02 outubro 2010

Madrugada

Daqui me vou.
Interrogo-me: daqui é o quê?
Que o sol trouxe a tua voz?
Qual o espanto da rota inesperada?
Que me dizes, que eu desconheça?
Por que hesitas – os passos –
na areia molhada?
São beijos de vida ou da vida te
penitencias?
Serenamente numa madrugada
por ousar:
Eu não hesito.

Poesia de Paula Raposo

01 outubro 2010

Técnicas de sedução

Volta e meia enfio a mão no bolso, e vou por aí dar uma voltinha virtual, assim como quem vai até ao Bairro Alto ver o “ambiente”, com a diferença de que o corpo fica em casa, e de que por ali não se bebem copos... E, então, por vezes, sou surpreendida por estes fenómenos:

Libélula:: Olá
X:: ola linda como te chamas
Libélula:: Libélula
Libélula:: que rapidez!
X:: es de ke zona de lisboa
Libélula:: acabo de criar o perfil
Libélula:: centro
Libélula:: e tu onde moras?
X:: oeiras, estas disponivel para 1 cafe
Libélula:: não
X:: Desligou
Libélula:: estou só a dar uma volta...

Observe-se com atenção esta técnica: 1… 2… convite para café à terceira linha; porta na cara à quarta! É muito charme!

PERFIL DE PREDADOR
ORIENTAÇÃO SEXUAL: definitivamente não gosta de mulheres.
COMPETÊNCIAS: tem jeito para a estenografia.
QUALIDADES: não é esquisito com a comida.
DEFEITOS: muito ruidoso (tem o mau hábito de bater as portas com força).
DISPONIBILIDADE: sempre a postos e pronto a saltar ao caminho, porque não há maneira de lhe cair alguma no prato.
CASAMENTO: só com “virgens” (conforme conceito apresentado no post “Putas para todos os gostos”).
MÉTODO DE CAÇA: a debilidade causada pela fome impedem-no de tentar atacar animais de grande porte, pelo que se conforma em esperar pacientemente que lhe apareça a jeito alguma gazelinha jovem, coxa, e muito distraída.
SEXUALMENTE: parece-se com uma porta: se se tem o azar de ir de encontro a ela, fica-se sempre com dor de cabeça.

NAS VEIAS DA GARGANTA

Entrou-me o teu livro a dentro. É fácil, imaginar a precipitação com que sobre ele eu toda me inclinei. Abri-o. Devorei-o!

Acendi-me num céu, apaguei nele o meu olhar, sentada, nua, nu incêndio, nas regiões ofuscantes. Maduras. Ferozes...

E de um único hausto, o bebi todo, num travo, que o teu talento é poeta, malicioso, de ideais perversos, em mim totalmente, no agora, submersos...

A nossa carne, única. Vibra, o tesão de baixo para cima. Nas embocaduras. Furiosas. Que crepitam.

És clarão, nas minhas pupilas, deslumbradas, no abrasar liríco dum pénis, no agora imensamente soldado à vagina histérica, em delírios de fêmea.

O esperma libertado [o teu que transborda no meu] evolou-se para as regiões em torno da pancada. Como um animal por mim escorre, passa, e por fim morre. E eu, durmo, com ele luzindo no cântaro da minha profunda boca...

Tanto espaço para a imaginação...

30 setembro 2010

Discriminação... positiva?

É na pacata aldeia de Cucugnan, no sopé do monte que ostenta o Castelo de Quéribus, no sul de França, que a solução para o estacionamento tomou caminhos tão…criativos...

...

Dezenas de clientes por noite. Não sei quantas dezenas mas são muitas. Todas as noites são diferentes. Todos os clientes são diferentes. Mas todos levam um sorriso. Mesmo quando não ficam satisfeitos com o serviço e me chamam incompetente e outros impropérios. Até gosto quando dão luta. Quando não se ficam apenas pelas palavras doces. Quando tentam levar-me ao limite. Sinto os níveis de adrenalina subir. Sinto-me espicaçada e sinto-me bem com isso. Muitos têm nome mas nenhum tem rosto. Alguns não querem pagar outros dizem que é muito caro. Mas a maioria sabe o quanto paga assim que me apresento. Quando me perguntam não sei responder se gosto ou se é demasiado desgastante. Limito-me apenas a sorrir e responder interiormente que esta não é a minha profissão, é apenas o meu trabalho.

Foto: Melanie Rodriguez

Pediu ao homem que lhe desse um título

Pediu ao homem que lhe desse um título. Um qualquer, uma só palavra bastaria. Qual? Não importa, de um princípio tudo escreveria. Gostava que assim fosse, um caminho que iniciava de um ponto alheio, desconhecido, inesperado. Pediu ao homem que lhe desse um título, assim, de mãos estendidas, de olhos fechados, como uma boneca que espera um nome, que pede um nome para se sentir gente, para abrir os olhos e começar. Por que início me hás-de começar, homem, por que nome me hás-de animar? Não sei, que importa? Viro-me para todos os lados e os trapos começam a rasgar; tenho que me apressar, homem, tenho que me apressar; é assim que acontece a quem habita um corpo como o meu, se não começo a caminhar em breve nem conseguirei sair daqui, o que me enche vai caindo no chão e, quando estiver vazia, cairei eu. Viro-me para todos os lados, sei que me estou a rasgar. Homem?

69 em cima dele

Medidas de austeridade



HenriCartoon

29 setembro 2010

«O pecado original» - por Rui Felício


A História de Adão e Eva (ou as razões por que nunca compreendi esta história...)
As dúvidas que a seguir exponho não são condicionadas pelo facto de sermos crentes, agnósticos ou ateus. Não é isso que está em causa, mas tão só a análise dos livros sagrados que, queira-se ou não, influenciaram e influenciam, para o bem e para o mal, as civilizações deste mundo.
Adão e Eva, segundo os livros sagrados do judaísmo, do islamismo e do cristianismo, foram a suprema obra de Deus que, ao sexto dia, com eles culminou a sua criação do mundo. Únicos seres a quem concedeu uma alma.
Colocou-os no Paraíso, onde lhes prometeu uma vida eterna, feliz e livre de todas as agruras, dificuldades e sofrimento.
Apesar de serem insondáveis os desígnios divinos, não compreendo que a criação de Adão e Eva como seres perfeitos, imunes e desconhecedores do pecado e da maldade, tenha ficado sujeita a um teste, para mim inexplicável, que consistiu no cumprimento escrupuloso da proibição de tocarem ou de se servirem dos frutos da árvore da ciência, continente da percepção e conhecimento dos conceitos do bem e do mal.
De facto, Deus é caracterizado em todos os livros sagrados como um ser infinitamente perfeito, omnipotente, misericordioso e bom. Poderia portanto, se quisesse, ter mantido o homem e a mulher eternamente perfeitos, sem necessidade de os sujeitar a qualquer teste.
Porque lhes proibiu então o acesso à árvore da ciência? Ameaçando-os com a morte e o sofrimento em caso de desobediência? No seu infinito poder, poderia ter inibido as suas dilectas criaturas de se arriscarem a tal teste. Poderia ter-lhes permitido serem sempre felizes e desconhecedores do mal. Porque não o fez?
E, na sua infinita misericórdia, porque não lhes perdoou o pecado cometido?
Faz-nos pensar que Deus não queria realmente que Adão e Eva vivessem eternamente no Paraíso.
Mas se assim foi, porque lhes mostrou o Eden?
Omnipotente como era, porque não os colocou logo na terra do sofrimento e do pecado, se essa era a sua vontade, como parece?
A tal árvore, uma macieira, segundo se fez constar ao longo de milénios, deveria ter sido, em minha opinião e mais apropriadamente, uma bananeira. Sim, porque foi uma verdadeira casca de banana aquilo que Deus colocou à frente de Adão e Eva!
.....................
Mas o que mais me espanta nesta história é o papel do Adão. Quando questionado severamente por Deus sobre se tinha comido o fruto proibido, em vez de confessar a sua desobediência, procurou logo um bode expiatório a quem tentou endossar a sua responsabilidade. Ou seja, em lugar de assumir galhardamente o alegado pecado, desculpou-se dizendo que foi ela, a Eva, quem lhe deu a maçã a comer.
Parece que o estou a ver com ar ingénuo a dizer a Deus:
- Eu não tive culpa! Foi ela!
Típico de tantos e tantos homens actuais, afinal!
É por isso que, como homem, me envergonho do Adão!
É por isso que, sendo homem, admiro a Eva que não refreou o seu impulso de legítima curiosidade.
E que assumiu o que fez sem procurar culpar o fraco Adão!

Rui Felício
Blog «Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos»

Eco simples

Um instante de areia passa-me entre dedos.

Eu, tão pequena, tão quieta, que posso eu fazer?
Apenas deixar cair, silencioso, esse grão que um dia te vi no olhar. E o agora, o agora tão vazio.
Mas, ontem, ontem aqui ficou,
a morar, escondido, entre os meus dedos, nas minhas mãos de pele tua, nos meus olhares de pedidos simples, no eclipse que já foste tu, entre os meus braços.
Lá fora, o vento e o lago continuam. Só um silêncio de ternura se perdeu, só um caminho tacteado em ti, na tua cor, nos teus ombros. Mas o mapa, o mapa ficou; a memória de ti, aos meus dedos, é uma ardósia, olha as manchas de giz; a memória de ti, aos meus medos, é um grito, olha os rasgões do eco.
Descobrimos a eternidade nas despedidas. Tantas palavras, tantas vezes e tudo o que dizemos - afinal - é adeus.

Dãããã...


A expressão universal masculina.

Capinaremos.com

28 setembro 2010

A desculpa mais esfarrapada do mundo

"Não temos nada que ver um com o outro, desculpa."

Ouviu-se a proferir a desculpa mais esfarrapada do mundo.
Aquela que camufla todas as verdadeiras razões - as miudinhas, as neuróticas, as que de facto a enlouquecem: a mania de usar calças um número acima, de falar por cima dela, de achar que tem um cabelo Panténe, de não lhe telefonar mal acorda, de não estar apaixonado pelos amigos dela, de não a deixar em paz, de desaparecer ser avisar, de ter a mania que a conhece (a sobranceria de nem lhe ler o blogue...), de lavar as mãos sempre que mexe num bicho.

Sabia que estava a dar-lhe a desculpa mais vaga e, por isso, menos aceitável que há para dar.
E tinha a certeza que, de todas, seria a que ele preferia ouvir.