Os tolos e os loucos são os optimistas e os fatalistas; excluo os débeis e os poetas, para eles qualquer girassol pode ser trágico, qualquer girassol pode ser tesouro. Os poetas são dragões - já to disse - tu és dragão. Não são tolos, talvez nem loucos ainda. E eu nem sou poeta, sou dos tolos ainda por enlouquecer; continuo a dizer-me desenho desanimado, continuo a dizer as palavras legendas atrapalhadas de mim.
Optimismo ou fatalismo são apenas placebo para o realismo. Nada há de mais violento que o real, nem sequer o pesadelo. Nada há de mais violento que a surdez hermética, estanque, do tempo, do movimento de rotação da terra, de podermos girar sobre nós e continuarmos a bater contra paredes em cada ângulo, em cada desangulo aguçado, em cada ponta fria. Nem os meus pesadelos mais negros, os da besta, do rascunho 666, são surdos; durante a noite nunca gritei mais que duas ou três vezes até que me ouvissem e me devolvessem, estupefactos, pasmados, afinal estiveram muito aquém do terror da realidade e esta é que me fez cessar o grito, como se eu preferisse o buraco negro na parede em vez do quadro escuro.
O que o desenho desanimado tem é medo, um medo que vai falando baixinho, vai avisando que toda a tragédia que habita numa memória pode redesenhar-se, e a memória nunca engole para o seu fundo, o quarto do fundo dos esquecidos, o aviso manso, o sopro ténue do medo. É então que me transformo numa optimista, que me lembro das mil histórias que escreverei se formos ao Cristo-Rei, o medo avisa da tragédia que pode voltar mas trai-se e faz-me lembrar que agora, se a tragédia está para a frente, também a deixei para trás; tudo brilha nos entretantos e as entrelinhas sempre foram muito mais cheias que as linhas; há caminho, é na direcção das garras que se hão-de fechar sobre mim mas se há caminho, se não sinto um dedo no pescoço, eu quero ver o Cristo-Rei e saber doer nas tuas linhas, ver em que traços teus escreveste sobre lâminas, cortar os olhos, isto tudo é voar nas asas e no fogo do dragão.