03 junho 2010

Cinco Casamentos, Quatro Divórcios, Um Funeral

Sentado, de perna traçada, ar satisfeito mas de sorriso choramingas, o morto contemplava de uma campa próxima o seu funeral.
– Nunca pensei que isto fosse assim – disse, dirigindo-se ao morto-guia que lhe calhara em sorte.
– Não?
– Não – respondeu o morto cujo corpo enterravam. – Sempre pensei que não houvesse nada depois da morte. Foi uma surpresa completa você aparecer e uma surpresa ainda maior eu poder estar aqui, agora, a ver o meu funeral.
Pouco interessado na conversa do outro, o morto-guia levantou-se e deu um passo em frente para apreciar os vivos.
– E está composto – comentou referindo-se ao funeral.
– Composto?! – gracejou o morto, reparando na atenção que o morto-guia devotava às mulheres que, em linha, conferiam a descida do caixão. – Parece-me que o senhor está a achar isto mais do que composto.
– Ah!... – O morto-guia corou. – Ah… É que…
O morto levantou-se e bateu-lhe nas costas:
– Não fique assim, homem. Não é preciso corar. A verdade é que elas compõem qualquer funeral.
– É que ultimamente só me tem é calhado malta fora do prazo, com amigos e familiares nas mesmas condições – justificou o morto-guia. – Tem sido uma sequência demasiado deprimente – queixou-se, com um profundo suspiro.
O morto, sem conseguir decidir se o suspiro tão longo e profundo se devia à visão das mulheres ou à má-sorte nos funerais anteriores, calou-se sem atirar a graçola em que pensara que, para ser dita, lhe exigia certeza na razão do suspiro.
– Alguma coisa fiz bem – desabafou o morto por fim, sem se ter decidido a ser engraçado e tornando a sentar-se.
– Eu diria que fez bem mais do que uma coisa – respondeu o morto-guia, venerador. – É que, ainda por cima, aquelas quatro belas senhoras estão genuinamente tristes com a sua morte – comentou, para ser agradável.
– Quatro?! – estranhou o morto. – Cinco – corrigiu. – Aquelas cinco belas senhoras…
– Sim, as cinco são muito belas – aceitou o morto-guia, acenando com a cabeça encantado. – Muito belas…
– São as minhas viúvas – lançou o morto, vaidoso. – E todas choram a minha morte, hã?! Já viu…
– Muito belas – repetiu o morto-guia, concentrado.
– As quatro da esquerda são as minhas ex-mulheres – enunciou o morto. – A da direita é que é mesmo a minha viúva – esclareceu, irritado com a desmedida veneração do morto-guia que começava a achar demasiado ostensiva, afinal ele é que era o morto. Ele é que merecia atenção.
– Ah!... – A cabeça do morto-guia não parava de oscilar, aprovadora. – São as mesmas que estão genuinamente tristes com a sua morte.
– Claro!... Como é que não podiam estar – vangloriou-se o morto. – Afinal, as cinco perderam o homem da vida delas.
– A da direita não está genuinamente triste – informou o morto-guia, seco. – As da esquerda é que estão.
– Diga? – perguntou o falecido, desconfiado, levantando-se de um salto. – Como é isso? Está a brincar comigo ou quê?!
O morto-guia acenou negativamente com a cabeça e explicou, esboçando um sorriso malicioso que não conseguiu evitar:
– As suas quatro ex-mulheres estão mesmo tristes com a sua morte, a sua viúva nem por isso. Ainda que lhe fique bem o luto e seja convincente na sua demonstração de dor.
O morto praguejou e insultou o morto-guia, pondo em causa de uma penada os seus conhecimentos acerca do que os vivos sentiam, a sua competência, a sua seriedade e, por fim, arrasou a sua vida passada, mais concretamente, a sua vida sexual passada.
O morto-guia empertigou-se, fixou-o com dureza e ripostou com secura:
– As suas ex-mulheres estão tristes não é propriamente pela morte, meu caro. As sua ex-mulheres estão tristes com o fim das pensões de alimentos que você lhes pagava. Já a sua mulher, apesar do brilhante desempenho como viúva infeliz, está satisfeita por não ter de o aturar mais; por ser, das cinco, a sua única herdeira e porque as outras deixaram de receber as pensões e não terem direito a nada. Mais alguma coisa ou podemos ir embora?

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