23 setembro 2010

Fantoche: cordão umbilical

Eu tentei esconder um poema e as palavras abandonaram-me. As palavras fugiram de mim; castigaram-me pela ousadia de tomar decisões onde elas são soberanas, pela monstruosidade de rejeitar o que me ofereceram, por não ver que sou tão pequena, vazia, encolhida, fraca, perante elas e que sem elas, irremediavelmente, nada sou. Desobedeci a quem me faz, escondi o poema como se a escolha fosse minha, como se eu fosse senhora de escolher, como se elas não tivessem já determinado o que deveria ou não ser dito. Arrancaram-se de mim, deixaram-me num vazio cheio de segredos que ainda me vão fazer rebentar porque eu não quis contar que os tinha. Deixaram-me assim, uma semi-desalmada muda. Isto é o que me aconteceu por me julgar mais forte que as palavras. Isto é o que acontece a quem não sabe perceber que nunca será mais forte do que algo que tudo inclui. Coisas estranhas acontecem a quem não sabe o seu tamanho. Eu vim aqui dizer-vos que escondi um poema. Eu vim aqui confessar que guardo segredos que sempre guardarei mas que confio nas palavras, não preciso de guardar delas os segredos. Eu vim aqui falar para que as palavras voltem, para que me perdoem a ignorância. Eu vim aqui e hoje sou nada sem as donas de mim; eu vim aqui porque sou um fantoche das palavras e todos os meus cordões são umbilicais.

Spam!

Quem nunca recebeu um spam? Seja você homem, mulher, hermafrodita, e até mesmo eunuco, várias pessoas querem que você faça seu pênis ficar maior. Acho que até Kid Bengala já recebeu um email desses…
Mas antes da invenção do computador, e da internet, como eram enviados esses malditos spam’s?


Acredito que Robinson Crusoé ficaria muito feliz em receber uma dessas.

Capinaremos.com

22 setembro 2010

Cansaços (II)

Já me abandona o cansaço, começa a retirar-se de mim, devagar, assim, como só tu e ele sabem fazer: a lentidão dos perdidos quando se afastam, o descolar lento e sentido de peles que quase se arrancam e vão atrás de algo que é tão meu como tu.

O cansaço deixa um homem nu; ele só conhece a palavra "não" e é contigo tão, tão parecido - um diabo triste e semi-abandonado pelas pessoas que nunca o pedem - que ao querer, confusa, abraçar-te me vi abraçada e rendida ao cansaço.

«Solidão» - por Rui Felício

Para uma bela mulher trintona, extrovertida, elegante, bonita e cheia de vida, como é a Deolinda, a solidão em que vive é incompreensível e começa a tornar-se-lhe insuportável.
Algo deprimida, resolveu ir ao médico, o Dr. Viriato, pedir ajuda para descobrir as razões do afastamento de todos quantos já viveram em sua casa consigo. E não foram poucos!
O médico, atento, foi ouvindo a descrição da vida de mulher adulta que ela, embora constrangida, lhe foi relatando.
Tem um bom emprego, ganha bem, vive numa bela casa com todo o conforto, mas, uma vez mais, completamente só.
Reconhece ter um temperamento talvez demasiadamente possessivo, um tanto autoritário, mas sempre tem procurado compensar esses defeitos com elevadas doses de carinho que deu àqueles que já viveram consigo e depois fugiram de casa e a abandonaram.
Sempre procurou satisfazer-lhes os mais pequenos caprichos, os mais insignificantes desejos. Enchia-os de meiguices, de beijos. Apertava-os contra o peito, sussurrava-lhes doces palavras de amor.
Qualquer deles escolhia o lado da cama que preferia, o lugar no sofá da sala onde queria ficar a descansar, o sitio da sala de jantar, da sala de estar ou da cozinha onde gostava mais de tomar as refeições.
Preparava-lhes as melhores iguarias, tentando ir de encontro aos seus gostos culinários.
Mas a verdade é que, quando tudo parecia estar a correr bem, eles saiam de casa para nunca mais voltar.
Aconteceu com o Fonseca há 10 anos, com o Mário há 7, com o Filipe há 4 e, mais recentemente com o Paulo.
Todos eles eram bonitos, bem constituídos, mas isso não era o mais importante para ela. Nunca se importou que fossem louros, morenos, peludos ou não. O que procurava era o carinho e a partilha de afectos que, na verdade, nunca teve de nenhum deles.
O médico interrompeu-a e perguntou-lhe se ela não seria excessivamente obsessiva com o bem-estar deles, cortando-lhes o mínimo de liberdade de que precisavam.
Ela, de olhos baixos, acenou afirmativamente com a cabeça. Confessou que, se calhar, com tanta vontade de os satisfazer, nem lhes deixava espaço para eles usufruírem a sua própria liberdade.
O Dr. Viriato aconselhou-a a encontrar outro companheiro e a ser menos possessiva, a dar-lhe o espaço de que qualquer um precisa para manter o seu carácter, a sua personalidade.
Passados meses a Deolinda voltou ao médico para lhe agradecer. Agora sim, tinha seguido o seu conselho e vivia feliz.
Rematou, antes de se despedir:
- O Sr. Doutor é um grande veterinário! O meu Jorge, o meigo Fox Terrier que agora vive comigo, é de todos o melhor e mais fiel companheiro que já tive!

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»

Postalinho da Nazaré


Que barraca...

«Afrodite» - livro de poesia da Paula Moreira

Já li e tenho guardadinho na minha colecção o livro de poesias e contos «Afrodite», de Paula Moreira, a nossa Maria Escritos.




A dedicatória humidificadora da Maria Escritos

Escolas recomendam dicionário com palavrões



HenriCartoon

21 setembro 2010

Quando permiti que entrasses dentro de mim, eu a fingir que não ia dando pela coisa, tu a entrares devagarinho, quando te abri a porta de casa, quando desviei o lençol para que te enfiasses comigo na minha cama, quando te disse em que armário da cozinha guardava os copos, quando te mostrei o caminho mais directo para o meu orgasmo e quando te desenhei os atalhos para que te perdesses em voltas e reviravoltas dentro de mim, não podia adivinhar que me deixarias esta feia cicatriz no peito.
Nua, perante ti, vi um dia o punhal na tua mão, esse punhal que era a mentira que me tinhas contado. Disseste que não devia preocupar-me. Guardarias o punhal, não o usarias em mim. Devagar, deixei o ar sair do peito, e baixei os braços, certa de que não precisaria de me defender.
A minha carne voltou a ser tua e os meus olhos iam deixando de espiar as tuas mãos, em busca do punhal. Acreditei, estava guardado, não o voltarias a empunhar.
Mentira, mentira, mentira. Mentiste-me quando mo prometeste e mentiste depois, quando eu estava distraída e fui surpreendida pela dor aguda, finíssima, profunda do teu golpe. Mentiste quando mascaraste as evidências, mentiste enquanto pudeste. Eu acreditei enquanto pude.
Agora já não posso. Não posso acreditar-te mas, sei lá como, ainda consigo querer-te. Mas quero-te desta maneira magoada, quero-te zangada, vingativa, quero-te mesmo quando é debaixo de outros que me deito e que me venho.
Toma-me assim.

[Medeia - blog Infidelidades]

Mergulho

Atrás dela, a confusão.
Vozes, burburinho, discussões, queixumes, gritos, sussurros, confusão.
À sua frente, a imensidão, a totalidade, o mar, a potência, o futuro cheio de presentes, o ribombar das ondas nas rochas. O tempo e o espaço abertos, sem quaisquer limites conhecidos.
Ficaria ali, em território confortavelmente conhecido, ou daria o salto?
Ser-lhe-ia permitido arriscar, ainda uma vez?

Sorriu.
Ao mesmo tempo que dava o impulso que lhe lançou o corpo para a frente, sabia que não poderia voltar atrás. E nem por um segundo se arrependeu, como nunca se arrependera dos passos que dera. Sempre em frente, rumo ao desconhecido, ao novo, à descoberta.

Quando despertou, pegou no telefone e marcou o número.
A voz do outro lado deu-lhe as boas vindas, do fundo do mar.

És especial!

Languidamente.
A volta custa o tempo
de um olhar.
As palavras nem se ouvem;
elas marcam um lapso
de segundo
e de lapsos não é feita
a vontade:
estática permanece.

Um olhar não custa
o tempo de uma volta;
as palavras ouvem-se
e a vontade não deixa
lapsos permanentes:
tu és especial!

Poesia de Paula Raposo

Isqueiro com cães. Quando o cão dá ao rabo, à cadela até lhe sai fogo pela boca...

Mais um isqueiro para a minha colecção.

20 setembro 2010

Lengalenga para os meninos grandes

Eu acho que os homens são todos mais novos que eu. Nuns dias deitam-se ao meu colo e noutros deitam-se no colo meu. Eu acho que os homens são todos mais novos do que eu. Contam-me da fome e têm sede, beijam-me exigentes mas na exigência de quem pede. E um seio é macio e é nuvem e é céu. E quando se entregam e se colam, ventre no ventre, devolvem-se ao ventre meu. Os de olhos perdidos das mãos, os de dias perdidos dos sonhos, os meus dedos lançados aos cabelos puxam-nos pelos braços, levo-os para terra pelos joelhos, aprendem-me desenhos de pequenos traços em pequenos, por vezes inseguros, passos. Eu acho que os homens são todos mais novos que eu; quando foram meninos, abri-lhes os braços e o meu peito cresceu e agora eu acho que os homens são todos mais novos do que eu.


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O Bartolomeu fez um comentário que tenho de transcrever aqui, pela Miss Joana Well... e por todos nós, que temos o privilégio de a ter como membrana deste blog:
"Miss, sabes o que te digo?
A autora deste texto, apesar de pequenino, merece receber, por aquilo que de verdade e de real ele encerra, o nóbel da literatura, acumulado com o nóbel da sabedoria e o nóbel da sensibilidade à essência humana.
Anda práí munta puta armada ao pingarelho, intituladas assistente sociais e mai'não sei quê, que não possuem um avo do teu saber, naquilo que diz respeito ao conhecimento do ser humano em toda a sua plenitude e genuinidade.
E penso que não tenho mai'nada para deixar escrito.
Ou por outra... muito mais haveria, para dizer escrevendo, mas não seriam mais que lugares comuns daquilo que já foi dito."

«As Mulheres e o Sexo»

"Um grupo de Mulheres dá voz aos temas mais divertidos e polémicos da sua intimidade amorosa. O que elas pensam verdadeiramente sobre o que se passa entre quatro paredes. Serão eles competentes e dedicados o suficiente no que fazem ou prometem?
«Os Homens e os Minetes», uma crónica de Ana Anes"



O Zedasquina mostrou-nos a resposta do Rui Unas: