02 abril 2011
01 abril 2011
A impossibilidade
Estava sentado a trabalhar enquanto o Sol do final de dia me banhava a face. Laranja e quente, como sempre naquele local, à medida que o Sol desce a Oeste e recorta a Serra. Devia estar perdido na resolução de problemas para não a ouvir entrar na sala. Chegou até mim pelas minhas costas, e só me dei conta de não estar sozinho quando a mão esquerda dela me tocou o ombro, e lá ficou por uns instantes. Não me assustei, apenas me recostei e inclinei a cabeça um pouco até tocar o seu braço.
Puxou a cadeira para trás e veio para a minha frente. O laranja do Sol já não recortava apenas o topo da Serra. Recortava as coxas e a cintura de quem ali se apresentava, nua, perante mim. Ajeitou-se numa das minhas pernas e assim se manteve, em movimentos de fricção ritmada, enquanto o seu entumescimento se enervava no contacto com a minha perna. Cresceram os sons das articulações da cadeira, guinchando como que contrariada, aumentou o movimento, até ficar ritmicamente descontrolado e expirar, baixinho, recompondo os cabelos com uma mão e com a outra segurando algum suor que queria escorrer-lhe pelo peito.
E depois levantou-se. Ficámos a olhar-nos nos olhos enquanto ela se levantava, enquanto se erguia, e eu atónito. Recuou, e voltou a empurrar-me para junto da mesa. Sorriu, quase trocista, e correu em direcção à porta. E eu fiquei ali, estupefacto, com as calças, numa das pernas, humedecidas e exalando como que incenso, de novo a olhar o cursor a piscar no monitor do computador, de novo com o Sol laranja a banhar-me parte do rosto, ainda com adrenalina a correr-me no sangue, e suor, como se tivesse corrido encosta acima. Incapaz de me mover.
Segredar
Tento escrever até ao teu peito
deixa-o aberto, eu só quero ler
eu só te quero ver, sim, prometo
eu não conto; nada, tudo, nada
volto à tona amordaçada
não volto até me perder
do medo de me perder, corto
e entro a direito, nascer e morrer
e morrer e nascer no que foi escrito
no vazio do que ficou por escrever
no espaço do incompleto
no imperfeito espaço
sozinho entre cada nosso traço
tento escrever, deixa-o aberto
eu só quero ler, só te quero ver
sim, prometo.
deixa-o aberto, eu só quero ler
eu só te quero ver, sim, prometo
eu não conto; nada, tudo, nada
volto à tona amordaçada
não volto até me perder
do medo de me perder, corto
e entro a direito, nascer e morrer
e morrer e nascer no que foi escrito
no vazio do que ficou por escrever
no espaço do incompleto
no imperfeito espaço
sozinho entre cada nosso traço
tento escrever, deixa-o aberto
eu só quero ler, só te quero ver
sim, prometo.
31 março 2011
Carta ao Viajante (VIII)
Os tolos e os loucos são os optimistas e os fatalistas; excluo os débeis e os poetas, para eles qualquer girassol pode ser trágico, qualquer girassol pode ser tesouro. Os poetas são dragões - já to disse - tu és dragão. Não são tolos, talvez nem loucos ainda. E eu nem sou poeta, sou dos tolos ainda por enlouquecer; continuo a dizer-me desenho desanimado, continuo a dizer as palavras legendas atrapalhadas de mim.
Optimismo ou fatalismo são apenas placebo para o realismo. Nada há de mais violento que o real, nem sequer o pesadelo. Nada há de mais violento que a surdez hermética, estanque, do tempo, do movimento de rotação da terra, de podermos girar sobre nós e continuarmos a bater contra paredes em cada ângulo, em cada desangulo aguçado, em cada ponta fria. Nem os meus pesadelos mais negros, os da besta, do rascunho 666, são surdos; durante a noite nunca gritei mais que duas ou três vezes até que me ouvissem e me devolvessem, estupefactos, pasmados, afinal estiveram muito aquém do terror da realidade e esta é que me fez cessar o grito, como se eu preferisse o buraco negro na parede em vez do quadro escuro.
O que o desenho desanimado tem é medo, um medo que vai falando baixinho, vai avisando que toda a tragédia que habita numa memória pode redesenhar-se, e a memória nunca engole para o seu fundo, o quarto do fundo dos esquecidos, o aviso manso, o sopro ténue do medo. É então que me transformo numa optimista, que me lembro das mil histórias que escreverei se formos ao Cristo-Rei, o medo avisa da tragédia que pode voltar mas trai-se e faz-me lembrar que agora, se a tragédia está para a frente, também a deixei para trás; tudo brilha nos entretantos e as entrelinhas sempre foram muito mais cheias que as linhas; há caminho, é na direcção das garras que se hão-de fechar sobre mim mas se há caminho, se não sinto um dedo no pescoço, eu quero ver o Cristo-Rei e saber doer nas tuas linhas, ver em que traços teus escreveste sobre lâminas, cortar os olhos, isto tudo é voar nas asas e no fogo do dragão.
Optimismo ou fatalismo são apenas placebo para o realismo. Nada há de mais violento que o real, nem sequer o pesadelo. Nada há de mais violento que a surdez hermética, estanque, do tempo, do movimento de rotação da terra, de podermos girar sobre nós e continuarmos a bater contra paredes em cada ângulo, em cada desangulo aguçado, em cada ponta fria. Nem os meus pesadelos mais negros, os da besta, do rascunho 666, são surdos; durante a noite nunca gritei mais que duas ou três vezes até que me ouvissem e me devolvessem, estupefactos, pasmados, afinal estiveram muito aquém do terror da realidade e esta é que me fez cessar o grito, como se eu preferisse o buraco negro na parede em vez do quadro escuro.
O que o desenho desanimado tem é medo, um medo que vai falando baixinho, vai avisando que toda a tragédia que habita numa memória pode redesenhar-se, e a memória nunca engole para o seu fundo, o quarto do fundo dos esquecidos, o aviso manso, o sopro ténue do medo. É então que me transformo numa optimista, que me lembro das mil histórias que escreverei se formos ao Cristo-Rei, o medo avisa da tragédia que pode voltar mas trai-se e faz-me lembrar que agora, se a tragédia está para a frente, também a deixei para trás; tudo brilha nos entretantos e as entrelinhas sempre foram muito mais cheias que as linhas; há caminho, é na direcção das garras que se hão-de fechar sobre mim mas se há caminho, se não sinto um dedo no pescoço, eu quero ver o Cristo-Rei e saber doer nas tuas linhas, ver em que traços teus escreveste sobre lâminas, cortar os olhos, isto tudo é voar nas asas e no fogo do dragão.
Procura Nocturna
Procuro-te...
Quero saber de ti quando estou em leito de sono; quero saber-te repousada e feliz à procura de braços de conforto em mim.
Encontro a tua procura, o medo e a insegurança de já não quereres perder aquilo que não sabias fazer-te falta, noutro tempo, noutra vida.
Procuro-te entre os lençóis de cama feita de sonhos, e estás lá... serena e tranquila como só assim me habituei a conhecer-te;
Como só assim desejo viver.
30 março 2011
Postalinho de Espanha
"Para a tua colecção, São.
A foto foi-me enviada por amigos meus em Espanha, mais propriamente perto de Lepe, uma casa rural muito gira e que tem cenas giras!
Conceptus Nus"
Entretanto, nos comentários:
Libélula Purpurina: "Assim, sim!"
São Rosas: "Há ali um que não dá para cabide."
Libélula Purpurina: "Aquilo com um estimulozinho ia lá..."
shark: "Ai sim? Por exemplo?"
Libélula Purpurina: "Queres que te faça um desenho?"
São Rosas: "Sim! Sim!"
E ela fez o desenho:
A foto foi-me enviada por amigos meus em Espanha, mais propriamente perto de Lepe, uma casa rural muito gira e que tem cenas giras!
Conceptus Nus"
Entretanto, nos comentários:
Libélula Purpurina: "Assim, sim!"
São Rosas: "Há ali um que não dá para cabide."
Libélula Purpurina: "Aquilo com um estimulozinho ia lá..."
shark: "Ai sim? Por exemplo?"
Libélula Purpurina: "Queres que te faça um desenho?"
São Rosas: "Sim! Sim!"
E ela fez o desenho:
A dois tempos
Devagar.
A mão que segue o olhar, suave sobre a pele a deslizar sensações, a despertar emoções tão belas mas adormecidas.
Sem pressa.
À espera que apeteça algo mais ainda, a estudar, e a outra mão a agarrar com mais firmeza, conhecedora, alardeando a certeza de quem conhece o caminho, outros desbravou, a mão que agarrou e agora convoca a outra para a acompanhar numa dança e o ritmo marcado pela confiança na interpretação dos sinais, queres muito, queres mais, e o olhar aquecido pelo reflexo do prazer num rosto de mulher, as unhas cravadas no chão, a mudança da expressão para melhor, ainda mais bonita, o corpo que se agita e os olhares trocados na hora de procurar outro passo por dar na viagem, apreciando a paisagem com o olhar que segue o movimento da boca que fala sem nexo no delírio do sexo que parece ideal, perfeito naquele momento, guardado para sempre no tempo que a memória existir, entrelaçados os corpos que anseiam repetir o que nem pára sequer.
Um homem e uma mulher.
Devagar.
Ou mais depressa, a seguir a um longo beijo.
Tanto faz...
Se nos olhos se espelhar o desejo de que aconteça outra vez.
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