28 julho 2011

E os homens também.

Sentado na esplanada, B. vê A. caminhando com ar perdido e acena-lhe para o chamar. A. retribui o aceno com aparente dificuldade e caminha lentamente na direcção do amigo. Sem falar, puxa uma cadeira, deixa-se cair como se tivesse sido baleado naquele momento e fica aparvalhado a olhar para o horizonte, no caso a fachada em ruínas de um prédio do outro lado da rua. B. que lhe conhece os exagerados gestos teatrais a pedirem tortuosas explicações, bebe metade da imperial, agarra meia dúzia de tremoços para ir debulhando como pipocas no cinema e pergunta sem preâmbulos:
– Então, o que foi agora?
A., suspira ruidosamente recuperando vitalidade (mas pouca), estica o braço para colher uma mão cheia de sementes amarelas demolhadas em água e sal, ergue um dedo a pedir uma imperial, ergue outro a pedido de B., espera que o empregado lhe veja os dois dedos no ar e, quando isso acontece, aponta para o copo quase vazio de B.
– Ó pá... – A. interrompe-se para descascar e comer um tremoço, numa sucessão perfeita de movimentos mínimos mas absolutamente eficazes, e, depois de deglutida a semente cozida, continua com ar sofrido: – Não me digas nada... não me digas nada.
B. bebe o resto da cerveja, pensa como era bom se isso resultasse e murmura:
– Se eu não disser nada tu também não dizes?
– O quê?! Estás a rezar ou quê?
– Não. Estava a pensar numa coisa.
– Ah... Quem me dera ser assim, a poder pensar noutras coisas, a poder estar sentado como tu, despreocupadamente, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços...
– Pois é... – B. mantém-se sério. – Ás vezes, as pessoas nem percebem a sorte que têm em poder estar assim, sentados, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços... Aliás,...
A. concorda movendo a cabeça em câmara-lenta, com o ar cómico de quem vai desfalecer se continuar a concordar com tanto empenho.
B. olha-o, percebe que A. não o ouve e só espera que ele se cale para desfiar as suas últimas e insuperáveis tragédias, e conclui:
– Aliás, parece-me que há pessoas que mesmo quando estão sentadas numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços não sabem que aí estão e que, se depois lhes perguntarem, negam ou então dizem que só lá estiveram por absoluto altruísmo para acompanhar um amigo, só por isso, e só beberam uma imperial e comeram um tremoço por solidariedade e com muito esforço.
– Pois é... – A cabeça de A. continua a pender e a subir e a pender e a subir como se tivesse ganho autonomia. – Ó pá mas tu nem sabes o que me aconteceu...
– Mas vou saber.
– As gajas são todas iguais. Não há uma que se aproveite.
– Essa é que é uma grande verdade – intromete-se o empregado, que pousa as duas imperiais e, agarrando no copo vazio, declara enfático, antes de se afastar: – Leiam os meus lábios: Ne-nhu-ma! Nem uma, amigos!
B. não comenta, agarra no copo cheio e dá dois goles. A. agarra no seu copo e acompanha-o, depois, a cabeça, logo que a boca se vê livre do copo, volta por motu próprio ao anterior movimento pendular e, por fim, diz:
– É que quando querem alguma coisa de um gajo – "Mas alguém quer alguma coisa de ti?" admira-se o amigo –, não o largam, andam atrás, não descolam, e isto e aquilo, e que torna e que deixa e ronhonhó...
– E re-béu-béu pardais ao ninho...
– Pois é – anui A., pondo na boca todos os tremoços que tem na mão, sem os descascar, uns sete ou oito, que come de boca aberta ante o olhar espantado de B., e, ainda com a boca cheia e a cuspir pedaços amarelos, continua: – Depois de terem o que querem, deixam de nos ligar e um gajo que se lixe!
A. espera que B. concorde mas este, hipnotizado pelo espectáculo amarelo, branco e cor-de-rosa que se desenvolve na boca de A. e arredores, demora a perceber e só depois de um "Não achas?" sibilino e amarelecido de A., replica, sem saber do que está a falar:
– Podes crer.
Satisfeito, A. bebe o resto da sua imperial para empurrar a massa de tremoços e cascas que não tinham sido engolidas ou expelidas como projécteis e conclui:
– É que são todas. As mulheres são todas iguais!
– Mas há umas que são mais iguais do que outras – replica B.
– É, lá isso é – concorda A. imediatamente, sem ouvir, mais preocupado em ser visto pelo empregado e garantir a pronta reposição de cerveja na mesa do que com o rumo da conversa. – Queres outra? É que hoje estão a escorregar que é uma maravilha!
B. diz que sim, que quer, que sim, que estão, e sorri satisfeito, mas com uma ponta de remorso, certo da inevitabilidade de ter de ouvir o que aconteceu a A. mas seguro de que isso só acontecerá quando ele próprio já estiver alcoolicamente preparado para tal.

No teu abraço




Foto: Shark

No teu abraço há cheiro, há cor, há uma onda de calor sem igual, um conforto especial que me envolve e me prende e muito me seduz. Ao teu abraço me entrego, tão feliz como um cego a quem oferecem a luz.

Skittles - «Partilha o arco-íris, prova o arco-íris»


Skittles - "Newlyweds" - Dir. Cousins [ORIGINAL LINK] from Cousins on Vimeo.

"A culpa é toda tua!"

Crica para veres toda a história
A mulher esquisita


1 página

oglaf.com

27 julho 2011

Está (porno)gráfico o bastante ou é preciso fazer um desenho?

A pornografia, essa sexipédia do adolescente comum, sempre teve um estatuto marginal que, de resto, parece cobrir-lhe bem as partes de fruto proibido e por isso ainda mais apetecível para quem está sedento de aprendizagem de matérias que não se ensinam nas escolas.
Desde a puberdade nós gajos desenvolvemos essa arte da clandestinidade, da ocultação de pecados, e o estimulante exercício mental de improvisar o melhor esconderijo secreto para as Gina ou Weekend Sex acabou por preparar muitos para a idade adulta e respectivas contingências.
Esse é apenas um dos argumentos favoráveis à existência da pornografia que gerações de falsos puritanos têm tentado, sem sucesso, banir dos hábitos de consumo da mesma rapaziada.
Acaba por ser fácil desmantelar a retórica puritana, bastando um nível sofrível de inteligência, um valor residual de bom senso e uma pitada de humor.
Por exemplo: um dos clássicos da argumentação dos contras é o facto de a pornografia fomentar a frustração por recriar proezas fora do alcance do cidadão comum. Pois, pois…
Só faz bem a estes jovens moinantes serem ambiciosos ao ponto de tentarem igualar as tais proezas, de renegarem a preguiça e irem à luta com o máximo de fervor.
Não conseguem imitar o John Holmes no comprimento? Dêem o litro na duração. E se não conseguirem, pelo menos estiveram entretidos a tentar.
Se alguns, coitadinhos deles, ficam frustrados por não darem três minutos quanto mais três seguidas em vez de se motivarem para fazerem melhor na próxima é porque são mesmo assim e a pornografia não passa de mais um filtro para distinguir os incapazes. A vida está cheia disso, coisas muito mais feias e traumatizantes, e a ala conservadora não as tenta erradicar…
Outro clássico do discurso careta é o papão da exploração da sexualidade feminina, reduzindo as actrizes porno a vítimas do sistema, a desgraçadas a quem a vida apanhou literalmente nas curvas e andam ali com enorme sacrifício pessoal e sob coacção.
Mentira, claro está. E quem dera aos cofres do nosso Estado a receita fiscal inerente ao rendimento médio dos profissionais do palco alcova.
Por outro lado, e pegando pelo cliché da exploração do corpo da mulher, blábláblá, esse é tão rebuscado quanto irrelevado pela própria opção de muitas mulheres em evidenciarem precisamente o corpo enquanto instrumento de sedução, seja pelo vestuário ou pela atitude. E ainda temos essa “aversão” estampada na publicidade que reflecte os interesses dos consumidores. Ficamos conversados nesta também.
À falta de argumentos sérios, quem não gosta e preferia que os outros não pudessem ter (pois só come quem quer) tenta em desespero de causa pegar pela estética da coisa ou mesmo pela qualidade dos guiões.
Ah e tal, aquilo acaba sempre da mesma maneira. Pois acaba. E qual seria a alternativa? Começar por aí?
Ah e tal, aquilo acaba sempre da mesma maneira e é uma maneira nojenta. Poizé. Mas em matéria de nojos cada um/a fala por si. Ou o mundo mudou assim tanto e ninguém me avisou?
E no fundo o que está em causa é que toda a gente fala mal de algo que supostamente nunca viu e há imensa dor de cotovelo, tanto entre aqueles que comparam as suas pilitas com os bacamartes dos filmes como entre aquelas que vêem as outras a aviarem quatro ou mesmo cinco (não me peçam para entrar em pormenores ou eu entro mesmo) penises em simultâneo (e não, as mãos não entram nas contas) e elas mal aviam um, sobretudo quando ele bate à porta das traseiras.
Está em causa a hipocrisia do costume, dos que preferem brincar às escondidas do que serem apanhados a gostarem da paródia.

Dedo mágico

Outono, meu amor, Outono

O Outono estrangulava a noite
sufocava o brilho da lua
quebrava no meu peito
o maior é o mais violento
a marca era nítida, berrante, em carne nua
que o amor despe a maravilha e o açoite
voa em céu aberto, pousa onde sente
terra, pele eternamente sua,
estação fiel ao seu comboio lento.

Nada disto quer dizer nada
se tu não fores o Outono
a estação desfolhará do sono
e a noite, do tarde demais, na madrugada
sem ti, nada disto quer dizer nada
e tudo o mais só dirá abandono.

«Conhece-te a ti mesmo»...

... recomendava Sócrates, inspirado na inscrição à entrada do templo de Delfos.
O que a História abafou foi o que ele queria dizer com essa frase.
A minha colecção de arte erótica tem também uma forte componente didáctica.

26 julho 2011

dedos que passam a mão pelo pensamento

«Na sombra do meu sangue escrevo-vos do meu mundo, escrevo para todos aqueles que entendem que um poeta vive com o rosto no meio de letras e que elas selam um planeta que me dissolve, que se dissolve sempre a cada frase escrita por mim.

Anoitece entre o meu tremor e a minha treva. O mundo lá fora corre trespassado pelo láudano. Em vóltios e vóltios... No meu mundo o sangue aproxima-se escarpado. Os dedos preparam mais uma aurora e os Astros lutam, dentro, em mim, numa guerra de elementos, transformando a imagem trabalhada em palavras.

No chão da página escuto os rios que correm repletos de frases cheias, gritando, gemendo montanhas em falos gritos. Também Eu às coisas mentais grito;

- aaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhh!...

Na pele a encarnação, o amargo sal que o Astro na carne deixa fugir quando faço morosamente comida de um poema, uma visão ou um lugar para os outros, para os sonhadores, para todos os que procuram a assumpção, as palavras, em lugares compactos no entusiasmo do branco que se pinta às vezes de preto e de repente ficam ofuscantes, as palavras, as colinas das palavras. Em aceleração.

Existem em mim dias difíceis, onde planto a carne dificil na esperança de colher sentires dentre o delírio que a noite pulsa, a vírgula ardente das mãos que escrevem e me empurram de palavra em palavra, unindo-me à poesia, esse núcleo surpreendido que os dedos quase amornam, no poder que deles advém. É então que o verbo me acende a vida. Acendendo os dedos numa selvagem criação. Ergue-se fogo vermelho na transparência profunda da gramática atormentada pelas visões ferozes, pelo escaldar da minha caligrafia, devastando campos e larguras brancas, afogando páginas em loucura. Textos coagulados, impressos no meu pensar, num pensamento perfurado pela febre que me costura ao ar, tal e qual como uma droga, da qual eu sinto que sou totalmente dependente...»

* a mim própria, liricamente!...


Luisa Demétrio Raposo

IluminaSão



Foto: Shark

No teu corpo

Desfia-me poro a poro
como se entrasses
sem entrar;
como se os beijos
se acalmassem em si mesmos
e soletra-me um sonho
que de azul, desfeito,
não passa de uma efémera
proeza.
Desfia-me as horas no teu corpo.

Poesia de Paula Raposo

«Ce cochon de Paulo»

Este cartaz de cinema é enorme. Tive que pedir a um gajo conhecido, com 1,80m de altura, para segurar aquilo. E teve que esticar os braços para o cartaz não tocar no chão.
Comprei-o por vários motivos. E é mais um miminho da minha colecção.

25 julho 2011

Porque só os cravos murcham!


Descobri cedo, logo no embrião da minha entrada em (novas) funções, que a minha liberdade não está limitada apenas pelos constrangimentos anatómicos da minha condição de pila.
O coiso está agarrado a mim e desconfio que assim se manterá até ao fim dos meus dias, nada a fazer. Porém, esta relação de interdependência não é equilibrada. Sou um nadinha mais pequena do que ele (é tudo muito relativo em termos cósmicos) e ainda bem, ou sempre que eu me entusiasmasse acabávamos os dois no meio do chão.
Este desnível nas dimensões não explica mas ilustra a relação de poder que se estabelece entre o coiso e a sua pila, muito condicionada pela convicção dos coisos agarrados a nós de que não passamos de meros apêndices seus. Isso implica o autoritarismo presente na esmagadora maioria destas ligações complicadas, uma prepotência que impõe uma espécie de lei da selva na zona do matagal.
Ou seja, o coiso agarrado a mim tem a faca e o queijo na mão e acaba por ser tudo feito à maneira dele. Se o Benfica está a marcar uma grande penalidade quando vamos a caminho de uma mijinha lá tenho eu de me aguentar à bronca. Às vezes tenho perante mim uma passarinha completamente disponível para me acolher e o coiso lá em cima a complicar com os problemas e constrangimentos de coiso e acabo em doca seca sem necessidade. Isto tem algum jeito?
Claro que posso estar influenciado pelo último plenário das pilas em que participei, no wc de um centro comercial, e embora perceba que o drama vivido pelas minhas homólogas se reveste de contornos bem mais penosos sou uma piroca solidária e percebo a revolta contra esta espécie de escravatura que a abstinência forçada nos impõe.
Não votei a favor das medidas de luta mais radicais, admito, pois embora entenda a necessidade de nós pilas termos uma palavra a dizer (porque até os coisos sabem que pensamos pela própria cabeça) os meus hábitos de vida levaram-me a propor, em vez da recusa em nos apresentarmos operacionais no posto de trabalho, uma greve de zelo.
Seja como for, ando inquieta com os efeitos da crise nas pilas europeias em geral e nas portuguesas em particular e pelos quais pagamos o preço do tal abuso de poder por parte dos coisos que, de forma paradoxal, até podem menos do que antes.
Por isso nós pilas temos que lutar por uma maior autonomia antes que se perca de todo a fé nos amanhãs que levantam.
Eu sei que isto parece discurso grevista de comuna sindicalista e ateu, mas é só porque o tesão foi-se e essa é uma verdade sem ponta por onde um martelo pilão a possa pregar.