Anteriormente, em O julgamento:
Decidiu parar. Baixando a cabeça, para se recompôr de uma respiração mais agitada, aguçou a audição. Detectou passos, vindos de trás, do sítio por onde tinham entrado com ele inicialmente. Não conseguia ver. Gritou por ajuda e balançou-se na cadeira para fazer ainda mais barulho, mas o empenho foi tal que acabou por conseguir tombar, caindo de lado, desamparado. Alguém o ouviria, por certo. E os passos estavam mais próximos. Tombado no chão, e ainda por cima de costas para a porta, não conseguia ver quem se aproximava. Os passos tornaram-se mais lentos e eram novamente saltos. Era mulher.
"Acreditaste mesmo que fosse possível deixar-te ficar aqui, ou deixar-te ir sem que pagasses?", atirou-lhe, quase trocista. A face dele transformou-se da dôr em espanto. "Tu?". Era ela. De pé, ao lado dele, preso à cadeira com fita adesiva. Com saltos altos, saia e casaco, as mãos na cintura, e o cabelo solto. Olhava-o quase sem expressão. Ao baixar-se, frente a ele, flectiu as pernas e nesse misto de provocação, enquanto um dos seus joelhos tocava o chão, deixava-o ver a linha das coxas entre a saia, e dizia-lhe "Não acabou". Correram outras mulheres em direcção àquele palco e pegaram na cadeira, puseram-na direita, e cortaram-lhe as fitas. Tentou debater-se, mas era escusado. Perdeu os sentidos ao mesmo tempo que sentia uma agulhada forte. Tinha sido sedado.
Veio a si totalmente despido, o que, já de si, era uma vergonha. Os seus encantos, como se havia percebido no julgamento, não eram de natureza física, excepto talvez pelas características do seu toque, mas ninguém ali parecia ter interesse nisso, ou em ouvi-lo falar sobre sedução, amor e sexo. Já não existiam fitas adesivas a segurá-lo a uma cadeira. Nem sequer existia uma cadeira naquela cave. Parecia-lhe uma cave porque não vislumbrava janelas. Estava deitado no que lhe parecia ser uma marquesa. Preparava-se para tocar o chão com os pés quando pela porta entraram mulheres. De novo aquelas mulheres que tinham estado em frente a ele durante o julgamento. Com uma diferença assinalável. Muito assinalável. Estavam tão nuas quanto ele. E assim se percebia porque raio estava tão quente aquele espaço, numa altura do ano em que o frio impera. E, ainda sem certezas, desconfiava ele que a coisa ainda ia aquecer mais. Não estaria longe da verdade.
Aproximou-se de novo a mulher que parecia dirigir as hostilidades. Despojada das suas vestes, como todas as outras. Disse-lhes "segurem-no". "Eh lá, tenham lá..." e nem sequer acabou a frase, porque foi de imediato agarrado e vendado, forçado a deitar-se e silenciado com uma mão que lhe cobriu a boca enquanto ela lhe dizia para estar quieto, que era melhor para ele - e bem mais rápido - aceitar o facto de estar em clara desvantagem numérica. Deram-lhe a tomar comprimidos, e poucos instantes depois sentiu uma vulva pousar sobre a sua cara, enquanto outras humidades lhe tocavam as pernas e o pénis. Vendado e perturbado, tinha dificuldade em entender o que era o quê, mas havia poucas hipóteses. Sabia-se rodeado de mulheres nuas, era óbvio que a intenção delas era ter sexo com ele. Algum tipo de sexo. Fazê-lo pagar pela falta de sexo de que o tinham acusado. E, agora, num contexto de humilhação, num formato forçado, fazendo-o entender que a vontade delas imperava sobre a dele, e que nem sequer era dono e senhor do seu desejo, da sua anatomia e função eréctil. Elas queriam, e iam ter.
Durante horas foi feito objecto. Não sabe se foram todas, ou quem foram, as mulheres que se fizeram penetrar por ele, que se esfregaram no seu corpo, que o forçaram a cunnilingus contrafeitos. Houve orgasmos, por certo. Aos seus ouvidos chegaram muitos gemidos de prazer, e ele mesmo não conseguiu evitar os seus, em alguns momentos. Tudo aquilo era, no mínimo, sinistro. A junção da tortura com breves momentos de genuíno prazer, apesar da falta de controlo e da negação de algo que teria sido fundamental se aquele fosse um contexto consentido: a imagem.
Acordou sentado dentro do carro, com as portas abertas e a chave do carro dentro do bolso. Pegou-lhe e rodou-a na ignição para ver as horas. O relógio marcava 05:55, e era ainda noite muito fechada. Parecia-lhe ser o único no estacionamento e sentia-se perdido. Não sabia o que estava a fazer ali, só se lembrava de ter estado num jantar com colegas de trabalho, mas sentia-se muito cansado. Ao ajeitar-se no banco do carro sentiu os músculos extremamente tensos, e uma dôr imensa na genitália que lhe causou um apreciável esgar de sofrimento. E até movimentar a cabeça era terrível, tinha o pescoço extremamente dorido, a língua magoada e a cara como se tivesse sido passada com lixa. Levantou-se a custo para sair do carro e olhar à volta, tentar compôr a roupa que lhe estava a assentar mal. Esticar-se um pouco. Ao fazê-lo, veio em sua direcção uma senhora. Jovem e composta. Perguntou-lhe se estava bem. Respondeu-lhe que sim e disfarçou dizendo que procurava as chaves de casa, que lhe deviam ter caído por ali algures. Ela sorriu e disse-lhe "já procurou no porta-luvas?", e afastou-se, caminhando rápida sobre os seus saltos altos, com saia e casaco e os longos cabelos ao vento.
Fez-se silêncio. Sepulcral. Assustador. E não aconteceu nada. Deixaram-no sentado, amarrado a uma cadeira com fita adesiva nos punhos e nos tornozelos, enquanto deixavam vagos os seus lugares no anfiteatro. A pena era, afinal, esta. A de conhecer os seus crimes e ser ignorado a seguir. O degredo.O anfiteatro tinha começado a esvaziar-se. Havia o silêncio a preenchê-lo, tanto o dele, de pasmo, quanto o das suas acusadoras, que abandonavam ordeiramente o local, conferindo a tudo aquilo uma aura cerimonial, de passos bem coordenados, de entendimentos, de um procedimento muito bem estudado. Quando se sentiu sozinho achou por bem manter-se silencioso, mas começou a agitar-se na cadeira, tentando enfraquecer a fita que o segurava. Mas o esforço era inglório. Quando mais se torcia, mais a fita parecia endurecer, sem dar qualquer folga. Havia já a dor no corpo e uma sensação de desespero. Não sabia onde estava, não sabia que dia era, não fazia qualquer ideia de quando (e se) alguém viria socorrê-lo.
Decidiu parar. Baixando a cabeça, para se recompôr de uma respiração mais agitada, aguçou a audição. Detectou passos, vindos de trás, do sítio por onde tinham entrado com ele inicialmente. Não conseguia ver. Gritou por ajuda e balançou-se na cadeira para fazer ainda mais barulho, mas o empenho foi tal que acabou por conseguir tombar, caindo de lado, desamparado. Alguém o ouviria, por certo. E os passos estavam mais próximos. Tombado no chão, e ainda por cima de costas para a porta, não conseguia ver quem se aproximava. Os passos tornaram-se mais lentos e eram novamente saltos. Era mulher.
"Acreditaste mesmo que fosse possível deixar-te ficar aqui, ou deixar-te ir sem que pagasses?", atirou-lhe, quase trocista. A face dele transformou-se da dôr em espanto. "Tu?". Era ela. De pé, ao lado dele, preso à cadeira com fita adesiva. Com saltos altos, saia e casaco, as mãos na cintura, e o cabelo solto. Olhava-o quase sem expressão. Ao baixar-se, frente a ele, flectiu as pernas e nesse misto de provocação, enquanto um dos seus joelhos tocava o chão, deixava-o ver a linha das coxas entre a saia, e dizia-lhe "Não acabou". Correram outras mulheres em direcção àquele palco e pegaram na cadeira, puseram-na direita, e cortaram-lhe as fitas. Tentou debater-se, mas era escusado. Perdeu os sentidos ao mesmo tempo que sentia uma agulhada forte. Tinha sido sedado.
Veio a si totalmente despido, o que, já de si, era uma vergonha. Os seus encantos, como se havia percebido no julgamento, não eram de natureza física, excepto talvez pelas características do seu toque, mas ninguém ali parecia ter interesse nisso, ou em ouvi-lo falar sobre sedução, amor e sexo. Já não existiam fitas adesivas a segurá-lo a uma cadeira. Nem sequer existia uma cadeira naquela cave. Parecia-lhe uma cave porque não vislumbrava janelas. Estava deitado no que lhe parecia ser uma marquesa. Preparava-se para tocar o chão com os pés quando pela porta entraram mulheres. De novo aquelas mulheres que tinham estado em frente a ele durante o julgamento. Com uma diferença assinalável. Muito assinalável. Estavam tão nuas quanto ele. E assim se percebia porque raio estava tão quente aquele espaço, numa altura do ano em que o frio impera. E, ainda sem certezas, desconfiava ele que a coisa ainda ia aquecer mais. Não estaria longe da verdade.
Aproximou-se de novo a mulher que parecia dirigir as hostilidades. Despojada das suas vestes, como todas as outras. Disse-lhes "segurem-no". "Eh lá, tenham lá..." e nem sequer acabou a frase, porque foi de imediato agarrado e vendado, forçado a deitar-se e silenciado com uma mão que lhe cobriu a boca enquanto ela lhe dizia para estar quieto, que era melhor para ele - e bem mais rápido - aceitar o facto de estar em clara desvantagem numérica. Deram-lhe a tomar comprimidos, e poucos instantes depois sentiu uma vulva pousar sobre a sua cara, enquanto outras humidades lhe tocavam as pernas e o pénis. Vendado e perturbado, tinha dificuldade em entender o que era o quê, mas havia poucas hipóteses. Sabia-se rodeado de mulheres nuas, era óbvio que a intenção delas era ter sexo com ele. Algum tipo de sexo. Fazê-lo pagar pela falta de sexo de que o tinham acusado. E, agora, num contexto de humilhação, num formato forçado, fazendo-o entender que a vontade delas imperava sobre a dele, e que nem sequer era dono e senhor do seu desejo, da sua anatomia e função eréctil. Elas queriam, e iam ter.
Durante horas foi feito objecto. Não sabe se foram todas, ou quem foram, as mulheres que se fizeram penetrar por ele, que se esfregaram no seu corpo, que o forçaram a cunnilingus contrafeitos. Houve orgasmos, por certo. Aos seus ouvidos chegaram muitos gemidos de prazer, e ele mesmo não conseguiu evitar os seus, em alguns momentos. Tudo aquilo era, no mínimo, sinistro. A junção da tortura com breves momentos de genuíno prazer, apesar da falta de controlo e da negação de algo que teria sido fundamental se aquele fosse um contexto consentido: a imagem.
Acordou sentado dentro do carro, com as portas abertas e a chave do carro dentro do bolso. Pegou-lhe e rodou-a na ignição para ver as horas. O relógio marcava 05:55, e era ainda noite muito fechada. Parecia-lhe ser o único no estacionamento e sentia-se perdido. Não sabia o que estava a fazer ali, só se lembrava de ter estado num jantar com colegas de trabalho, mas sentia-se muito cansado. Ao ajeitar-se no banco do carro sentiu os músculos extremamente tensos, e uma dôr imensa na genitália que lhe causou um apreciável esgar de sofrimento. E até movimentar a cabeça era terrível, tinha o pescoço extremamente dorido, a língua magoada e a cara como se tivesse sido passada com lixa. Levantou-se a custo para sair do carro e olhar à volta, tentar compôr a roupa que lhe estava a assentar mal. Esticar-se um pouco. Ao fazê-lo, veio em sua direcção uma senhora. Jovem e composta. Perguntou-lhe se estava bem. Respondeu-lhe que sim e disfarçou dizendo que procurava as chaves de casa, que lhe deviam ter caído por ali algures. Ela sorriu e disse-lhe "já procurou no porta-luvas?", e afastou-se, caminhando rápida sobre os seus saltos altos, com saia e casaco e os longos cabelos ao vento.
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