro_Lógico

Há lençóis chorados por um sol inteiro
onde dorme a noite que acorda primeiro
para lhe adormecer o choro
que desperta passageiro
das ancas quebradas e perdidas
e dançam no corredor de músicas anoitecidas
e molham o chão de mãos em estrelas soltas
de rosto na mão que se descreve às pautas.
E quando desliza os raios pela noite estendida
logo, logo, espreita a manhã estremunhada
que rasga e finda a noite em amanhecida
e logo, logo, mais uma cama chorada.


01 junho 2010

a propósito da temática do livro "HomosseXuais no Estado Novo", da autoria da jornalista São José Almeida

Ora aí está um tema sexossocial estimulante. O que terá passado um homossexual no Estado Novo que um homossexual no estado em que estamos não passe ainda?

Confesso que ainda não li o livro mas que pretendo fazê-lo, quando tiver oportunidade, que mais não seja por curiosidade e ilustração. Mas não é do livro que falarei agora, pelo que peço, desde já, desculpas à autora pela fonte de inspiração.

Primeira observação assustadora: Então que me dizem do casamento de homossexuais? Também aqui me perturba algum desnorte, a saber:

- No Estado Novo, qualquer elemento dito progressista que se prezasse - notem que já nem digo antifascista... fiquemo-nos, então, pelo meramente progressista - considerava o casamento (pelo civil, entenda-se) como uma instituição a combater e, porventura, a abater, pelo que continha de retrógrado, reaccionário e castrador de uma sã relação entre dois seres viventes e pensantes...

(se considera o assunto e este meu tratamento do mesmo digno de leitura até ao fim, por favor, leia-o integralmente aqui)