Necessidade de isolar um tempo
Inexistente
Num mecanismo infalível
De obstrução.
Tal como as cerejas
As horas enrolam-se
E partem-se em ânsia
De as saborear.
Revela-se então
A desoras
A tempestade imutável.
Poesia de Paula Raposo
Fez-se silêncio. Sepulcral. Assustador. E não aconteceu nada. Deixaram-no sentado, amarrado a uma cadeira com fita adesiva nos punhos e nos tornozelos, enquanto deixavam vagos os seus lugares no anfiteatro. A pena era, afinal, esta. A de conhecer os seus crimes e ser ignorado a seguir. O degredo.O anfiteatro tinha começado a esvaziar-se. Havia o silêncio a preenchê-lo, tanto o dele, de pasmo, quanto o das suas acusadoras, que abandonavam ordeiramente o local, conferindo a tudo aquilo uma aura cerimonial, de passos bem coordenados, de entendimentos, de um procedimento muito bem estudado. Quando se sentiu sozinho achou por bem manter-se silencioso, mas começou a agitar-se na cadeira, tentando enfraquecer a fita que o segurava. Mas o esforço era inglório. Quando mais se torcia, mais a fita parecia endurecer, sem dar qualquer folga. Havia já a dor no corpo e uma sensação de desespero. Não sabia onde estava, não sabia que dia era, não fazia qualquer ideia de quando (e se) alguém viria socorrê-lo.